Crescer devagar

O que fazemos com o tempo, com os dias, com a vida? Que mensagem passamos aos nossos filhos com a rotina desenfreada, com essa sensação de estar sempre atrasado, sempre com alguma coisa por fazer, com pouca satisfação a realizar atividades que poderiam ser mais prazerosas? 

Em muitas casas as manhãs são idênticas: ‘Acordem, vistam-se, comam, calcem-se! Vamos sair!’. Tudo em tempo recorde e ainda assim parece demasiado. E o dia segue entre correrias: cada família dentro do seu carro, muitas vezes parado no trânsito a caminho da escola, começam a praguejar e desesperar enquanto olham para o relógio: ‘Amanhã temos de sair mais cedo!’ Quando chegam os filhos saem do carro – parado sabe Deus onde – a correr com a mochila a chocalhar nas costas, enquanto os pais os ficam a ver até alguém apitar e acelerarem para o próximo destino. Os mais novos dirigem-se para a sala, começam as aulas, umas a seguir às outras, os recreios apressados, as longas filas para a cantina, o almoço que se engole de uma vez para ter mais tempo para brincar antes das aulas da tarde. E a seguir as explicações, os treinos e todas as atividades extracurriculares em que se inscreveram. Chegam a casa exaustos, às vezes impossíveis e muitas vezes com trabalhos de casa para fazer. E voltam a ser empurrados para estudar, para fazer a mochila, para preparar a roupa, tomar banho, vestir o pijama, jantar, ler um livro e ir para a cama. Sempre empurrados contra o tempo, sempre em falta de alguma coisa. 

 

Eles querem acalmar, ficar quietos sem fazer nada, descansar do dia atribulado, mas está tudo por fazer e parecem já estar atrasados para o próximo dia de correria.

Em casa, de manhã, muitas vezes os meus filhos ficam sentados no sofá a olhar para qualquer coisa ou ‘a pensar no dia de ontem’. Fazem tudo com calma, sem pressa, mesmo quando estamos atrasados. Dá que pensar. Quem tem razão? Onde está o bom senso? Às vezes devemos parecer doidos aos olhos deles. 

O que fazemos com o tempo, com os dias, com a vida? Que mensagem passamos aos nossos filhos com a rotina desenfreada, com essa sensação de estar sempre atrasado, sempre com alguma coisa por fazer, com pouca satisfação a realizar atividades que poderiam ser mais prazerosas? 

 

Vivemos numa sociedade atolada de tarefas e responsabilidades, de horários, de coisas demasiado importantes e urgentes, que se sobrepõem ao tempo para estar, para pensar, para criar, para observar, para sentir, conversar e ouvir com calma, para descansar. Tempo para viver o dia vagarosamente e não para passar por ele a correr, sempre atrasados para cumprir alguma coisa, sem nos darmos conta de outras mais importantes com que nos cruzamos e que ficam pelo caminho. 

Muitas vezes as crianças param na rua para ver qualquer coisa em que repararam: um bichinho, uma folha diferente, um resto de qualquer coisa que alguém deixou cair. E imediatamente o braço estica, sentem um solavanco e lá vão a reboque da mão de um adulto que os puxa com pressa ao mesmo tempo que protesta incrédulo: ‘Vamos! O que é que estás a fazer aí parado? Não sabes que temos pressa? Isso é lixo. Larga isso!’ Mas para elas não é lixo. Até pode ser um tesouro. É dela, foi ela que encontrou, é novo, é diferente, é especial! 

 

Há muitas coisas especiais que podemos ou não encontrar na vida. Depende do tempo que estamos dispostos a dedicar-lhes e se estamos ou não recetivos. À medida que crescemos vamos estando cada vez menos atentos a elas. As crianças estão sempre em busca desses tesouros, não só dos que se encontram no chão ou na natureza, mas também dos encontros com os pais, com a família, com amigos e até com desconhecidos. Encontros com eles próprios, com os seus pensamentos, os seus brinquedos, os seus desenhos ou o que for. Estes encontros são os verdadeiros tesouros da vida.

 

Psicóloga na ClinicaLab Rita de Botton