O drama do incumprimento na habitação social

Em Loures o caso é mais grave, porque os arrendatários de casas camarárias em incumprimento de rendas, atinge os 50%. Mas há outros concelhos em que a situação é preocupante.

O drama do incumprimento na habitação social

O presidente da Câmara Municipal de Loures, Ricardo Leão, convocou uma conferência de imprensa para anunciar um conjunto de medidas de ataque às dívidas dos arrendatários de casas camarárias. Cerca de 50% desses arrendatários estão em situação de incumprimento e a autarquia decidiu atalhar caminho e avançar com a possibilidade de regularização da situação por forma a evitar despejos em massa. Noutros municípios da Grande Lisboa, o incumprimento também existe, mas, de acordo com os números apurados peloNascer do SOL, em percentagens mais reduzidas.

Ricardo Leão enfatizou a importância de lidar com uma dívida total de 15 milhões de euros, destacando que se trata de uma questão de gestão pública que afeta toda a população. O autarca argumentou que, durante muitos anos, a Câmara de Loures ignorou o problema e permitiu a impunidade. Agora, a autarquia exige documentação para comprovar a legalidade das ocupações e criou um plano para regularizar as dívidas. A maioria das rendas devidas situa-se entre 9 e 20 euros.

«Não podemos ignorar que existem 15 milhões de euros de dívida: trata-se de gestão pública. Não falamos de privados. Toda a população devia estar preocupada com isto. Durante anos e anos, a CML olhou sempre para o lado. A questão da impunidade acabou. Há 2500 fogos que fazem parte do parque habitacional da CML. 50% cumprem as suas obrigações e 50% não cumprem: que mensagem queremos transmitir àqueles que cumprem? Que vale a pena continuar, certo?», questionou. «Por um lado, há milhões de dívida e há outra questão: pedimos documentação para comprovar que as pessoas estão de forma legal nas casas e criámos um plano para regularizar as dívidas. E a grande maioria das rendas ronda os 9-20 euros. Por isso, aquela ideia do ‘deixa andar’ acabou!», clarificou, sendo que, como o Nascer do SOL já havia noticiado, a política de habitação da CM Loures consagra o arrendamento apoiado e o apoio financeiro à habitação jovem no concelho, que tem uma população residente de 215 mil pessoas.

O Plano Extraordinário de Recuperação de Créditos e Regularização de Dívidas da Habitação Municipal foi aprovado em Assembleia Municipal e oferece condições flexíveis para os arrendatários regularizarem as suas dívidas. Os juros de mora serão perdoados para aqueles que aderirem ao plano. No entanto, houve cerca de 30% dos arrendatários (800 fogos) que não forneceram a documentação solicitada, levando a suspeitas de atividades ilegais de aluguer e subaluguer. Uma última notificação será enviada, e se não houver resposta, a ordem de despejo será emitida dentro de 90 dias.

«Este plano é amigo e suave. Tendo em conta a situação financeira dos agregados familiares e a realidade que temos, não quisemos fazer um plano que não fosse concretizável. Quisemos um que fosse possível: vamos sentar-nos com cada agregado e atribuir um valor que terá de ser, no mínimo, de 10 euros. E pode ir até 60 prestações em casos excecionais», disse Ricardo Leão. «E quem quiser aderir ao plano terá os juros de mora perdoados. Houve 30%, 800 fogos, que nem os papéis entregaram. E foram várias vezes notificados para tal. Isto leva-nos a pensar nos negócios paralelos de aluguer e subaluguer. Isso é uma ilegalidade e com ilegalidades não pactuo», sublinhou, explicitando que será enviada uma última notificação para que entreguem a documentação. Se não o fizerem, será emitida a ordem de despejo no prazo de 90 dias. «Até porque temos uma lista de espera, para habitação municipal, de 1000 pessoas. E que resposta se dá a essas pessoas? Por isso, é preciso haver justiça, equidade e direitos e deveres iguais para todos. O Executivo da CDU ignorou esta questão: se tivesse feito o seu trabalho, isto seria feito de outra forma agora. A lei saiu em 2014 e obriga a que as pessoas entreguem a sua regularização de três em três anos».

