‘Gostava que não fosse preciso interditar (…) Devia haver mais bom senso’

Nos últimos dias, muito se tem falado sobre as regras que constam no edital de praia. Mas ao contrário do que muitos pensam, estas não são novas. Música alta, levar animais, jogar raquetas e mesmo fumar. Os concessionários espalhados pelo país, concordam com as normas, mas estão bastante preocupados com a forma de fiscalização das…

O calor já chegou há algum tempo e, com ele, a vontade de passar a tarde entre a toalha e os mergulhos no Atlântico. Sabemos que Portugal é conhecido, muitas vezes, por um “incrível jardim à beira-mar plantado”. De norte a sul do país, estendem-se areais, onde a grossura dos grãos de areia, bem como a força e violência do mar, ou a paisagem, podem variar, mas onde a magia do oceano é sempre a mesma.

Este ano, segundo a portaria publicada no princípio de maio em Diário da República, assinada pelo secretário de Estado da Defesa Nacional, Marco Capitão Ferreira, e pelo secretário de Estado do Ambiente, Hugo Pires, a época balnear integra 589 praias de banhos, mais 4 do que no ano passado – locais onde a vigilância e a assistência a banhistas estão asseguradas por nadadores-salvadores.

Na altura, lia-se que este número poderia aumentar desde que, entre as águas balneares identificadas como tal nos termos da portaria, mas que à data não fossem classificadas como praias de banhos, passasse a estar assegurada assistência a banhistas pela respetiva autarquia ou entidade gestora.

Além disso, segundo indicou o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, em 2023 há um total de 658 águas balneares identificadas, mais quatro do que no ano anterior. Das quase 600 praias vigiadas, 394 foram galardoadas com “Bandeira Azul”, mais uma do que no último ano, sendo que esta distinção pretende distinguir as praias que cumprem os requisitos de qualidade ambiental, segurança e bem-estar.

 

As regras ‘não são novas’

No entanto, ao contrário daquilo que muita gente possa pensar, aberta a época balnear, há várias regras que devem ser cumpridas, a partir do momento em que nos descalçamos e pisamos o areal (ver pág. 2-3). E, apesar destas estarem a circular há apenas uns dias e de serem diferentes conforme o município onde cada praia está inserida, há exigências que são iguais para todas elas e que já estão estabelecidas desde 2012, de acordo com os concessionários do país.

“As regras, nomeadamente no que diz respeito às atividades interditas, estão todas elencadas no edital de praia. Em todas as praias com concessionário, existe na concessão, o edital de praia. Maior do que um A3, assinado pelo capitão de porto da respetiva capitania, aí, estão todas as atividades interditas”, começa por explicar ao i, Paula Vilafanha, presidente da Federação Portuguesa dos Concessionários de Praia (FPCP), que, para não estragarmos as férias, sugere que “estejamos atentos aos painéis informativos”.

A utilização de colunas na praia é uma das novidades… O chamado “equipamentos sonoros e desenvolvimento de atividades geradoras de ruído que, nos termos da lei, possam causar incomodidade” tem multas que vão desde os 200 euros aos 36 mil euros. Segundo a Lei nº50/2006, as coimas poderão “variar entre os 200 e os 4.000 euros para pessoas singulares e entre os 2.000 e os 36.000 euros para pessoas coletivas. Ou seja, em praias marítimas sob jurisdição da Autoridade Marítima Nacional, o comando local da Polícia Marítima da área deve ser contactado para que os agentes façam cessar o barulho.

“Eu não sei se é uma novidade… Sempre se falou em som, o que é interdito é basicamente ter, numa praia, equipamentos que tenham o som alto ou com uma intensidade que provoque incómodo na área próxima”, admitiu a responsável. A dúvida que se me coloca é: o que é que é incómodo? O que é que é alto?

“Imagine que estou na praia com uma dessas colunas… Se a polícia vier, ou traz um equipamento que permita medir os decibéis (está definido na lei), ou não vai conseguir fazer nada, não consegue levantar um auto. Só se podem fiscalizar as coisas desta forma. Tem de haver um recurso que permita medir e apanhar em flagrante”, garante Paula Vilafanha.

“Se acho bem? Acho! Aliás, acho que devia de decorrer do bom senso de cada um, na medida em que estamos em locais públicos, muitas vezes temos as toalhas a poucos metros uns dos outros e conseguimos perceber, mesmo quando falamos alto, que a nossa conversa está a ser ouvida no chapéu do lado. Da mesma forma, conseguimos usar as nossas capacidades de raciocínio para perceber que se eu tenho o telemóvel ou a coluna no máximo, com certeza que estou a obrigar aquela área a ouvir a música que eu escolhi”, reforçou, acrescentando que “não temos máquinas para medir decibéis, mas temos noção que se colocarmos a música alta que o vizinho vai ouvir”.

