União Europeia: um grande desafio geopolítico

Alguém sente que Ursula von der Leyen  foi eleita pelos cidadãos europeus? A resposta encontra-se em jogos de consensos franco-alemães que confirmam a rutura britânica de saída da UE.

Por Virgílio Machado, professor e autor de Portugal Geopolítico

O 9 de Maio, dia da Europa, passou quase despercebido. A guerra na Ucrânia criou outro foco. Um antigo primeiro-ministro belga, Mark Eysens dizia que «a Europa é um gigante económico, um anão político e uma minhoca militar». Simbolismos à parte emitidos de quem vivia no coração político da Europa em Bruxelas e no seio de um país com belgas, valões e flamengos, num mosaico complexo de culturas, bem saberia do que estava falando.

A competição entre potencias é caracterização atual correta da atual ordem internacional. Para vencer esse desafio, as politicas públicas europeias em áreas como a justiça, a saúde, a educação, o emprego e o trabalho deverão ser coesas e transversais. E também sustentáveis em áreas como a energia, o transporte, a produção alimentar e/ou industrial. A criação de riqueza pelo crescimento de empresas, patentes ou do denominado PIB numa lógica competitiva não abona a Europa, na comparação com os rivais China ou Estados Unidos. Faltará uma dimensão geopolítica à Europa para conseguir mais dimensão económica e social?

As ideias, as perceções e as cognições que os europeus têm da Europa afastam-se de uma dimensão política. O famoso principio do Spitzenkandidat ,ou seja, que o presidente da Comissão Europeia deveria provir do partido com mais votos no Parlamento foi abandonado. Alguém sente que a atual presidente von der Leyen foi eleita pelos cidadãos europeus? Segundo princípios democráticos mais genuínos? A resposta encontra-se em jogos de consensos franco-alemães que confirmam a rutura britânica de saída da União Europeia.

Outro aspeto crítico da União Europeia traduz-se no foco em dinâmicas quase exclusivamente económicas no plano de orçamentos dos Estados, finanças, fiscalidade, controle de emissão da moeda e taxas de juro pelo Banco Central Europeu e na aposta das tecnologias de distribuição. Os portugueses, claramente pró-europeus, não deixaram de sentir o estigma da troika em 2011-2014. Como bons alunos de professores severos para com os pequenos Estados. Também para com os grandes? A dúvida é legitima. Porque a plena integração fiscal e bancária está longe de ser conseguida. Em Portugal, sente-se a diferença, impar, entre taxas de juro ativas e passivas.

A Europa sempre foi e será um complexo geopolítico. Carece de uma cultura estratégica comum. De um reforço de uma diplomacia interna. De integração em politicas publicas fundamentais que se prendem com o dia a dia da vida dos cidadãos comuns. A falta de lideres aptos reforçam descrenças. A resposta vai-se dando em especializações geopolíticas.

A Nova Liga Hanseática a Norte, com os Países Baixos focados, o Grupo de Visegrado a Leste, tendo como promotora a Hungria de Orbán e a crise migratória do Mediterrâneo, a Sul, com a Itália preocupada, marcam agendas e prioridades que vão afastando a Europa de uma visão geopolítica comum. Em certo sentido, a invasão da Ucrânia por Putin deu um balão de oxigénio a uma visão unificada de Europa. Pelo tempo que a guerra durar? E só nas áreas da politica exterior e da defesa militar? Pensa-se que não será suficiente para uma Europa geopolítica.

A confiança, base da construção de um capital social e político europeu, é um dos fatores mais decisivos. A capacidade da politica funcionar conforme o esperado, ou seja, para a eficácia de politicas públicas de desenvolvimento, já atrás assinaladas, a benevolência da mesma para com a justiça e valores fundamentais, como a paz e ainda sua integridade, enquanto tecnologia, sistema de organização de relações humanas e sociais democráticas, consoante aqueles valores.

A Europa geopolítica necessita de uma triangulação de dimensões políticas principais: cognitiva, emocional e comportamental. Entre a organização Europa, indivíduos e organizações. A dimensão cognitiva da confiança refere-se às crenças e perceções que os indivíduos têm da Europa nos territórios onde vivem e trabalham, incluindo sua confiabilidade, precisão e segurança. A dimensão emocional destaca a transparência, capacidade de explicação e responsabilidade na construção do projeto político europeu.

Por ultimo, a dimensão comportamental: é responsabilidade dos Estados descentralizados da Europa assegurar monitoramento e avaliação contínuos do sistema geopolítico europeu para garantir sua segurança e eficácia. De momento, parece estarmos muito longe deste desiderato. E cada vez temos menos tempo.