Quinta Patiño

Todos os dias são muitas as pessoas que, saindo do Estoril a caminho de Sintra, passam à porta da Quinta Patiño mas, certamente, nem todas elas sabem que esse condomínio tem uma história que começou há 150 anos num país sul americano distante de Portugal alguns milhares de quilómetros.

por Manuel Pereira Ramos
Jornalista

No inicio do século passado a economia da Bolívia vivia, fundamentalmente, da exploração mineira, os jazigos de prata da região de Potosi eram considerados os mais importantes do mundo, uma fonte de riqueza que foi perdendo peso à medida que o ouro se ia afirmando, universalmente, como o metal precioso de referência. Mas, escondido nas montanhas, estava o estanho como solução alternativa para salvar o país da sua precária situação económica. Apareceram vários pequenos empresários interessados no novo negocio mas o mais ousado foi Simón Patiño, filho  dum emigrante espanhol e que, depois de ter adquirido uns bons conhecimentos sobre minerais, formou uma pequena empresa com a sorte de que um dia, totalmente por acaso, um dos seus empregados ter descoberto a entrada duma mina, La Salvadora, ao principio pensaram que era de prata mas depois ficou confirmado que se tinha encontrado um fabuloso jazigo de estanho, um mineral altamente estratégico em especial para as nascentes industrias do automóvel e das conservas. A partir desse descobrimento Patiño nunca mais parou, em menos de cinco anos passou do nada a ser o empresário mais importante da nação, foi criando empresas no estrangeiro, fundou o Banco Mercantil que ainda hoje existe e, com tudo isto, tornou-se no ‘Rei do Estanho’, a sua fabulosa fortuna ia aumentando permitindo-lhe levar uma vida de luxo só ao alcance de quem era um dos homens mais ricos do mundo.

Simón morreu em 1947, cinco anos depois as suas minas foram nacionalizadas como consequência da revolução popular que levou ao exilado Paz Estensorro a regressar a Bolívia, assumir a presidência e decretar que todos os recursos mineiros passassem a ser propriedade do Estado. Esta medida, porém, em pouco ou nada beliscou o bem estar da família Patiño, a compensação recebida pela expropriação juntou-se ao imenso império financeiro que, suspeitando de que algo parecido poderia suceder, tanto o patriarca como o filho, Antenor, se tinham preocupado de por a salvo um pouco por todo o mundo.

Antenor mostrou ser um digno sucessor de Simón, tão esperto como ele para os negócios, não só manteve como soube aumentar a enorme fortuna que tinha herdado. Em Madrid, casou-se com Maria Cristina de Bourbon, as coisas não correram bem e tardou anos em conseguir o divórcio que só conseguiu que lhe fosse concedido pelo governo do México a troco de lá efetuar  importantes investimentos. Desde a capital espanhola deu um salto ao nosso país, tornou-se amigo dos exilados Rei Humberto e D. Juan de Bourbon e tão apaixonado ficou pelo Estoril que decidiu comprar uns terrenos com bonitas vistas e aí construir o esplendoroso Palácio Patiño para sua residência e aí ser anfitrião dos hóspedes famosos que faziam parte da sua lista de amigos e conhecidos. A fama de Antenor chegou aos ouvidos das altas hierarquias do Governo de Salazar que devem ter achado que ele, com os contactos ao mais alto nível que mantinha em toda a parte, podia ser útil na tarefa de procurar melhorar a nossa imagem no estrangeiro e trazer gente de peso que, com o seu poder económico, pudesse ajudar a economia do país. Surgiu então a ideia, certamente apadrinhada a nível governamental, de se fazer no Palácio um grande evento social, que, organizado por Antenor, consistiu no ‘baile do século’, uma festa única, sem precedentes, que passou à história pela quantidade e qualidade dos assistentes. Vestido com o seu smoking branco, o empresário boliviano recebeu á porta, um a um, aos 1700 convidados, tudo gente da mais alta sociedade do universo, magnates da alta finança, estrelas de Hollywood como Audrey Hepburn ou Zsa Zsa Gabor, aristocratas como o antigo Rei Edward de Inglaterra e até lá apareceu a Gina Lollobrigida, não estava convidada mas o dono da casa foi com muito prazer que a deixou entrar. Nesse ambiente  da alegria, sem limites, dessa noite de 6 de setembro de 1968, ninguém, salvo um par de ministros que lá estavam, sabia que a poucos quilómetros dali se vivia um autêntico drama, Salazar, um mês depois da queda que sofrera, estava a ser operado de urgência de um derrame cerebral, enquanto no Estoril o champanhe francês corria a raudais, num hospital de Lisboa  os médicos faziam o que podiam para não  serem  testemunhas do principio do fim do salazarismo.

Estava eu a viver na Bolívia quando, pouco tempo depois dessa grande festa, Antenor decidiu visitar o país, á sua espera, no aeroporto de La Paz, estava um grupo de mineiros que, quando ele desceu do avião, lhe atiraram aos pés um cordeiro morto cheio de sangue, um gesto simbólico para mostrar que não era nada bem vindo e que quis lembrar a responsabilidade do pai Simón pelas muitas mortes e doenças graves sofridas pelos seus antigos trabalhadores, vitimas das péssimas condições que tinham de suportar nas minas e também das violentas repressões policiais sofreram cada vez ousavam reclamar alguns dos seus modestos direitos laborais. Antenor morreu aos 86 anos em Nova York, a sua mulher, Beatriz de Rivera, continuou, até ao seu próprio falecimento, a viver no Palácio que, mais tarde, seriam vendidos terrenos anexos onde foi construído o condomínio  Quinta Patiño, que alberga o passado remoto que  acabo de contar.