“Há festas organizadas, do agrado das pessoas no modo geral. Quando são feitas assim, sem serem incomodativas, as pessoas acham piada, querem participar… Uma aula de Zumba, um Sunset. Coisas que acontecem num pequeno período de tempo que têm a adesão das pessoas. Assim é diferente”, salienta Luís Carvalho, presidente da Associação dos Concessionários de Praia e Bares da Zona Norte.

Segundo a presidente da FPCP, nas praias do concelho de Cascais a afluência tem sido “regular”, dependendo muito do estado do tempo. Mas apesar de ainda não terem tido enchentes, Paula Vilafanha admite que existem dias, principalmente da parte da tarde, aos fins de semana em que há mais afluência, “com alguns ânimos mais exaltados”, nomeadamente na praia de Carcavelos. “Grupos de jovens que se concentram e acabam por se desentender, pequenos conflitos nas esplanadas que rapidamente assumem uma proporção despropositada… Mas pronto, temos tido a intervenção das polícias de segurança, embora já tenhamos solicitado mais do que uma vez, o policiamento de proximidade”, revela. “Eu acredito que a visibilidade das forças de segurança contribui para desmotivar este tipo de comportamento”, afirma.

 

Proibido fumar?

Uma nova proposta de lei do tabaco apresentada pelo Governo, que deu entrada no Parlamento em 26 de maio, prevê ainda a proibição de se fumar em praias marítimas, fluviais e lacustres (lagos), por determinação da gerência, da administração ou do titular da concessão, entre outros. Segundo a proposta de lei, será ainda proibido fumar em determinados recintos como piscinas públicas e parques aquáticos, alegando o Governo que são locais de diversão e de estadia frequentados por menores e respetivas famílias.

Sobre isso, a responsável pela federação recusou-se a comentar, já que “esse diploma ainda não foi publicado”. “Tem de sair primeiro no Diário da República”, lamenta.

No entanto, para João Carreira, proprietário do Waikiki, um dos restaurantes mais conhecidos da Costa de Caparica, no distrito de Setúbal, na praia da Sereia, bem como do Borda D’Água, na Praia Morena, na situação de fumar na praia, “há realmente uma falta de educação por parte das pessoas”. “Quem fuma não tem o cuidado de ter um cinzeiro consigo, é mais fácil atirar as beatas para o areal. Não me lembro de alguém ter sido multado até hoje por isso”, conta ao i. Esta medida, deixa-o, por isso, “contente”. No entanto, as coisas só resultarão se houver “uma fiscalização grande”: “A fiscalização está à responsabilidade da Polícia Marítima. Agora, eles não têm gente suficiente para as cargas tão grandes que há de pessoas. É muito difícil. São umas cargas gigantes a nível nacional. É um trabalho complicado”, admite, acrescentando que, na sua opinião, “se deve divulgar mais a informação”.

Tal como acredita Tiago Duro, responsável pela concessão da Minha Praia, em Quarteira: “A fiscalização vai ser difícil. O nadador salvador não é autoridade, mas vai receber queixas de certeza”, explica. “No caso do fumador creio que seja só na área concessionada, por isso até vai ser fácil de controlar… Sinalética… Por norma o fumador é respeitador”, revela. Interrogado se as regras influenciam o funcionamento dos espaços, Tiago Duro está certo que sim. “No caso do fumador, direta ou indiretamente, vamos ter praias mais limpas. O fumador de certeza que não se importa de sair 5 minutos para um cigarro”, garante. “A questão das colunas de som… Se alguém estiver incomodado, chame o nadador salvador se não houver autoridade presente e este procede à chamada da autoridade”, exemplifica.

“Relativamente ao tabaco, ainda não está definido e nós esperamos que tanto a parte dos grupos parlamentares, como o governo, escutassem a nossa federação, pudéssemos dar o nosso contributo. Mais uma vez, apelo ao bom senso, para que as coisas sejam feitas de uma forma equilibrada. Claro que também somos pela preservação da saúde pública, mas sempre com bom senso”, reforça, por sua vez, Luís de Carvalho. “Penso que se as pessoas não estiverem coladas umas às outras é possível fazer as coisas sem incomodar. Não devia de ter de se proibir”, admite.