Além disso, o presidente da Câmara de Loures promete cumprir com a sua parte no processo, tendo mencionado que percorreu todos os bairros municipais durante a sua campanha e prometido direitos e deveres iguais para todos. A autarquia planeia utilizar parte do Plano de Recuperação e Resiliência para requalificar mais de 1500 fogos nos bairros municipais.
Ricardo Leão intitula o plano  de «novo pacto» com os bairros municipais, onde a Câmara Municipal fará a sua parte e os moradores devem cumprir com as suas responsabilidades. O processo de pagamento das dívidas deve ser tratado no Balcão Único, através da entrega de requerimento no Departamento de Habitação da CML. Após receberem a notificação, os requerentes têm 10 dias úteis para efetuar o pagamento no balcão da Tesouraria do Município de Loures.
Quem não concorda com Ricardo Leão é Rita Silva, investigadora e ativista na Associação Habita. «Daquilo que tive conhecimento é que o plano ‘Habitação Justa’ é um plano de cobrança de dívidas e se as dívidas não forem cobradas, os despejos seguir-se-ão. É disto que estamos a falar. Tenho até falta de palavras. Parece que estão a gozar com as pessoas. Vemos isto com perplexidade porque chamar a um programa ‘Habitação Justa’, sendo que este prevê culpabilizar e acusar as pessoas com maiores problemas de exclusão social e mais frágeis da sociedade, dizendo que têm de pagar as suas dívidas ou serão despejadas…», refletiu. «As pessoas enfrentam tantos problemas… Isto é muito irresponsável e diria até que o PS, através de uma forma muito oportunista, está a fazer um jogo que se assemelha às estratégias da extrema-direita», acusou. «Vemos isto com muita preocupação. A Habita acompanha há muitos anos a situação dos bairros sociais em Loures e é preciso perceber como é que estas dívidas foram contraídas». 

«As pessoas que vivem em Loures não são mais devedoras do que aquelas que vivem noutros concelhos ou do que as outras no geral. Aquilo que aconteceu foi que durante muitos anos, e isto a CML não diz, a autarquia abandonou os bairros sociais à sua sorte. Mas abandonou totalmente. De tal forma que não havia manutenção, quadros elétricos a funcionar, as casas estavam cheias de humidade, chovia lá dentro, não havia manutenção de elevadores e pessoas em prédios de seis e sete pisos nem saíam dos mesmos, não havia gabinetes de bairro… O abandono foi tão grande que as pessoas deixaram de pagar renda», adiantou, tendo acrescentado que «acabou completamente a comunicação entre a CML e os moradores». 

«Há muitos moradores que têm dívidas grandes porque a CML não quis saber. É bizarro que não assuma que isto faz parte da sua história e que esta é a origem das dívidas. E mais bizarro é o nome do programa. Os pobres são uns malandros e vão ser despejados, é isso?», perguntou. «A Câmara não solucionou os problemas que existem. É lamentável e repugnante ver que o objetivo anunciado a alto e bom som seja este. Estamos perante um aumento enorme do custo de vida e as pessoas que vivem na habitação social têm dificuldade em pagar a comida, saúde, transportes, vestuário, etc. e, por outro lado, agora têm de pagar dívidas passadas». «O que devia acontecer é o seguinte: a Câmara de Loures, assumindo as suas responsabilidades, devia anular estas dívidas e começar do zero. E, ao mesmo tempo, dar prioridade à manutenção e à reabilitação dos prédios que estão com problemas enormes. As pessoas fazem aquilo que podem e apresentaram documentação, mas a mensagem transmitida é de que são umas malandras! Procuram é cumprir com as suas responsabilidades, mas a CML não cumpriu nem cumpre com as suas», conclui.

