Prevenir não é connosco

Sem um investimento forte no SNS, tudo vai continuar na mesma,  colocando-se mais ‘remendos’ neste sistema, transformado mais numa manta de retalhos do que num SNS a funcionar corretamente…

Há aspetos dentro da Medicina a que dou particular importância, a prevenção é um deles. Já aqui o disse por diversas vezes: prevenir deve estar sempre em primeiro lugar. Se é importante tratar as doenças, ainda é mais importante preveni-las. 
Já bem basta ter de ‘conviver’ com situações, por vezes, bem dramáticas, que não se puderam prevenir, quanto mais deixar que se instalem doenças graves que, detetadas na altura certa, teriam outro desfecho e um prognóstico mais animador. 
Infelizmente, ainda há muita gente a procurar o médico só quando tem queixas, em vez de apostar na prevenção. Para muitos, a medicina curativa continua a prevalecer sobre a preventiva, apesar dos inúmeros esclarecimentos e das mais variadas orientações nesse sentido. O velho ditado ‘mais vale prevenir que remediar’ parece não se aplicar à maioria das pessoas, que continuam a preferir remediar do que prevenir. 
É típico da nossa gente. 

Ver mais além é arriscado, dá trabalho, é dispendioso. É melhor não investir, poupar o mais possível e optar sempre pelo mais baratinho, apesar de se saber que o mais barato, por vezes, acaba por ficar mais caro. 
Quantas vezes nos lembramos de figuras ímpares da nossa História, desde o Marquês de Pombal ou Duarte Pacheco até grandes empresários como António Champalimaud, todos eles muito à frente do seu tempo, que deixaram o seu nome ligado a empreendimentos de vulto na nossa terra de que tanto nos orgulhamos. Mas lamentavelmente são a exceção e não a regra. A tendência do nosso povo é para a gestãozinha do dia-a-dia, sem se preocupar com o que vai acontecer no futuro. 
Quando não se investe, seja em que área for, não se pode prevenir. O meu campo profissional também está cheio desses vícios de gestão. A falta de investimento no SNS está na origem dos principais problemas que vamos conhecendo, com uma periodicidade assustadora. Como sempre, quem sofre com isso são os doentes, os eternos sacrificados que vão estendendo a mão à caridade de quem os ouça ou lhes abra a porta em momentos de aflição.

Vejamos mais um exemplo elucidativo. 
Fala-se agora que nalgumas situações os partos podem vir a ser feitos por enfermeiros, não obstante a Ordem dos Médicos estar contra tal decisão. E por que razão surge essa possibilidade? Por falta de médicos em número suficiente. E qual a razão para não haver médicos em número suficiente no SNS? Porque as condições que o Estado lhes oferece não são nada atrativas nem justamente remuneradas, levando-os a procurar alternativas. 
Então, como não se pode prevenir e atacar o problema pela base, lá se coloca mais um ‘remendo’, solucionando-se, para já, a situação. 
Não tenho absolutamente nada contra os enfermeiros, antes pelo contrário, mas reconheço que cada coisa deve estar no seu lugar. Já nem falo nas eventuais complicações que possam ocorrer por ausência do médico, nem da reação das parturientes à nova legislação; mas, como profissional de saúde, entendo que se vai abrir um precedente perigoso, com riscos e de consequências imprevisíveis. E o mais caricato da situação é tudo isto se passar quando o atual ministro da Saúde é médico e os antecedentes no nosso país em termos obstétricos não são nada animadores…

Sem um investimento forte no SNS, que permita prevenir as principais lacunas – em especial, fixar os profissionais -, tudo vai continuar na mesma, ou seja, colocando-se mais ‘remendos’ neste sistema, transformado mais numa manta de retalhos do que num SNS a funcionar corretamente e satisfazendo as necessidades da população.
Não sei por mais quanto tempo nos vamos manter assim. Enquanto não houver vontade política para investir, nunca se poderá ir além dos serviços mínimos e não passamos do mesmo patamar. Está visto que prevenir não é connosco. Mas hão de vir novas gerações que deixem de pensar assim – e tenham a coragem de, para além do diagnóstico, aplicarem a terapêutica correta, pondo fim a este lamentável ciclo vicioso onde muito se fala mas nada se faz. 
Quando se perder o ‘medo dos votos’ e se sair do politicamente correto, como até aqui, a mudança aparecerá naturalmente. Como diz o povo, ‘não há mal que sempre dure…’.