Ai que feio, a chorar!

Chorar é uma necessidade, uma espécie de libertação do mal-estar. É uma resposta espontânea e sincera a um sentimento que ainda não consegue ser falado nem pensado.

Por Filipa Chasqueira

Em várias ocasiões vemos crianças a chorar. Pode ser no supermercado, numa loja, no parque ou num restaurante. Para elas tanto faz o sítio ou a ocasião, quando o saco enche tem de esvaziar. Para os pais e para as pessoas que estão à sua volta é que já faz alguma diferença e muitas vezes há alguém que passa e diz: ‘Ai que feio, a chorar! Que feeeio!’ Perante o comentário algumas mães voltam-se para o filho e protestam envergonhadas: ‘Já viste a figura que estás a fazer?’, ‘Olha os outros meninos todos a portarem-se tão bem’, outras ignoram o comentário ou fazem cara má a quem o fez e outras ainda nem o conseguem ouvir no meio do barulho.

As birras e o choro das crianças podem ser muito desgastantes sobretudo para os pais, que as ouvem todos os dias. Há crianças que precisam de chorar mais do que outras e pais que mereciam ser canonizados pela paciência que têm.

As crianças não choram para nos irritar, porque são feias ou mal-educadas. As crianças choram porque às vezes precisam mesmo de extravasar e embora isso possa irritar e desesperar muitas pessoas, não é por isso que passam a ser feias. Chorar é uma necessidade, uma espécie de libertação do mal-estar. É uma resposta espontânea e sincera a um sentimento que ainda não consegue ser falado nem pensado. Muitas vezes coincide com sentimentos de frustração, mas muitas outras com emoções que a própria criança não consegue identificar. Como naquelas peças de dominó que se colocam em fila em pé e se desmoronam com um pequeno toque, se por exemplo fatores como o sono, a fome e o cansaço se aliam, ao mais pequeno deslize, o choro será a resposta certa e imediata.

Mas não é por isso que a criança é feia. Por mais que às vezes nos possa custar, chorar faz parte do crescimento e não é uma escolha, mas uma necessidade. O desfecho de uma série de conflitos internos ou uma resposta a uma sensação de mal-estar, muitas vezes absolutamente compreensível. Por exemplo, se uma criança é levada para o hipermercado à hora a que já devia ter almoçado e estar a dormir, é muito provável que depois de fazer um enorme frete ao ser arrastada por aqueles corredores intermináveis a escolher coisas tão interessantes como batatas, pernas de frango embaladas ou detergentes para a roupa, faça uma gritaria se pede alguma coisa e não lha dão.

Por vezes nem os melhores pais conseguem entender ou acalmar um bom choro. Há choros que duram horas. Há choros que surgem por uma razão evidente e há outros que parecem inventar um pretexto para existir. Surgem porque as crianças estão tensas, zangadas, frustradas ou cansadas. Porque têm mesmo de explodir e ainda não dispõem de recursos para se reorganizarem de outra forma. Choram porque confiam em nós para receber a sua angústia sabendo que continuaremos a gostar delas incondicionalmente. Que os acharemos sempre bonitos, mesmo que a senhora que passou na rua tenha dito o contrário. Choram como nós também chorámos em crianças quando nos sentíamos perdidos. Um dia também vão crescer e amadurecer e encontrar outras formas de lidar com o que ainda não conseguem entender. Não é por nos zangarmos com elas ou dizermos que são feias que vão passar a chorar menos. Vão só sentir-se sozinhas e incompreendidas e concluir que não temos espaço para receber a tristeza ou o desespero delas. Se ficassem em silêncio quando se sentissem tristes ou angustiadas, isso sim seria preocupante.

Psicóloga na ClinicaLab Rita de Botton

filipachasqueira@gmail.com