Espanha. A esquerda que soma e a direita que não quer somar

Na reta final para a campanha das legislativas antecipadas, PSOE e PP agitam ‘fantasmas’, sendo que a maioria absoluta parece uma miragem para qualquer um deles.

por Teresa Nogueira Pinto

A pouco mais de três semanas das eleições, as sondagens dão vantagem ao PP, mas sugerem que o partido de Núñez Feijóo precisaria do VOX para governar. À esquerda, Yolanda Díaz conseguiu o que parecia impossível e devolveu a esperança à esquerda progressista e radical.

Há uma questão que persiste, e cuja resposta só será confirmada nas urnas: irão as eleições atestar o regresso do bipartidarismo ou confirmar a lógica de blocos e coligações?

 

Apelo à mudança

A política pode trazer surpresas, mas tudo indica que Feijóo ou Sánchez serão chamados a formar governo depois das eleições de 23 de julho.

O PP, apesar da ligeira descida nas intenções de voto, mantém-se favorito e foca-se no apelo à mudança. Uma mudança sobretudo pela via económica, que poderá ser bem acolhida pelo eleitorado num momento em que as famílias espanholas são as que mais poder de compra perdem no espaço da OCDE.

Num ato de campanha esta semana em Barcelona (em política não há coincidências), Feijóo apresentou as linhas mestras do seu programa económico. Com o objetivo de colocar Espanha no pódio do crescimento económico europeu, o PP aposta na «segurança jurídica, criação de emprego e captação de investimento». Denunciando o «populismo económico» do sanchismo, o líder dos populares promete auditar as contas públicas e diminuir a dívida, dar mais liberdade às empresas, diminuir a pressão fiscal, flexibilizar o sistema de pensões, implementar um plano de renovação para o setor do turismo e derrogar a lei da habitação. A grande novidade vem na política energética, com a promessa de reverter o plano de encerramento das centrais nucleares estabelecido em 2019.

Para além da economia, a outra grande clivagem entre PP e PSOE é a questão independentista. Em Barcelona, Feijóo afirmava que o PP «volta a ser um partido útil necessário e decisivo na Catalunha», lembrando que os parceiros de coligação de Sánchez pedem um referendo e a independência.

 

Confronto de blocos

Se há quem diga que Espanha regressará ao bipartidarismo, o mais provável – segundo as sondagens – é que o próximo Governo se sustente num bloco e não num partido, uma vez que nem o PP nem o PSOE deverão conseguir os 176 lugares necessários para uma maioria absoluta. Nesse sentido, as eleições podem ser analisadas como confronto entre dois blocos. O sanchismo, que agrega a esquerda progressista radical e o independentismo, e uma possível coligação nacional entre o PP e a direita radical, representada pelo VOX. 

E é sobretudo esta dinâmica confrontacional e polarizadora que tem marcado a campanha, com cada um dos blocos a agitar os seus fantasmas: de um lado a ameaça do ‘regresso do franquismo’ e da ‘misoginia’, do outro a continuação no poder de ‘comunistas’, ‘filoetarras’ e ‘golpistas’.

 

A esquerda que soma e divide

Antecipando este cenário, a esquerda foca-se em manter o poder, tentando somar e não dividir. Depois de Pedro Sánchez surpreender os seus parceiros convocando eleições antecipadas, a vice-presidente do Governo, Yolanda Díaz, conseguiu o que parecia impossível: registou como partido o Movimiento Sumar, federando as formações políticas à esquerda do PSOE e construindo «o acordo mais amplo e plural alcançado em todo o período democrático entre forças progressistas e verdes». Primeiro passo, segundo a equipa de Díaz, para «construir um projeto entusiasmante, feminista e vencedor que ponha sempre a justiça social e a justiça climática no centro».

Mas o acordo também subtraiu e dividiu. A ministra da Igualdade, Irene Montero, uma das figuras mais salientes do progressismo radical e responsável por iniciativas legislativas polémicas como a lei trans e a lei ‘solo sí es sí’, ficou de fora das listas.

A exclusão de Montero, e de outras figuras de destaque do UnidasPodemos, como Pablo Echenique, obedece ao cálculo de que, em eleições gerais e decisivas, o radicalismo militante pode ser um ativo tóxico. A decisão desagradou ao UnidasPodemos, sinalizando mais uma derrota para o partido depois do desaire eleitoral nas autonómicas e municipais.  Em declarações à Rac1, Pablo Iglesias, fundador do partido, disse que excluir Montero é «um erro terrível» que poderá «prejudicar eleitoralmente um espaço político que é imprescindível para impedir que PP e VOX governem». Num artigo de opinião, Iglesias acusou Iolanda Díaz de «comprometer os seus próprios objetivos políticos ao assumir-se como executora final de uma violenta campanha orquestrada a partir dos mais sinistros aparatos da direita mediática, judicial e política».

Para além da exclusão de figuras-chave do UnidasPodemos, a coligação liderada por Iolanda Díaz, que agrega as forças independentistas, abriu outra fenda ao adotar uma posição mais dúbia face à promessa, feita à formação En Comú Podem, de inclusão de um referendo sobre a autodeterminação na Catalunha no programa eleitoral.

 

A direita que nem sempre soma

Se o radicalismo de Montero é visto como uma vulnerabilidade pela coligação progressista, para o PP o grande incómodo são as negociações com o VOX, força necessária para os populares governarem em várias regiões.

