João Paulo André, Químico
Decorreu entre os dias 26 de junho e 1 de julho o Hajj, a peregrinação a Meca, na Arábia Saudita. Este ano contou com dois milhões de fiéis vindos de todo o mundo. Considerado um dos cinco pilares do Islão, o Hajj é uma obrigação religiosa para os muçulmanos que possuem condições físicas e financeiras para realizá-lo, o que deverá acontecer pelo menos uma vez na vida. Consiste numa série de rituais sagrados em diversos locais da cidade santa e dos seus arredores, nomeadamente no Monte Arafate, onde o profeta Maomé proferiu o Sermão de Adeus, no ano de 632. É, no entanto, na Grande Mesquita da cidade santa que os fiéis praticam o ritual que recebe maior cobertura mediática: oTawaf, que consiste em caminhar sete vezes, no sentido anti-horário, em redor da Caaba, a Casa de Deus. Trata-se de uma grande estrutura cúbica em pedra, envolvida por um tecido preto bordado a ouro, que os muçulmanos acreditam ter originalmente sido construída por Abraão. A área em seu redor, na qual os peregrinos circulam, é chamada de Mataaf.
Coincidência ou não, no passado dia 28 de junho, a obra Magnetism (foto esq.) do artista saudita Ahmed Mater (n. 1979) foi leiloada na Christie’s em Londres. Este tríptico fotográfico de 2021 (136 x 319 cm) tinha um preço estimado entre 50 e 70 mil libras, mas acabou por ser vendido por um valor quase três vezes superior. Na foto da direita (Caaba; 2015; 180 x 270 cm), do mesmo autor, podemos ver o cubo sagrado e os fiéis ao seu redor. O paralelismo entre as duas obras não passa despercebido, mesmo aos olhos do mais distraído.
Em relação a Magnetism, Mater mencionou numa entrevista que, quando era criança, os pais lhe disseram que, ao visitar Meca, sentia-se como se fôssemos puxados para a Caaba, como se estivéssemos dentro de um imenso campo magnético. Essa imagem ficou-lhe gravada na memória, acabando por tornar-se um sonho a que quis dar forma com o seu trabalho. A ideia subjacente à obra que acaba de ser leiloada é, na verdade, simples: um íman em forma de cubo (representando a Caaba) e limalha de ferro, ou seja, inúmeros pedacinhos metálicos (simbolizando os fiéis). Estes, por ação do campo magnético, orientam-se de forma concêntrica em torno do cubo. O magnetismo nesta obra surge, assim, associado ao transcendental. «É por isso que continuo a pesquisar a energia da atração e a sua conexão espiritual com a minha memória», referiu o artista.
Sob o ponto de vista puramente científico, o fenómeno do magnetismo está intimamente associado a outro fenómeno: o da eletricidade. Nos materiais ditos magnéticos, como por exemplo a magnetite (um óxido de ferro), o magnetismo tem origem nos movimentos dos eletrões dos seus átomos. Os antigos chineses já usavam agulhas magnéticas para orientação em navegação, no entanto, o estudo do magnetismo apenas começou no século XVII, com o britânico William Gilbert. Em 1820, o dinamarquês Hans Christian Ørsted demonstrou que uma corrente elétrica que percorre um fio afeta a agulha de uma bússola próxima, mas foi o britânico Michael Faraday, em 1831, que estabeleceu a conexão entre os dois fenómenos, ao enunciar a lei da indução magnética. Esta (também conhecida por lei de Faraday) descreve a relação entre um campo magnético variável e a geração de uma corrente elétrica induzida. É esse o fundamento do funcionamento de dínamos, geradores, alternadores, indutores, solenoides e vários tipos de motores elétricos. Seria ao escocês James Clerk Maxwell, em 1861 e 1862, que se ficariam a dever as leis do eletromagnetismo, resultantes da unificação das teorias da eletricidade e do magnetismo, e que estabeleceram a base matemática que descreve o comportamento dos campos elétricos e magnéticos.
Ainda relativamente ao trabalho de Ahmed Mater, de interseção entre a arte e a ciência (e o metafísico), é relevante destacar a sua formação em medicina, em Abha, a que se seguiram os estudos na Al-Meftaha Arts Village, na mesma cidade do sudoeste da Arábia Saudita. As suas primeiras obras foram feitas a partir de antigas radiografias do hospital local, o que culminou na instalação Evolution of Man (2010). Retratando um homem que segura uma arma e que se metamorfoseia numa bomba de gasolina, esta obra questiona se a humanidade é mais do que apenas a estrutura do corpo.