Por João Rodrigues, Advogado, Vereador do Urbanismo e Inovação da CM de Braga
A sequência de episódios – que configuram uma verdadeira novela – à volta do processo TAP é, toda ela e no mínimo, nebulosa. No entanto, se é certo que o assunto tem sido debatido e rebatido à exaustão nos mais diversos meios, há algumas reflexões que me parece não terem sido devidamente exploradas e debatidas, pese embora a sua relevância: o apelo ao SIS por parte do Ministério das Infraestruturas; a intervenção do SIS propriamente dita; (e) o acesso indevido a documentação classificada têm de ser muito bem explicadas (se tal for possível) pelas diversas instituições.
Tem-se notado (no comentário político, por exemplo) uma tentativa mais ou menos velada de tornar irrelevante o facto de João Galamba ter interpelado o Sistema de Informações de Segurança (SIS) para que este recuperasse o computador que estava na posse do seu confiável adjunto. Ouvi quem dissesse «que não podemos ser anjinhos e que tudo isto é normal»; que estamos a falar de «serviços secretos» que têm «carta branca» para este tipo de atuação.
Ora, nada mais errado.
O que aconteceu é muito grave. E é o SIS quem no-lo diz.
Basta consultarmos a legislação pela qual se rege o seu funcionamento ou, se preferirmos, o site público que lhe pertence e onde a entidade faz questão de reiterar alguns aspetos acerca dela mesma.
É o próprio SIS que nos diz que «o legislador foi muito claro» (sic) na destrinça dos campos de ação das informações de segurança das da investigação criminal, criando, para as duas áreas, instrumentos distintos e que é no âmbito do terrorismo, da espionagem, do crime organizado, do extremismo ideológico ou religioso, do branqueamento de capitais, do tráfico internacional de armas de destruição em massa, do tráfico de seres humanos e da cibercriminalidade que o SIS desenvolve a sua ação. Tão-somente.
O SIS explica, ainda, que «é importante realçar» que conta com a colaboração das forças e serviços de segurança e com as autoridades públicas em geral e que os serviços de informações não têm poderes e competências policiais, estando os seus funcionários «proibidos de exercer poderes, praticar atos ou desenvolver atividades do âmbito ou competência específica dos tribunais ou das entidades com funções policiais, sendo-lhes expressamente proibido proceder à detenção de qualquer indivíduo ou instruir processos penais».
Ou seja, nem o Ministério das Infraestruturas podia ter apelado ao SIS para que fosse recuperado o computador, nem o SIS atuou de acordo com a lei, extravasando manifestamente as suas atribuições, quando intercetou um cidadão à porta de casa para lhe levar um bem que estava na sua posse.
Mas questão igualmente importante diz respeito à documentação que o Ministério das Infraestruturas queria ver protegida.
Que documentação estaria na posse de um adjunto que pudesse justificar a intervenção de uma força policial (que não o SIS)? Quem e como se procede à classificação que justificaria essa intervenção? Quem, no Ministério das Infraestruturas, pode ter acesso a este tipo de documentação classificada? E nos outros ministérios: quem tem acesso a esta documentação classificada? Mais importante: o adjunto em causa estava credenciado para ter acesso a documentação classificada? Em caso afirmativo: de que forma lhe é dado esse acesso? A documentação classificada pode estar gravada e arquivada em instrumento que lhe pertence e que pode ser movimentado (como acontece com informação gravada num computador)? A ser possível o arquivamento de informação classificada num computador de trabalho: a única forma de lhe acedermos é através da presença física do computador? É possível aceder ao computador remotamente? Era possível bloquear o acesso ao documento nos mesmos termos?
Tudo isto é muito grave. É grave o facto de um membro do Governo julgar encontrar-se no direito de interpelar o SIS para deter um cidadão. É grave o facto de o SIS obedecer a uma ordem de um ministro. É grave o facto de o SIS intercetar um cidadão à porta de casa. É grave o facto de o SIS confiscar o computador de um cidadão, coagindo-o. É grave a forma irresponsável como todos percebemos que circula informação classificada. É grave percebermos que um ministro terá dado acesso a documentação classificada a um homem com as características de Frederico Pinheiro.
É grave – muito grave – percebermos que há muita gente interessada em fazer destes factos o menos grave de toda esta história.