por João Sena
Passados 111 anos, o Titanic voltou a matar. A Guarda Costeira dos EUA confirmou ontem, em conferência de imprensa, que encontrou um «campo de destroços» junto do navio que naufragou em 1912 e era o motivo desta expedição.
Peritos americanos e canadianos analisaram as cinco peças encontradas, incluindo a cobertura traseira, a estrutura inferior de pouso e a câmara de pressão e concluíram que eram do Titan, que se fragmentou com uma implosão catastrófica, muito possivelmente pela pressão da água. A cápsula onde seguiam os cinco ocupantes ainda não foi encontrada.
Pouco depois da triste descoberta feita por um veículo dirigido por controlo remoto a partir de um barco à superfície, a OceanGate Expeditions confirmou a morte dos cinco ocupantes. «Agora acreditamos que o nosso CEO Stockton Rush, Shahzada Dawood e o seu filho Suleman Dawood, Hamish Harding e Paul-Henri Nargeolet estão, tristemente, mortos. Estes homens eram verdadeiros exploradores que partilhavam um espírito de aventura e uma profunda paixão por explorar os oceanos», lê-se no comunicado da empresa.
Aventura e tragédia
O submersível largou, no domingo, do porto de St. John, na Terranova (Canadá) com cinco ocupantes a bordo para realizar uma expedição ao local onde está naufragado o Titanic. Passado uma hora e 45 minutos o barco de apoio perdeu o contacto com o submarino. E foi então que começou uma verdadeira corrida contra o tempo para tentar salvar os ocupantes. A aventura de ver o Titanic acabou cedo demais tendo em conta o último contacto.
O Titan era um submarino cheio de tecnologia experimental e dispunha de vários sistemas de equilíbrio (lastros) que, em caso de falha elétrica ou de um problema com o responsável da expedição, eram libertados e faziam com que o submarino viesse automaticamente à superfície, mas não foi isso que aconteceu. Especialistas em submarinos apontavam duas possibilidades: ter ficado preso nos destroços do Titanic ou haver rutura na cápsula que levou à implosão. Foi esta última possibilidade que se terá verificado.
O contra-almirante John Mauger afirmou que «é demasiado cedo para determinar quando a implosão ocorreu» e reconheceu que nenhum som detetado fazia prever a catástrofe que acabou por acontecer.
Guillermo Sohnlein, cofundador da OceanGate, disse à BBC que admite que tenha havido uma «implosão instantânea» do Titan.
A segurança do Titan já tinha sido posta em causa anteriormente. Em novembro, num mergulho experimental até aos 11 metros, houve um problema mecânico e o submersível teve de ser içado para a superfície. Agora, está feito em pedaços nas profundezas do Atlântico Norte.
A ausência de comunicações desde domingo mobilizou várias entidades dos Estados Unidos, Canadá, França, Noruega e Reino Unido. A Guarda Costeira americana confirmou a realização de uma operação de busca «extremamente complexa e que se estende por um vasto perímetro» – como afirmou Jamie Frederick, capitão da Guarda Costeira. Até ao início da manhã de ontem, foram rastreados mais de 27 000 km2 de oceano na zona onde está o Titanic.
A partir do momento em que começaram a ser descobertos destroços do Titan, a operação deixou de ser uma operação de busca e salvamento e passou a ser apenas uma operação de busca para trazer à superfície o que resta do Titan.
Os meios de busca incluíam oito navios com radares sonares ultra potentes e veículos ROV, uma espécie de drones submarinos que são controlados de forma remota, e três aviões de patrulha de observação que têm lançado sonares-bóia. Numa corrida contra o tempo foram adicionados novos meios de busca, caso do Victor 6000, um robot de exploração comandado à superfície que consegue chegar aos 6 000 metros em águas profundas, que funciona através de sistema de navegação de alta performance, múltiplos sensores de alta precisão, câmeras de alta definição e braços robóticos que permite manusear objetos.
Segurança relativa
A OceanGate Expeditions é uma empresa privada criada em 2009 que realiza expedições em alto mar. Stockton Rush, CEO da empresa, projetou e construiu aviões e outros submarinos e tem uma visão muito simplista deste tipo de aventuras. Há pouco tempo, afirmou: «A segurança é relativa. Se querem viver em segurança total, não saiam da cama». A proposta mais recente era a expedição ao que resta do Titanic, que se afundou na sua viagem inaugural, em 1912, após colidir com um iceberg. Morreram cerca de 3 000 pessoas nas águas geladas do Oceano Atlântico. Ainda hoje aquele que era o maior navio à época e considerado inafundável pelo seu projetista continua a despertar paixões.
A última publicação do milionário inglês Hamish Harding no Instagram é perturbadora. «Estou muito orgulhoso de anunciar que vou participar na Missão RMS Titanic. Devido ao pior inverno dos últimos 40 anos na Terranova é provável que esta seja a primeira e única missão tripulada ao Titanic em 2023. Há uma janela de oportunidade e vamos mergulhar», escreveu Harding naquele que terá sido o seu último post.
O submersível usado nesta expedição foi construído em fibra de carbono e titânio, media 6,7 m de comprimento, 2,8 m de largura e 2,5 m de altura e podia transportar cinco pessoas: o piloto e quatro convidados. O interior é muito espartano e os passageiros viajavam sentados no chão. A cápsula estava pressurizada e tinha suporte de vida para 96 horas, só que a aventura terminou de forma trágica bastante antes. Estava equipado com quatro motores elétricos que forneciam a propulsão a uma velocidade de 5,5 km/h e podia ir até aos 4 000 m de profundidade. O veículo era dirigido através de um comando de videojogos, que custa 40 euros.
A viagem turística e de aventura num submarino experimentalcustou a módica quantia de 250 mil euros e os participantes assinaram um termo de responsabilidade, onde aparecia a palavra ‘morte’ por três vezes. O submarino não estava certificado por qualquer regulador uma vez que navegava em águas internacionais e as condições de segurança já tinham sido denunciadas por peritos e outros passageiros.
Entretanto, famílias e amigos dos passageiros que estavam a bordo do Titan já se pronunciaram. Há aspetos macabros neste acidente. Wendy Rush, mulher de Stockton Rush, CEO OceanGate que estava nesta expedição, é trineta do magnata Isidor Straus e da sua mulher Ida, que seguiam a bordo do Titanic quando o navio naufragou em 1912. De acordo com a sua página no Linkedin, Wendy Rush já realizou três expedições aos destroços do navio.
Explosão no mar
O desaparecimento do Titan ao largo da Terranova traz à memória o acidente do submarino russo de mísseis de cruzeiro Kursk, que se afundou no Mar de Barents devido a duas explosões a bordo, em agosto de 2000. As explosões foram causadas devido à libertação do combustível de peróxido de hidrogênio de um dos mísseis e foram de tal modo violentas que provocaram um abalo sísmico de 1,5 na escala de Richter, que ficou registado numa estação sismográfica na Noruega.
Depois da explosão, o Kursk afundou-se e ficou a 108 metros de profundidade, levando consigo toda a sua tripulação. Das 118 pessoas a bordo, 95 morreram imediatamente, mas 23 conseguiram selar uma das áreas do submarino e mantiveram-se vivos durante dois dias. O atraso no início das operações de busca, o equipamento obsoleto e a recusa de ajuda internacional fizeram com que o submarino fosse localizado quatro dias depois do acidente quando todos os tripulantes já tinham morrido. Os destroços viriam a recuperados em outubro de 2001 e desmontados.