Em relação aos animais, de acordo com a presidente da FPCP, não é permitido levá-los para a praia durante a época balnear toda. “Não tem horário. É durante as 24 horas de todos os dias que compõem o calendário da época balnear”, frisa a responsável. Se na via pública, nós ainda temos recorrentemente pessoas que não limpam os dejetos dos animais, quanto mais na praia. Não são os animais que fazem asneiras. São as pessoas que levam os seus animais e os envergonham, porque não se sabem portar”, lamenta. Já João Carreira acredita que, se as pessoas os mantiveram junto dos seus pertences e se encarregaram de limpar os seus dejetos, que “não devia haver problema”.

“Jogar à bola, raquetes, ou seja o que for, também é proibido em todas as praias e por concessão. É mais por uma questão de segurança… Se está a jogar à bola numa zona onde estão chapéus de sol ou crianças, obviamente que se corre o risco de haver um acidente. Pode não ser grave, mas também pode ser. Lá está, se houvesse bom senso, não era preciso nada disto. Cada um de nós tem um umbigo do tamanho da Península Ibérica”, acredita Paula Vilafanha.

 

Um problema que se arrasta

Segundo os concessionários existe ainda um outro problema que se tem arrastado ao longo dos anos: a falta de nadadores salvadores. (ver pág. 8 e 9)

De acordo com o proprietário do Waikiki, os problemas são sempre os mesmos, apesar de, em modo geral, estar a correr tudo bem este ano. “Acho que o Estado deve olhar com uns olhos mais atentos para esta questão, já que o que está em cima da mesa é a segurança das pessoas”, defende. “É evidente que os concessionários querem fazer parte da solução, ajudar, mas nós não conseguimos formar nadadores salvadores”, explica.

João Carreira conta ainda que, este ano, na Costa da Caparica, existiam nadadores salvadores formados para toda a época balnear, mas muitos acabaram por ser convidados para ir para outras zonas do país. “Isso não é fácil. É a lei da oferta e da procura… São cada vez mais os estrangeiros a trabalhar na área. Vieram na ordem dos 80 nadadores salvadores para tirarem a certificação aqui. Como é óbvio, as associações, não conseguem parar isso. Eles são livres de circular. Vão para onde quiserem. Mas nós fizemos esse trabalho… É uma pena”, lamenta.

Tiago Duro, partilha da mesma opinião: “O nadador salvador é maioritariamente o estudante que quer ganhar um extra no verão. As escolas vão acabando mais tarde, com os exames e outras avaliações, por isso, no dia 1 de junho (época aberta oficialmente em Loulé ) é quase impossível ter uma equipa completa”, detalha o responsável pela Minha Praia, no sul do país. Além disso, na sua opinião, a profissão “deixou de ser atrativa aos jovens (18/20 anos)”, seja pela “responsabilidade exigida”, seja pelos cursos que “já rondam os 200 euros”. “No inverno as praias não necessitam de grande vigilância, portanto não existe a necessidade de contratações e, como consequência, a profissão vai-se tornando menos atrativa para quem quer pensar numa carreira”, explica.

De acordo com Tiago Duro, existem autarquias que tentaram resolver o problema com a contratação de nadadores salvadores, mas no geral esse dever ainda está nas mãos dos concessionários. “O que não consigo concordar, pois não me faz grande sentido um privado assegurar a vigilância de vidas. É um dever do Estado”, defende.

Soluções? “O concessionário paga uma taxa de ocupação turística repensada e esse dever de vigilância fica a cargo do Estado, assim como vemos em grandes países como o Brasil”, propõe o responsável pela concessão da Minha Praia.

“Por aquilo que represento, particularmente dos concelhos de Espinho, Porto, Braga e Matosinhos, conseguimos encontrar aqui, com a participação das autarquias e autoridade marítima local, soluções que permitiram a abertura da época balnear sem muitos constrangimentos. Há, numa situação geral, uma falta de nadadores salvadores, mas conseguimos colmatar essa carência no norte”, revela Luís de Carvalho.

De acordo com a presidente da Federação Portuguesa dos Concessionários de Praia, no norte, “a situação já está estável”. “Estou a falar de Esposende, Vila do Conde, Póvoa do Varzim, Matosinhos, Gaia, Espinho”, explica Paula Vilafanha.

Segundo a mesma, Sintra também já tem a situação regularizada, tal como no concelho de Cascais. “Se houver uma exceção ou outra, não tenho conhecimento”, garante. “Em Oeiras também não tenho notícia de falta. No Alentejo, creio que a situação também está regularizada e no Algarve depende um bocadinho. No mês passado, a zona que mais preocupação tinha em termos de recursos humanos era a Figueira da Foz. Aí realmente estava uma situação bastante problemática”, remata.