Quando, em Viena, em 1964, perante mais de 70 mil espetadores, o Inter de Milão bateu o Real Madrid por 3-1 e se tornou campeão da Europa, Milão passou a ser, orgulhosamente, a única cidade do continente a ter dois vencedores da Taça dos Campeões. Até hoje, nenhuma outra cidade conseguiu imitar os milaneses. Talvez Madrid tenha sido a que esteve mais próxima disso graças às presenças nas finais do Atlético. Ou Londres que, para além dos dois troféus ganhos pelo Chelsea, ainda viu o Arsenal perder para o Barcelona em 2005/06 e o Tottenham perder para o Liverpool em 2021/22. Agora é a vez de Manchester voltar a perfilar-se para o conseguir, sendo que o City – o United tem três, a primeira ganha ao Benfica (1967/68), a segunda ao Bayern (1998/99) e a terceira ao Chelsea (1907/08) – também já andou perto – derrota frente ao Chelsea (1920-21).
Eis-nos, portanto, para além de uma luta entre dois clubes, numa luta entre duas cidades. Será Manchester a segunda cidade da Europa a ter dois clubes campeões? Aceitemos sem grande rebuço que a equipa de Guardiola se apresenta como favorita. Depois de ter garantido o título de campeão inglês e vencido a Taça de Inglaterra, o Manchester City volta ao momento mais importante da sua história. Manigâncias incompreensíveis da organização da UEFA, convenhamos. O City só tem uma taça europeia no seu currículo, a Taça das Taças de 1969-70. Pouco para quem exibe de há anos a esta parte o futebol mais entusiasmante de todos os que podemos assistir. O ridículo não mata mas mói: com a regra extremamente antidemocrática – digamos assim, para não irmos mais longe – de fazer com que os terceiros classificados dos grupos iniciais da Liga dos Campeões caírem na Liga Europa, damos por nós a encarar o Sevilha (7 Ligas Europas) como um dos clubes mais titulados. Entende-se? Pessoalmente não consigo. O Sevilha?! No topo dos topos?! Para quando perceber que quem é eliminado de uma prova não pode receber o bónus de se meter à estrada para ganhar outra menos sonante? Pelos vistos os senhores que mandam no futebol europeu gostam de agradar aos clubes dos países com mais poder permitindo-lhes o regabofe de ir enchendo vitrinas com taças que não deviam estar dentro das suas expectativas. Vale que já ninguém verdadeiramente se interessa por isso. Mas quem é que tem a pachorra infinita de se sentar numa destas noites de calor de quase Verão a assistir aos confrontos entre Sevilha e Roma ou entre a Fiorentina e o West Ham, agremiações que nem nos primeiros cinco ou seis dos seus campeonatos conseguem ficar? Dinheiro, apenas dinheiro, nada mais o justifica. O futebol e a qualidade do mesmo pouco importa. A mediocridade instalou-se. Cá por mim, confesso: vejo a final da Liga dos Campeões e chega-me! Não gosto de restos. Ou de rebotalho.
Uma competição estranha
Esta Liga dos Campeões que termina amanhã foi, no mínimo, estranha. Essa estranheza é fácil de explicar quando olhamos para trás e reparamos que, ao contrário do que aconteceu na última época, por exemplo, os maiores dos maiores acabaram por cair nos braços uns dos outros por capricho dos sorteios. Em condições normais (digamos) o Inter não tem arcaboiço para ir dar com os costados na final de Istambul – até os locais onde se disputam as finais da Liga dos Campeões estão a ficar repetitivos, não estão? – mas foi sendo feliz ao apanhar FC Porto, Benfica e Milan, também nenhum deles com estofo para uma final deste calibre.
Por seu lado, nos quartos e meias-finais, o City de Guardiola teve de se haver com gente tão poderosa como o Bayern de Munique ou o Real Madrid. Mais uma razão para chegar a esta final como favoritíssimo, dando de barato esse velho princípio da maravilhosa incerteza do desporto. Estarão frente a frente dois conjuntos desequilibrados. O equilíbrio dos milaneses só pode ser obtido com o habitual recurso a um futebol de retranca e ao aproveitamento sóbrio das poucas oportunidades que vier a criar. Foi assim que chegaram a Istambul, é assim que vão certamente jogar.
O Manchester City tem, mais uma vez, a Taça dos Campeões ao estender da mão. Afinal foi essa a aposta dos milionários que nele empataram montes de dinheiro. Ser campeão de Inglaterra já não chega. É preciso dar o passo em frente e tanto City como Paris Saint-Germain têm sido exemplos duros de que ter os bolsos cheios não basta para se ser verdadeiramente grande como os grandes. O Inter, a despeito de estar muitos anos afastado de finais como esta, já tem essa grandeza ainda que seja necessário, volta e meia, polir a patine do seu passado preponderante. Sublinhando-se que foi à custa do estilo embirrento do cattenacio (com Herrera e com Mourinho) que obteve as suas três Taças dos Campeões. Verdadeiramente, o Inter ficou para sempre marcado pelo medo. Foi com medo que bateu o Real, foi com medo que bateu o Benfica (numa final vergonhosa que a UEFA decidiu marcar para San Siro), foi com medo que ganhou ao Bayern. Todos os grandes clubes têm, como figuras de referência, avançados pródigos ou talentos prodigiosos. O Inter apresenta como figura mais marcante um defesa, Giacinto Fachetti, que a despeito de toda a qualidade que se lhe reconheceu era simplesmente um… defesa. Só por isso já o City parte na frente.