Em entrevista ao El Correo, o porta-voz do PP, Borja Sémper, afirmou que «o melhor para o país, neste momento, é que o VOX não esteja no Governo de Espanha». Sémper, que rejeita a possibilidade de um pacto com o VOX, disse ainda que «existe apenas um PP, que se expressa de forma matizada em lugares diferentes».

Mas a verdade é que as diferentes estratégias adotadas em relação ao partido de Abascal no rescaldo das eleições de maio denunciam respostas políticas muito distintas face a um dilema que, provavelmente, se materializará a nível nacional na noite de 26 de julho.

Em Valência e nas Baleares, o PP chegou a acordo com o VOX; em Aragão as negociações estão na fase conclusiva, e em Múrcia está difícil de alcançar. Mas o maior desafio para o PP está na Extremadura, onde as inconsistências da candidata Maria Guardiola podem vir a custar votos ao PP.

Em Valência, o acordo entre os dois partidos atribui uma vice-presidência e três pastas ao VOX (Cultura, Justiça e Agricultura) e inclui nove pontos: liberdade, economia, mundo rural, redução da despesa pública, educação e língua, saúde pública, políticas sociais, família e habitação, infraestruturas e segurança. Concretamente, prevê a derrogação da lei da memória histórica, uma redução ‘drástica’ de impostos, liberdade de educação e a criação de um gabinete de apoio às vítimas de ocupações ilegais.

Nas Baleares, o acordo determina que o PP governará sozinho, mas cede ao VOX a presidência do Parlamento regional e prevê o cumprimento de 110 medidas acordadas entre os dois partidos.

 

A lição da Extremadura

Mas é na Extremadura, onde PP e PSOE obtiveram o mesmo número de lugares, mas a lista socialista foi a mais votada, que se testa a fórmula das linhas vermelhas à direita. Contrariando o pacto proposto por Feijóo a Sánchez (que governe o mais votado), a candidata popular Maria Guardiola reivindicou a presidência da região. Mas para isso precisa garantir o apoio do VOX, que, nestas circunstâncias, reforça o seu poder negocial.

Depois de afirmar diversas vezes que não pactuaria com o VOX em qualquer circunstância, sublinhando as linhas vermelhas que a separam do partido de Abascal (imigração e o coletivo LGBTQ), Maria Guardiola, ‘baronesa’ e representante da ala progressista do PP, foi forçada a alterar a estratégia e o discurso.

Na ausência de acordo, o PP perdeu para os socialistas a presidência e a vice-presidência do parlamento da Extremadura, o que valeu duras críticas a Guardiola por parte de pesos pesados do partido, como Esperanza Aguirre e Isabel Ayuso. Questionada sobre a Extremadura, Ayuso disse ser «a favor de não dar ao sanchismo nem mais um minuto de oxigénio, e de não abandonar os espanhóis nas mãos de governos que só criaram redes clientelares para se perpetuar no poder», concluindo que «há tanto para mudar na Extremadura, que seria uma grande derrota para todos não conseguir [um acordo]». 

Guardiola, que terá sido aconselhada a reduzir a sua exposição mediática e baixar o tom face ao VOX, adotou um tom conciliatório, afirmando que «o VOX é um partido constitucional» com o qual pretende «pôr-se de acordo» para o bem da Extremadura. Afirmou ainda que não iria permitir que «se utilize a Extremadura para enterrar um governo de mudança em Espanha».

Abascal, principal beneficiário político das contradições de Guardiola, lembrou que se a candidata popular à presidência da Extremadura quer pactuar com o seu partido, terá de «respeitar» os seus eleitores.

A lição é clara: em sistemas de democracia representativa, a mudança depende da aritmética dos resultados. E para o PP chegar ao poder – na Extremadura e possivelmente em Espanha – serão necessários os votos do VOX.

 

A estratégia de Abascal

VOX e PP têm um objetivo comum, que é derrotar o sanchismo. Mas se o VOX é um partido ideológico com liberdade de posicionamento, o PP é hoje um partido com vocação catch all, orientado para vencer as eleições numa lógica de alternância em contexto de bipartidarismo.

E se os dois partidos convergem em questões importantes, como a redução da despesa e da carga fiscal, a necessidade de derrogar a lei da habitação ou a rejeição do independentismo, divergem em outras que para muitos eleitores são fundamentais, com o VOX a opor-se firmemente às leis ideológicas da esquerda, a defender o controlo da imigração e a rejeitar a Agenda 2030.

Na campanha, o VOX tem sublinhado essas diferenças, numa tentativa de assegurar os votos do eleitorado da direita conservadora.

E, para as eleições, a estratégia do partido de Abascal antecipa um cenário que, não sendo certo, é o mais provável: o PP vencerá, mas necessitará do VOX. E Abascal não tem facilitado a vida a Feijóo, lembrando que o seu partido não é dono, antes depositário, dos votos que lhe são confiados. Um discurso que lança as bases, já testadas em contexto regional, para Abascal impor pontos na agenda e reinvindicar a presença do seu partido no Governo nacional. E que expõe a inconsistência, por parte do PP, em querer somar os votos do VOX sem dar representação às reinvindicações e prioridades daqueles que os depositaram.