A comissão de inquérito à TAP foi um tremendo sucesso. Independentemente de se ter apurado a verdade, ou de ter sido um espetáculo deprimente, o país ficou a saber muitas coisas importantes.
Primeiro, o desempenho de cargos num Governo socialista afeta a memória dos seus protagonistas. Praticamente nenhum dos inquiridos se lembrava de tudo o que acontecera, ainda que os factos tivessem ocorrido há uma semana. Nem o gato preto de Kafka à Beira-Mar era tão desmemoriado. Parecendo estranho, há, todavia, uma explicação para esta amnésia coletiva. Como os governantes socialistas se empenham muito mais do que os outros na melhoria das condições de vida dos cidadãos, o seu esforço é tal que acaba por lhes lesar a área do cérebro responsável pela memória. Poderia lesar a parte do cérebro onde se processa a manipulação dos pensamentos e se transforma as mentiras em verdade, poderia lesar a zona responsável pela ética e pela moral, ou a zona da vergonha, mas não. Só lesou a memória. O neurocientista António Damásio irá decerto escrever um livro sobre este fenómeno lusitano.
Segundo, os cidadãos ficaram também a saber que, depois de 3,2 biliões dos seus impostos terem sido deitados ao lixo, depois das indemnizações milionárias, depois de toda a trapalhada, nenhum dos responsáveis sentiu o menor remorso. Admitiram, sim, que algumas coisas não correram bem, outras até correram mal, mas, se pudessem, voltavam a fazer o mesmo. E pode-se então concluir que o mencionado excesso de trabalho para o bem comum também poderá ter danificado os circuitos neurais responsáveis pela culpa. Esta, apanhou um avião para parte incerta e nunca mais ninguém a viu.
Terceiro, é possível gerir uma companhia de aviação através do WhatsApp, do TikTok e quiçá até com sinais de fumo. Quando toda a gente pensava que a gestão de uma empresa tão complexa exigia grandes competências, confidencialidade e sigilo, eis que os governantes socialistas demonstram que gerir a TAP está ao alcance de uma criança que saiba usar um smartphone. Afinal, trata-se apenas de comprar gasolina para os aviões, verificar a pressão dos pneus, pagar aos pilotos e tripulantes, e rezar para que tudo corra bem. Claro que para tudo isto funcionar é preciso estar lá uma Eugénia para evitar que as crianças façam disparates.
Esta constatação da gestão da TAP ser um processo infantil abre possibilidades infinitas. E a mais fascinante de todas é, tal como fazem as crianças, dar livre uso e interpretação à linguagem. A poesia e as figuras de estilo passam a fazer parte da gestão da TAP. Ou melhor, inventa-se uma Novilíngua para a TAP onde a palavra Prejuízos passa a significar Lucros. Como tal, doravante a TAP nunca mais terá resultados negativos, mas sim lucros estrondosos – sejam eles reais ou poéticos. E ainda que isto possa parecer estranho, para quem tiver autêntica literacia financeira é perfeitamente natural. Vejamos, as notas e moedas há muito que deixaram de corresponder aos valores que as pessoas têm depositados nos bancos. O dinheiro real não existe. Existe, sim, algo virtual. As transações financeiras são digitais, movimento de eletrões. Ora como nunca ninguém conseguiu meter um eletrão no bolso e depois pagar um café com ele, é indiferente se chama prejuízos ou lucros aos resultados da TAP. Aliás, lucros soa muito melhor e, ainda que disfarce um prejuízo, tem um efeito psicológico benéfico.
Em suma, é fundamental que se criem mais comissões de inquérito para avaliar o funcionamento das empresas públicas. Numa primeira fase, poder-se-á não se apurar nada, poder-se-á concluir que uns perderam a memória e outros nem perguntas sabem fazer, poder-se-á pensar que o país está entregue à bicharada. Sim. Mas, depois, seguindo o exemplo da TAP transforma-se a amnésia em virtude, o desleixo em competência e, o mais importante, as derrapagens financeiras em riqueza.
Tendo em conta que nas sondagens o PS continua à frente, é mesmo isto que esses cidadãos esperam e merecem. Não os desiludam com rigor, competência e honestidade.