por João Cerqueira
O primeiro-ministro declarou que «não vale a pena dramatizarmos».
Depois de todos os casos e casinhos, do casão da TAP, do parecer que só existia na imaginação das Ministras Mariana Vieira da Silva e Ana Catarina Mendes, de Fernando Medina cada vez saber menos sobre o que se passa no seu ministério, de João Galamba ter enganado a Comissão de Inquérito à TAP e ter chamado o SIS para recuperar o computador furtado pelo seu adjunto, depois do Presidente da República ter sido desautorizado, ter de seguida ameaçado o Governo, mas acabado a desdramatizar a situação, naturalmente o primeiro-ministro considerou que o dramatismo não se justificava.
Tem toda a razão.
Suponhamos que se dramatizava realmente a situação política portuguesa levando-a à cena numa peça intitulada ‘O Governo de António Costa’. Quem estaria interessado em ver personagens irresponsáveis, incompetentes e mentirosos? Tartufos contemporâneos a governar uma República das bananas. Isso é o que há mais nas produções televisivas, sobretudo nas telenovelas, com a vantagem de alguns destes biltres darem tiros ou matarem alguém. Na peça ‘O Governo de António Costa’, à exceção de alguns insultos da parte de João Galamba e da fúria do adjunto que atira bicicletas pelo ar, ninguém dá sequer um biqueiro nos deputados da oposição ou nos jornalistas do Nascer do SOL ou do Observador. O saudoso João Soares ainda ameaçou trazer alguma emoção para a peça, mas foi retirado de cena.
Depois, metade do público que faz parte da peça – o povo português – não reage ao desgoverno da política e ao malbaratar dos seus impostos, encolhe os ombros quando Portugal é ultrapassado por mais um país que, há uma década, era miserável, não se chateia que lhe mintam todos os dias e o tomem por idiota e, por razões insondáveis, continua a preferir que o Governo se mantenha. À exceção dos professores, não há revoltas a sério como em França. Uma ausência de clímax, portanto. Uma chatice duma peça – há mais ação nos filmes de Manoel de Oliveira.
Os únicos momentos em que finalmente há alguma emoção é quando o talentoso Augusto Santos Silva, ator que elege a Direita como saco de boxe e compara os jornalistas a gado, se digladia com o belicoso André Ventura. Nesses momentos, a temperatura sobe, a peça torna-se menos monótona, parece que vai haver mesmo pancadaria, mas, depois, nada acontece. Poderiam fazer como aquele Prefeito brasileiro de uma cidade do Amazonas e um vereador oponente que resolveram as suas querelas políticas num combate de Vale Tudo – disputado, aliás, com grande profissionalismo. Mas, não. Santos Silva não sabe malhar com os punhos e Ventura também é igualmente inepto quando se trata de bofetada. Longe vão os duelos entre os políticos da Monarquia e da Primeira República.
Assim sendo, com tantas falhas no argumento, com tantas expectativas criadas e não cumpridas, qual seria o interesse de levar ao palco este drama medíocre? Além disso, os atores são maus, não conseguindo fingir emoções. Nas telenovelas, alguns personagens mentem e enganam os outros personagens sem que estes se apercebam. Mas na peça O Governo de António Costa já nenhum personagem consegue enganar ninguém. Não há uma fala que soe verdadeira. Pior ainda, quando de facto estão a falar verdade, parece que continuam a mentir.
E isto remete-nos para o problema da categorização da peça. O registo em que se move é da comédia burlesca, ou da fantochada, com momentos de tragédia. Mas quando a mentira e a verdade são de tal forma baralhadas que se torna impossível distingui-las, então talvez fosse mais correto classificar a peça como surrealista em vez de trágico-cómica. Ou, ainda, dado o absurdo disto tudo, situá-la nas fronteiras do Dadaísmo. Um argumento escrito simultaneamente pelos irmãos Marx, por Luis Buñuel e por Federico Fellini. Ora os portugueses gostam de coisas claras, como saberem que vão pagar mais impostos e que a sua vida vai piorar, e não aceitariam esta indefinição quanto ao género da peça.
Em suma, o primeiro-ministro tem razão e não vale a pena dramatizar o caos a que Portugal chegou. Afinal, ainda não começámos a saquear supermercados, nem aos tiros uns aos outros. Quem quiser dramas que vá para a Ucrânia ou o Sudão. Além disso, ele, mais do que ninguém, está a divertir-se imenso.