Na Grécia, 58 dos 59 distritos que compõem o mapa eleitoral pintaram-se de azul. Com 40,79 por cento dos votos, a Nova Democracia (ND) teve uma vitória expressiva. Um ‘terramoto político’, segundo o Primeiro-ministro Kyriákos Mitsotákis: «Sem dúvida, o terramoto político que aconteceu hoje convoca-nos a acelerar o processo de uma solução de governo definitiva, para que o país tenha uma mão experiente ao leme o mais breve possível». Em segundo lugar, com 20,07 por cento dos votos, ficou a Coligação da Esquerda Radical – Aliança Progressista (SYRIZA) de Alex Tsipras. O centro-esquerda, representado pelo partido fundador da democracia, Movimento Socialista Pan-helénico (PASOK), teve 11,79 por cento dos votos.
Embora as sondagens indicassem uma vitória da ND, não se previa uma margem tão grande. Mas, apesar da vantagem, a ND ficou a cinco lugares da maioria absoluta.
Sistema eleitoral
No seu discurso de vitória, Mitsotákis afastou a hipótese de formar uma coligação, indicando a sua opção por uma segunda volta: «O povo quis a escolha de uma Grécia governada por um overno de maioria e pela Nova Democracia, sem a ajuda de outros».
As eleições foram de estreia de um sistema que reforça a proporcionalidade na primeira volta, depois das alterações à lei eleitoral introduzidas em 2016. Ao eliminar (na primeira volta) a regra de atribuição de uma bonificação de até 50 lugares ao partido vencedor, a nova lei visa aumentar a necessidade de formar coligações de Governo. Depois deste resultado, Mitsotákis tem na segunda volta a melhor e mais segura opção para conseguir uma maioria, evitando coligações incómodas à esquerda ou à direita. Tudo indica que o seu partido voltará a ficar na frente, conseguindo os lugares de bonificação.
A lei também alterou a idade mínima para votar, dos 18 para os 17 anos. Uma mudança que impactou as estratégias de campanha, com os principais candidatos a reforçarem a sua presença no TikTok e Youtube, tentando chegar a cerca de 440.000 eleitores. A ND teve mais sucesso do que o SYRIZA entre estes jovens, que viveram uma infância marcada pela crise e recessão, uma adolescência condicionada pela pandemia e entram na idade adulta num contexto marcado pela inflação.
O terramoto de 2012
Em certa medida, as eleições sinalizam o regresso ao status quo depois do terramoto de 2012. Como Portugal, que também iniciou o seu processo de democratização em 1974, o sistema político e partidário grego foi, durante quase três décadas, caracterizado pelo bipartidarismo, com a alternância no poder entre o centro-direita (ND) e o socialismo (PASOK).
Mas, em 2010, veio a crise da dívida soberana, que desencadeou o maior programa de resgate financeiro da história. Evitou-se o pior, mas o preço foi alto: a economia encolheu 25 por cento; a taxa de desemprego aumentou também 25 por cento (chegando a 60 por cento entre os jovens), e, num país envelhecido onde um em cada dois agregados familiares dependia sobretudo ou exclusivamente das reformas, o corte das pensões aumentou a vulnerabilidade. Em 2017, uma em cada três pessoas vivia abaixo do limiar da pobreza.
A saída do Euro era uma possibilidade em 2012 e o sistema bipartidário implodia, com os dois grandes partidos a perderem cerca de 45 por cento do eleitorado. Pela Europa, os grandes partidos do centro, sobretudo do centro-esquerda, receavam ser vítimas do processo de ‘pasokização’.
Na Grécia, o grande beneficiário foi o SYRIZA, que ficou em segundo lugar nas eleições de 2012. O partido de Tsipras rejeitaria uma coligação com a Nova Democracia, mantendo-se na oposição. Venceu as duas eleições legislativas de 2015, mas nas eleições de 2019 a Nova Democracia regressava, sozinha, ao poder.
O caso grego reforça a tese de que, uma vez no poder e a braços com a responsabilidade de governar, os partidos radicais tendem a ajustar-se à realidade, pelo menos à realidade económica. O SYRIZA, como o Podemos em Espanha, cresceu com a contestação à austeridade e a política de rua. Em 2015, em referendo, 61 por cento dos eleitores rejeitaram o plano de resgate proposto pela troika. Mas Tsipras acabaria por assinar o acordo, o que levou à demissão do seu ministro das Finanças Yanis Varoufakis, que descreveu o plano como um «novo Tratado de Versalhes».
Os resultados de domingo sugerem que os processos de reconfiguração dos sistemas partidários são reversíveis. Por outro lado, também confirmam a existência e resistência de um eleitorado radical. O Partido Comunista grego é, a par do português, o único que sobrevive na Europa, tendo aumentado a sua votação para 7.23 por cento. Na extrema-direita, o Partido Nacional Grego, cujo fundador está a cumprir pena de prisão, foi impedido pelo Supremo Tribunal de concorrer às eleições. A decisão do Tribunal veio na sequência de uma lei aprovada no parlamento que proíbe que indivíduos acusados de crimes graves se candidatem, aprovada com os votos da Nova Democracia e do PASOK. O SYRIZA absteve-se e o Partido Comunista votou contra, alegando que a lei abria um precedente que poderia impedir outros candidatos e partidos de se candidatarem. A direita populista e radical foi representada pelo recém-criado Solução Grega, que obteve 4,45 por cento dos votos.