O Nascer do SOL sabe que no distrito de Lisboa mais municipios lidam com este problema. É o caso de Sintra, que «gere um total de 1727 fogos habitacionais, incluido todos os programas de arrendamento existentes: jovem, acessível, etc.» e «o incumprimento no pagamento das rendas ronda os 26%». Acontece o mesmo em Torres Vedras, onde existem 85 fogos de habitação social e 25% dos inquilinos não têm a renda em dia.

Em Oeiras, não foi tomada nenhuma medida extraordinária para as questões de incumprimento. «O plano que existe é o mesmo que sempre existiu. Quem insiste no incumprimento do pagamento da renda, é despejado», diz a autarquia, acrescentando que, «recentemente, foi prolongado o dia limite para o pagamento da renda, do dia 8 para o dia 10 de cada mês». O município diz estar «sempre atento e disponível para ajudar as famílias que residem no parque habitacional de Oeiras, quer com a revisão da renda, quer com planos prolongados para fazer face ao endividamento, mas se persistir o incumprimento, o Município dá ordem de despejo».

E detalha que atualmente «existem cerca de 23% de incumpridores no pagamento da renda. Existem 3481 famílias a residir no parque habitacional municipal».

Em Cascais, de acordo com números avançados ao Nascer do SOL pela autarquia, existem aproximadamente 2500 fogos, só 3% dos inquilinos não cumprem o pagamento das rendas e 97% cumprem. O valor médio das mesmas é de 81.94 euros e existem 6152 inquilinos. Mais a Sul, temos o exemplo de Setúbal, em que, segundo o presidente da Câmara, «existem 1875 fogos, 82,67% dos inquilinos pagou as rendas emitidas em 2022 e 82,71% em 2021». Ou seja, «17,33% dos moradores incumpriram o pagamento de renda emitida em 2022 e 17,29% em 2021». 

Mas, ao contrário daquilo que acontece em Loures, a regra parece ser o cumprimento e, por isso, o Nascer do SOL falou com inquilinos que pagam as rendas a tempo e horas. É o caso de uma senhora de 80 anos que reside em Oeiras. «Eu pago sempre a renda. Sempre. Mas, neste bairro, isso aconteceu, como em Loures, e as pessoas foram despejadas. A maior parte veio de bairros de lata, muitos têm casas melhores do que as nossas e são sempre considerados ‘pobrezinhos’. Como não pagavam nada, entendem que aqui também não devem pagar. Quem tem culpa são as assistentes sociais. Hoje, tudo se sabe da nossa vida: carregam no botão e sabem quanto é que ganhamos, temos no banco, etc. Portanto, o problema é que estas pessoas, que são consideradas ‘pobrezinhas’, não declaram os seus rendimentos. A parte social da Câmara tem de ver se há pessoas doentes e idosas sem rendimentos ou com poucos rendimentos. Agora, de resto… Ninguém é pobre», salienta. «Aqui há rendas de poucos euros. Não pagam porque não querem. Estão habituados a não pagar! Quem tem culpa disto é a Câmara, volto a dizer. Tenho um vizinho que é condutor da Uber, mas está dado como desempregado. Por isso, paga quatro euros de renda. É um coitadinho, é pobrezinho?», pergunta. «Tenho uma raiva aos ‘pobrezinhos’ e às assistentes sociais ainda mais!». 

Quem também diz pagar a renda atempadamente é um homem de de 47 anos residente em Sintra. «Bem sei que há pessoas doentes e idosas: não digo o contrário. No entanto, a maioria não paga as rendas porque não quer. O Presidente da Câmara Municipal de Loures falou na ‘impunidade’ e tem toda a razão. Os arrendatários não pagam as rendas durante anos e não lhes acontece nada. E com isto não quero dizer que se avance logo para os despejos: há muitos passos que se podem tomar antes», explica. «Tem de haver um diálogo com os moradores e eles têm de perceber que por mais que as rendas sejam reduzidas, têm de ser pagas todos os meses. As autarquias não andam a oferecer casas a ninguém. E se as pessoas não pagam, há muitas mais à espera de casas camarárias. Temos de ter noção das nossas ações e pensar no bem do próximo», sublinha.

