Crescer sem filtros

A vida das redes sociais alimenta-se do desejo de exibir uma realidade que não existe. É uma imitação falsa e retocada da vida, o que acarreta várias consequências…

Um estudo desenvolvido pela Dove concluiu que em Portugal 86% dos jovens entre os 10 e os 17 anos admitem estar viciados nas redes sociais e que oito em cada dez preferem a comunicação virtual à presencial. Os pais mostram-se impotentes para controlar a situação e a maioria sente que as redes sociais têm mais influência na autoestima dos filhos do que eles próprios.

Nada disto é novidade, mas parece que quando as evidências se traduzem em números tudo se torna mais claro, verdadeiro e alarmante.

Sobretudo os pais de raparigas adolescentes ou pré-adolescentes têm mostrado uma enorme preocupação com o impacto das redes sociais na sua autoestima. Todos as podemos ver na rua, na escola ou no café, a dançar e a tirar fotografias em frente ao telemóvel, enquanto se vão comparando com outras que lhes parecem mais giras e perfeitas. O confronto constante da sua imagem com a de modelos cheias de maquilhagem e de filtros leva-as a um conflito permanente entre a forma como se veem e como gostariam de ser. O resultado é sentirem-se feias e diminuídas, passarem a ter uma preocupação excessiva e prejudicial com a sua aparência, a usar maquilhagem e a ter cuidados com o corpo cada vez mais cedo. No meio de tantas figuras artificialmente perfeitas, muitas acabam por ser impelidas a usar filtros para não lhes ficarem atrás. Este conflito constante entre o desejo e a realidade, esta exigência excessiva e doentia de perfeição, tem facilmente um impacto negativo na autoestima e saúde mental destas jovens em crescimento.

A vida das redes sociais pode ser absolutamente tóxica e perniciosa. Alimenta-se do desejo de exibir uma realidade que não existe. É uma imitação falsa e retocada da vida, o que acarreta várias consequências.

A adolescência pode ser uma fase fantástica, mas também é um período delicado de formação e afirmação. De instabilidade, vulnerabilidade e de grandes mudanças físicas e psicológicas. Uma etapa em que os jovens se atrevem a explorar o mundo por eles próprios. É a altura em que se descobrem e encontram através das vivências e identificações com os pares. Se os pares com quem deviam crescer e identificar-se passam a ser seres distantes e aparentemente perfeitos que vivem no telemóvel, os defeitos e fragilidades do próprio tornam-se cada vez mais gritantes. O resultado só pode ser desastroso.

O nosso corpo, a vida e as relações não são perfeitas e muitas destas jovens crescem confrontadas com o que gostariam de ser e não são. Sempre houve ídolos, atrizes e modelos, e quem vivesse no desejo de ser como eles. Mas quanto menos os jovens tiverem de mundo real, de relações concretas uns com os outros, de experiências verdadeiras e variadas, de um grupo de amigos coeso que valorize cada um dos seus elementos por aquilo que é e não por aquilo que lhes parece que todos deveriam ser, mais perigoso será.

É importante que os jovens se conheçam, aceitem e gostem de si como são. Que haja estímulo e incentivo em todas as áreas e não só na parte física. Que as diferenças sejam valorizadas e que não se passe um filtro que deixa todos iguais. Permitir o contacto ilimitado com as redes sociais, não alertar para os seus perigos, não oferecer e incentivar atividades alternativas, é pactuar com esta pseudorrealidade, é contribuir para que haja cada vez mais pessoas a crescer vazias, isoladas, em esforço para se tornarem alguém diferente. É contribuir para a angústia, a vergonha e a frustração.

 

Psicóloga na ClinicaLab Rita de Botton

filipachasqueira@gmail.com