EUA. DeSantis pode mexer com Trump

Donald Trump parte com vantagem nas sondagens, mas o duelo com o governador da Flórida promete. 

EUA. DeSantis pode mexer com Trump

Com dez candidatos certos e alguns ainda possíveis, as primárias republicanas serão concorridas. Depois de Ron DeSantis anunciar a sua candidatura, foi a vez de Mike Pence, com mais uma novidade numa eleição cheia de inéditos: é a primeira vez que um ex-Presidente e um ex-vice-Presidente competem pela nomeação. 

Apesar da vantagem de Trump nas sondagens, é cedo para declarar vencedores. Os próximos meses serão marcados pelo duelo entre Trump e DeSantis e o governador da Flórida, não sendo o favorito, tem alguns trunfos. Mas, para ganhar a nomeação, DeSantis terá de conseguir provar ao eleitorado do GOP que está numa posição mais favorável do que o seu agora rival para vencer Joe Biden em 2024.  

Em teoria, DeSantis seria o candidato ideal para conciliar as bases com o establishment do Partido Republicano. 

 

Origens modestas e educação na Ivy League 

Nascido em Jacksonville, na Flórida, vem de uma família da classe trabalhadora. Trabalhou para pagar os estudos, graduou-se com distinção em Yale e depois em Harvard, e orgulha-se de se ter mantido conservador: «Se eu consegui sobreviver a sete anos de doutrinação na Ivy League, então também conseguirei sobreviver a Washington». DeSantis também é um veterano: serviu na Marinha Americana e esteve no Iraque. 

Nas memórias, lembra a sua «educação cultural», que refletiu os valores das «comunidades trabalhadoras» da Pensilvânia e do Ohio, e fizeram dele alguém «temente a Deus, trabalhador e que ama a América». Foi eleito para a Casa dos Representantes em 2012 e, em 2015, foi um dos fundadores do Freedom Caucus. Três anos depois, foi eleito governador da Flórida numa vitória impulsionada pelo apoio do seu atual rival: «O congressista Ron DeSantis é um líder jovem e brilhante que passou por Yale e depois Harvard, e faria um EXCELENTE Governador da Flórida. Ele ama o nosso país e é um verdadeiro LUTADOR!», escrevia Donald Trump no Twitter. 

DeSantis anunciou a sua candidatura no Twitter Spaces, numa entrevista com Elon Musk. A fórmula era arriscada, e o resultado foi caótico. No entanto, segundo dados da campanha, em 24 horas a sua candidatura angariou um valor recorde de 8.2 milhões de dólares. A campanha, para os republicanos, já começou. Os candidatos concentram esforços no Iowa, New Hampshire e Carolina do Sul, as três primeiras paragens de uma maratona que só acabará em julho de 2024 em Milwaukee, na Convenção Nacional do Partido Republicano.

 

‘Fazer da América a Flórida’

É uma das promessas de DeSantis. Em Des Moines, no Iowa, o candidato à nomeação atacou, ainda que discretamente, o seu rival: «A liderança não é entretenimento, não é sobre a espuma dos dias do ciclo mediático, não é sobre construir uma marca ou sinalizações de virtude. A liderança, ao final do dia, é sobre produzir resultados». 

E, na Flórida, DeSantis produziu resultados. A economia tem crescido acima da média nacional, a recuperação pós-pandemia foi mais rápida e mais forte do que em outros estados e o desemprego está em mínimos históricos. A resposta de DeSantis à pandemia explica em grande medida por que a Flórida foi o Estado que mais cresceu em população, algo que não acontecia desde 1957. 

As pessoas e as empresas também votam com os pés. Depois dos censos de 2020, a Califórnia e Nova Iorque perderam um lugar na Casa dos Representantes e a Flórida ganhou um. Se o sol e a possibilidade de trabalhar remotamente são parte da resposta, a política de baixos impostos para empresas e trabalhadores, os preços mais baixos no mercado de habitação e a estratégia de manter a economia e a sociedade abertas durante a pandemia, marca distintiva (e polémica) da política de DeSantis, reforçaram a tendência. 

O rival de Trump tornou-se também o grande defensor das causas conservadoras, o que o poderá favorecer nas primárias. Na Flórida, assinou legislação que restringe o acesso ao aborto, alargou o direito ao porte de arma, proibiu «cirurgias de mutilação permanente e a prescrição de bloqueadores de puberdade a crianças», estabeleceu que os atletas devem competir nas equipes desportivas que correspondam ao seu sexo biológico, e proibiu a lecionação de conteúdos sobre orientação sexual e identidade de género a menores de nove anos (uma lei que os críticos batizaram de ‘Não digas gay’). 

Embora polémica, a liderança de DeSantis convenceu os eleitores. A Flórida, considerada um swing State em 2016, é agora ‘solidamente vermelha’. E se, ao contrário do que se antecipava, as eleições intercalares de 2022 não se traduziram numa ‘onda vermelha’, DeSantis venceu na Flórida com uma margem de 19 pontos, conseguindo votos do eleitorado independente, urbano e feminino, segmentos menos recetivos a candidatos republicanos. 

 

Um duelo

Na competição pela nomeação, sondagens, financiamento e apoios são indicadores importantes. Em matéria de financiamento, e apesar da posição confortável de Trump, DeSantis tem a vantagem. O governador da Flórida angariou mais de 210 milhões de dólares para a sua campanha nas intercalares e, de acordo com a CBS, a super PAC ‘Never Back Down’, criada em março para apoiar DeSantis, angariou meio milhão de dólares. Sendo importante, o financiamento pode não garantir a nomeação. Em 2015, a campanha de Jeb Bush batia recordes de financiamento, mas isso não o impediu de ficar em sexto lugar no Iowa, abandonando a corrida em fevereiro de 2016.  