O acesso à habitação social

Como o Idealista explica no seu guia acerca da habitação social, este é um tema atualmente em destaque devido à dificuldade de acompanhar os preços crescentes das casas com os salários. Isso torna a habitação inacessível para muitas famílias e a habitação social é considerada uma alternativa, talvez a única, para muitas delas. No entanto, ainda existem muitos portugueses que desconhecem o processo de solicitação de habitação social. Trata-se de um processo minucioso que requer atenção e pode gerar dúvidas. É importante saber que o pedido de habitação social pode ser feito a qualquer momento e é completamente gratuito. Todo o processo é realizado online por meio de uma plataforma específica desenvolvida pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, a entidade pública responsável pelas habitações de interesse social em Portugal.

Para começar, é necessário aceder ao portal da habitação social, oficialmente chamado de eAA – Plataforma eletrónica do Arrendamento Apoiado, que foi desenvolvido no âmbito do programa Simplex+. Cada cidadão pode fazer apenas um pedido de apoio habitacional, e nessa plataforma é possível acompanhar o andamento do pedido e editar o formulário de maneira simples, adicionando informações pertinentes.

Após autenticar-se na plataforma eletrónica do Arrendamento Apoiado, terá de fornecer os seus dados pessoais. O primeiro passo é clicar em ‘Aceda Aqui’ para iniciar o processo de autenticação.

A autenticação na plataforma eletrónica do Arrendamento Apoiado pode ser feita usando o Cartão de Cidadão, Chave Móvel Digital ou número de contribuinte (NIF). Se optar pelo registo com o Cartão de Cidadão, será necessário ter um dispositivo de leitura instalado no computador. Caso não tenha um, será necessário instalar um plugin ou software para realizar a leitura.

Após concluir o procedimento de autenticação, será redirecionado para a plataforma eletrónica do Arrendamento Apoiado, onde deverá fornecer informações como data de nascimento, nome completo, identificação fiscal e um endereço de e-mail para receber mensagens relacionadas exclusivamente à plataforma.

Se optar por autenticar-se por meio da Chave Móvel Digital ou do NIF, deverá seguir as instruções apresentadas no ecrã. Esse passo inicial é simples e não deve levar muito tempo. Dentro do portal, encontrará uma série de menus e opções, onde poderá localizar a seção referente ao novo pedido de apoio habitacional. Para iniciar o pedido, clique em ‘Novo Pedido’.

Em seguida, um formulário será exibido. Os dados iniciais solicitados são relacionados ao requerente do pedido de apoio habitacional. Como o Idealista explicita, são preenchidas indicações sobre o agregado familiar, é indicada a situação atual do requerente de apoio habitacional, são aceites os termos e as condições no pedido de habitação social e, em ‘os meus pedidos’, pode encontrar-se o pedido num dos seguintes estados: «submetido com sucesso: o pedido foi apenas submetido, portanto ainda não chegou a nenhuma entidade gestora de património habitacional. Pode aparecer-te sempre este estado quando, por exemplo, não existem entidades gestoras no concelho onde pretendes residir», «encaminhado: o pedido já foi enviado para Entidades gestoras; atribuído: o pedido de habitação social foi aceite pela Entidade gestora», «indeferido: o pedido não foi aceite», «desistência: quando o requerente desiste do procedimento», «expirado: foi ultrapassado o limite para a atribuição de uma habitação social e que corresponde a um 1 ano», «anulado: não houve consentimento por parte dos membros do agregado familiar (maiores de idade) e, portanto, o pedido foi anulado» ou «aguarda consentimentos: É preciso esperar pela declaração de consentimento dos membros do agregado familiar que sejam maiores de idade».

De acordo com a legislação que suporta a habitação social, «sempre que a tipologia e as condições das habitações objeto do procedimento o permitam, as entidades locadoras definem critérios preferenciais, nomeadamente para famílias monoparentais ou que integrem menores, pessoas com deficiência ou com idade igual ou superior a 65 anos, ou para vítimas de violência doméstica».