por Pedro do Carmo
Deputado do PS
A realidade concreta tem a ousadia de nos interpelar a sentir um apelo de urgência para a ação em resposta a necessidades concretas das pessoas e dos territórios. Os preconceitos, os quadros consolidados de interesses, as regras comunitárias de sempre, as burocracias e tantos outros pressupostos do pensamento, da ação e da organização das nossas sociedades precisam de ser reajustadas às realidades, sejam elas problemas estruturais como a fome e a pobreza, com uma forte componente alimentar, ou emergentes, de novos quadros de referência como acontece com as alterações climáticas.
Presente no Chile, num encontro sobre o direito à alimentação com igualdade de género, não pude deixar de constatar a incompatibilidade do modelo europeu de configuração da produção, com exigências regulatórias e alfandegárias desfasadas das necessidades globais, limitações à produção e eliminação de produtos frutícolas em função do seu calibre ou aspeto, com o desafio maior do combate à fome em muitos pontos do globo. O projeto europeu tem de ter a capacidade de acolher uma outra abordagem à importância da soberania alimentar e de outros equilíbrios de produção agroalimentar, mas também ter outro papel na construção de respostas globais de produção e distribuição que combatam as diversas velocidades de desenvolvimento no mundo, mitigando a fome em África, na América Latina ou no Caribe, onde muitas mães não se alimentam para que os seus filhos tenham algo para comer. São preciso respostas globais sustentadas, que respondam à emergência alimentar e à necessidade de gerar novos pontos de equilíbrio na capacidade de produção face a tragédias que são universais como as alterações climáticas, a pobreza estrutural, a guerra e as doenças.
Face às realidades é tempo da Europa se ajustar para poder ser parte da solução, no seu território e no mundo, em comunidades com fortes laços de sintonia com muitos dos Estados membros.
Ausente de Portugal, assisti com preocupações a expressões meteorológicas extremas que afetam a capacidade produtiva de algumas comunidades rurais do país, sobretudo a Norte, devido à queda de granizo e à forte pluviosidade. O ganha-pão de muitos, marcas de um potencial produtivo de alguns territórios ficou fortemente afetado. A pressão dos custos dos fatores de produção e as baixas margens de ganho dos agricultores, produtores e criadores nacionais têm impedido a geração de um ambiente de proteção face aos riscos emergentes que são cada vez mais imprevisíveis e devastadores. Tal como nas questões globais, é tempo de ajustar os mecanismos de emergência e de socorro a situações de perda substancial da produção ao tempo das necessidades dos lesados. A importância da reposição da capacidade produtiva afetada e o compromisso das pessoas com a produção assim o exigem. Respostas ágeis para necessidades que são urgentes, com capacidade de separar o trigo do joio de eventuais oportunismos. Quem perde o sustento precisa de respostas em tempo útil para se manter na fileira produtiva, a contribuir para uma cadeia decisiva para as comunidades e os territórios, os rurais e os urbanos, os locais e o nacional.
Mais do que nunca, o sentido e o tempo da decisão precisam de estar próximos do tempo da necessidade concreta, seja na fome ou na reposição da capacidade produtiva alimentar.
Este não é um desafio de um governo ou de um Estado membro, é uma urgência nacional, europeia e global. Não podemos continuar a deixar gente para trás, face aos constrangimentos estruturais ou às realidades emergentes. É uma urgência humanitária e de humanismo.