Em matéria de apoios no GOP, Trump tem, por agora, vantagem. Mas não foi assim em 2016, quando a sua vitória deitou por terra a teoria de que não seria possível ganhar a nomeação sem o apoio do establishment republicano. 

Quanto às sondagens, desde que foi formalmente acusado por um Grande Júri, Trump tem mantido a liderança com uma ampla margem, que aumentou depois de DeSantis anunciar a candidatura. Segundo o FiveThirtyEight, a média dos resultados das últimas sondagens indica que Trump recolheria 53,7 por cento dos votos dos eleitores republicanos, e DeSantis 21,3 por cento. Dos restantes candidatos, apenas Mike Pence passaria a barreira dos 5 por cento, com 5,4 por cento.  

Já em campanha, DeSantis tem de atacar o seu principal adversário sem alienar a sua base de apoio. A estratégia tem sido questionar as suas credenciais conservadoras. Numa entrevista a Ben Shapiro, acusou Trump de o atacar a partir da esquerda: «Ele está obviamente a atacar-me a partir da esquerda…não sei o que aconteceu a Donald Trump. Este é um tipo diferente do que concorreu em 2015 e 2016».

Ainda que num cenário de eleições gerais isso possa ser uma vulnerabilidade, as posições ultraconservadoras de DeSantis em temas como o aborto podem ser uma vantagem nas primárias, especialmente em estados como o Iowa, onde há uma grande comunidade evangélica. 

 

Eleições gerais

Nikki Haley, outra candidata à nomeação, deixou um aviso aos eleitores republicanos: «Se escolherem alguém que consegue ganhar umas eleições primárias, mas não consegue ganhar as eleições gerais, ficaremos presos à Presidente Kamala Harris».

Graças à sua vitória na Flórida e ao seu potencial para atrair ‘never trumpers’, DeSantis já foi considerado o candidato mais bem posicionado para vencer Joe Biden. Mas a campanha de Trump tem questionado a elegibilidade de DeSantis, lembrando que as suas posições poderiam alienar eleitores independentes. As sondagens sugerem que a disputa pela presidência será renhida. O resultado médio das sondagens analisadas pela RealClearPolitics indica que Trump venceria Biden por 1,8 por cento, atribuindo a DeSantis uma margem ainda mais pequena, de 1,2 por cento. 

Não sendo certo quem será o candidato republicano, Joe Biden poderá chegar a 2024 numa posição fragilizada. A perda da maioria na Casa dos Representantes e as restrições associadas ao acordo sobre o teto da dívida tornam difícil cumprir promessas importantes, como o perdão da dívida estudantil. E o eleitorado mais jovem parece ter perdido o entusiasmo com Biden: o seu apoio entre os eleitores dos 18 aos 44 anos diminuiu depois de ser anunciado o fim da moratória sobre o pagamento da dívida estudantil, e está em 41 por cento. Também têm aumentado a preocupação com a condição física do Presidente. As restrições à agenda de trabalho refletem o receio, entre os seus colaboradores, de gafes ou acidentes, como a queda durante uma cerimónia da Academia da Força Aérea. Finalmente, a candidatura de Robert F. Kennedy (RFK Jr.), que conta, segundo uma sondagem da CNN, com 20 por cento de apoio entre os democratas, não ameaçando a nomeação de Biden, pode fragilizar a sua posição. Um advogado ambiental e crítico das restrições impostas durante a pandemia, RFK Jr. tem denunciado as ‘elites progressistas’ e o ‘feudalismo corporativista’, afirmando que o Partido Democrata se tornou «o partido de Wall Street e o partido da censura». Caso a sua popularidade aumente, Biden poderá ser pressionado a fazer uma campanha mais ativa ou até a participar num debate. 

 

Competitividade pode beneficiar os Republicanos

As escolhas políticas e a perda de popularidade de Biden têm levado muitos analistas a estabelecer uma comparação com Jimmy Carter. Em 1980, apesar de uma taxa de aprovação de apenas 37 por cento, o Presidente Carter conseguiu a nomeação democrata para depois sofrer uma pesadíssima derrota frente a Ronald Reagan.  Com a taxa de aprovação do Presidente a diminuir, o GOP e os eleitores republicanos acreditam que há hipótese de ganhar a Casa Branca.

Sobreviver a uma corrida com muitos participantes pode beneficiar o nomeado republicano. O número de participantes tenderá a favorecer o candidato com maior vantagem, que é Trump. Mas é esperado que alguns nomes vão desistindo pelo caminho, e isso poderá beneficiar DeSantis, que tem mais probabilidade de conseguir o apoio e votos dos desistentes. Independentemente do vencedor, é provável que o Partido se una (ou tente parecer unido) depois da Convenção, criando um momentum poucos meses antes da eleição geral. 

Para os republicanos, a maratona da nomeação começa em janeiro de 2024, no Iowa, onde Trump, segundo uma sondagem do Des Moines Register/Mediacom Poll soma 47 por cento das intenções de voto. Mas a trajetória tem sido descendente (em junho de 2021, o apoio era de 69 por cento). A seu favor, DeSantis tem uma máquina forte de campanha no terreno, e apoio forte entre os deputados estaduais.

As primárias, como o passado sugere, têm por vezes resultados surpreendentes.  Uma vitória inesperada na fase inicial pode alterar a dinâmica da competição, e produzir novos favoritos. E é nisso que DeSantis aposta.