Destino diferente teve o progressista e radical MeRA25, Coligação para a Rutura, de Varoufakis, que perdeu representação parlamentar. Reconhecendo a derrota, o ex-ministro das Finanças declarou, na noite eleitoral, que «a Erdoganização e Orbanização do país está completa».
Estabilização e crescimento
No caminho para a vitória, a Nova Democracia tinha dois obstáculos. O primeiro foram os efeitos da notícia de que os serviços de inteligência gregos estariam a espiar políticos da oposição e jornalistas através do software Predator. O caso levou a Comissão Europeia a pedir esclarecimentos e a oposição a apresentar uma moção de censura, à qual o Governo sobreviveu. O segundo foi quando, em fevereiro, a colisão entre um comboio de carga e um comboio de passageiros deixou dezenas de vítimas, muitas delas jovens. A comoção deu lugar a protestos e greves por todo o país, e levou à demissão do ministro dos Transportes.
Mas dois fatores parecem ter pesado na decisão dos eleitores, favorecendo a vitória de Mitsotákis.
O primeiro, a economia. Depois de sucessivos anos de crise, a que se seguiu o choque provocado pela pandemia, a economia grega cresceu quase 6 por cento em 2022, muito acima da média europeia, alavancada por uma forte recuperação no setor do turismo, o aumento das exportações e do investimento estrangeiro. A dívida, a carga fiscal e os impostos diminuíram. Muitos eleitores subscreveram as declarações de Mitsotákis durante a campanha, de que seriam precisos dois mandatos para completar as reformas estruturais que permitiram a recuperação.
Para além da economia, outra questão central do Governo de Mitsotákis foi a política de imigração, que o primeiro-ministro descreve como «firme, mas justa».
Em matéria de imigração, a Grécia é um caso extremo. Porta de entrada marítima e terrestre para migrantes e requerentes de asilo, o país está na linha da frente dos desafios migratórios. Durante a crise de 2015-16, o número de entradas de refugiados e migrantes excedeu um milhão, segundo dados do ACNUR. Em 2020, após 33 soldados turcos morrerem na Síria, Erdogan anunciou que abriria a fronteira com a Grécia, ao longo do Rio Evro. O anúncio atraiu dezenas de milhares de migrantes que tentaram entrar no país levando a confrontos violentos com a Polícia grega.
Este acontecimento, que Mitsotákis descreveu como «uma invasão organizada de imigrantes ilegais», evidenciou não só a vulnerabilidade da Grécia face à Turquia em matéria de imigração, mas também a insustentabilidade das soluções encontradas.
Apesar de criticada, a política de imigração e controlo de fronteiras ‘firme, mas justa’ foi validada nas urnas, o que indicia uma crescente convergência, nesta matéria, entre o eleitorado grego. Numa ação de campanha em Lesbos, Mitsotákis manifestou orgulho em ter cumprido a promessa de manter as fronteiras seguras: «Implementámos uma política de imigração firme, mas justa. Protegemos as fronteiras do nosso país, tanto terrestres quanto marítimas, e reduzimos as chegadas irregulares em 90 por cento. Provámos que o mar tem fronteiras, e que essas fronteiras podem e devem ser protegidas».
Mitsotákis comprometeu-se a aumentar em 35 km o muro ao longo da fronteira com a Turquia, e a oposição à esquerda seguiu o seu exemplo. Alex Tsipras recuou na política de portas abertas, e afirmou, em campanha, que o seu Governo manteria – como já tinha feito antes – o muro na fronteira com a Turquia. Também o porta-voz do PASOK, lembrando que a construção do muro se iniciara sob um Governo socialista, disse que o seu partido apoiava a extensão do muro.
Nesta campanha, o primeiro-ministro prometeu prolongar o muro ao longo da quase totalidade da fronteira (192 km) até 2026, e pressionar a União Europeia a pagar: «Com ou sem dinheiro europeu, o muro em Evros será terminado». Em abril, numa entrevista ao jornal alemão Bild, Mitsotákis referia que os muros eram apenas uma parte da resposta, e sublinhava a questão da responsabilidade partilhada: «… Um muro, por si só, não vai resolver o problema. Precisamos de uma política de imigração abrangente, que inclui a forma como gerimos fluxos secundários, a partilha de responsabilidades no que toca aqueles que são aceites como refugiados, o que fazemos com os repatriamentos. Isto é absolutamente crítico. Aqueles que não têm direito ao estatuto de refugiados precisam de retornar aos seus países de origem».
Fórmula de sucesso
O Governo de Mitsotákis focou-se num plano de reformas económicas e em assegurar a proteção de fronteiras. Os resultados sugerem que foi ao encontro das propriedades de grande parte do eleitorado, conseguindo, com ajuda das circunstâncias, conter os adversários.
A recuperação económica, embora ensombrada pela inflação, retirou força à proposta de Tsipras. Para a esquerda radical europeia, o fraco resultado de um SYRIZA que já foi testado e agora rejeitado é uma derrota pesada, a que se soma a derrota do MeRA25. Derrotas que, a repetirem-se em outras latitudes, podem sinalizar o fim de um ciclo de expansão política que se iniciou como reação às políticas de austeridade.
Por outro lado, para além da proibição imposta às candidaturas de partidos de extrema-direita, a política migratória do Governo, que suscitou muitas críticas, esvaziou, em parte, o potencial de crescimento da direita radical. Os líderes do centro-direita europeu, em muitos casos ameaçados por novas alternativas, poderão ver em Mitsotákis um caminho a seguir, ainda que difícil de reproduzir.
*Texto editado por Sónia Peres Pinto