10 de Junho: dia nacional errático

Dos discursos de Marcelo sobre a emigração à ida política ao Sul de África para lamentar e dar conforto a vítimas de criminalidade, verifica-se como a ordem política portuguesa anda errática

Por Virgílio Machado, professor na UALG e autor de Portugal Geopolítico – História de Uma Identidade

 

10 de Junho de 2023. Da África do Sul ao Peso da Régua, a voragem dos acontecimentos consumiu o dia sem que dele se retirasse o sentido devido. O dia de comemoração de um país é algo muito sério. Muitos Estados associam-no a acontecimentos históricos heróicos, transformadores e impulsionadores de uma unidade politica. Exemplos: França.14 de Julho, dia da Revolução. Espanha, 12 de Outubro, descoberta, por Colombo, das Américas. Suíça: 1 de Agosto, dia do tratado de 1291, onde três cantões, na pradaria de Rütli, juraram fundar uma ordem política e libertar, pela força, seu país do Império dos Habsburgos.

E Portugal? Tem algum significado político o 10 de Junho? Qual? Será antes um significado cultural? Ou étnico? Pois acompanhado de Camões e Comunidades Portuguesas… O significado político varia consoante a conjuntura? Estes são temas muito pouco explorados e discutidos no nosso universo político, comunicação social, comunidades académicas e culturais e sociedade em geral. Aduzo três razões para considerar o 10 de Junho como dia nacional errático.

 

Primeiro. O 10 de Junho é uma criação do Estado Novo em 1952. Exportou-se um antigo feriado municipal, o de Lisboa, da morte do poeta Camões, para um significado nacional. Uma fundação com poucos alicerces nacionais. Uma morte comemorada em vez de uma vida, de uma criação. Secundo José Gil e o seu livro: Portugal: o medo de existir. Portugal é um dos poucos países do mundo que dedica o seu dia nacional a uma data de morte e de cultura e não a um facto de vida da sua história política. 

 

Segundo. O feriado do 10 de Junho demonstra um difícil convívio de Portugal com sua ordem política. Este dia é de nacionalidade, uma dívida de gratidão da ordem política para com a cultura, em especial, a língua portuguesa, de que Camões é máximo expoente. O paradoxo é que esta foi das melhores criações geopolíticas do Estado português visando autonomia de outras línguas ou ordens políticas, como a galega e/ou a castelhana. 

Terceiro. Aceita-se que a língua seja fator de união sociológico, instrumento de comunicação de Portugal com suas comunidades portuguesas no mundo. Um sentido, quiçá, étnico. Mas associá-la à emigração, é também, reconhecimento de insucesso da sua ordem geopolítica. Emigração é sacrifício e partida. Fuga para melhores condições de vida. De uma ordem política que não uniu população ao seu território.

Dos discursos de Marcelo sobre a emigração à ida política ao Sul de África para lamentar e dar conforto a vítimas de criminalidade, verifica-se como a ordem política portuguesa anda errática. Cultura e, em particular, a educação protestam. O seu impacto no 10 de Junho é profundo pela dedicação, nesse dia, da ordem política a estes setores. 

Portugal, homenageando a morte de Camões, fá-lo, também, para seus antepassados. Estes continuam moderadamente presentes e seus filhos agradecem muito do que têm. Esta ligação íntima, tem tanto de auspiciosa, se a dignidade dos vivos mantiver presente a memória dos antepassados. A sobrevivência política é moderada, enquanto existir equilíbrio entre memória e dignidade. Se este equilíbrio faltar na educação e/ou cultura, a ordem política portuguesa pagará um preço elevado.

 

Geopolítica positiva com as comunidades portuguesas significa vê-las como representantes, embaixadoras. Da intermediação que sempre fizeram. De influência política, de diplomacia e sagaz conhecimento comercial. Como pontos de roteiro entre ordens políticas que o necessitam. Em Cabo Verde ou São Tomé e Príncipe, entre a Europa e Brasil, ou África do Sul, entre Angola e Moçambique e, talvez, Índia. E para a China com Macau entre Ocidente e Oriente. Nas ilhas da Madeira e Açores, entre Europa e América do Norte. 

Portugal pode orgulhar-se do seu passado como área político-cultural de resistência a projetos hegemónicos, ibéricos, como em Aljubarrota, ou europeus, com as Guerras da Restauração ou Napoleónicas. Nação flutuante, território intermédio, de sobrevivência social e religiosa, não raro, dissimulada, em mundos étnicos distantes, explorador de rotas e navegações, tem fortes argumentos históricos para dar ao seu dia nacional um novo cunho. A nós, basta-nos perguntar se queremos ter futuro geopolítico. Se sim, comemoremos aquela resistência. E temos muitos momentos dignos para o fazer.