No ano passado, o caos na Ginecologia e Obstetrícia acabou por precipitar a saída de Marta Temido do cargo de ministra da Saúde – anunciou a sua demissão horas depois de ter sido noticiada a morte de uma grávida que foi transferida por haver falta de vagas na neonatologia do Hospital de Santa Maria (HSM), em Lisboa. E, este ano, as coisas parecem piorar, já que o mesmo hospital continua a ser palco de vários conflitos internos, carências de profissionais e falta de resposta para problemas que, a manterem-se, poderão mesmo «fazer com que o serviço de obstetrícia termine no Hospital Santa Maria», segundo fontesw do HSM adiantaram ao Nascer do SOL.
Segundo uma fonte médica, as obras de requalificação e expansão do bloco de partos do Hospital, que deveriam começar no dia 1 de agosto e terminar no final de janeiro, «ainda não foram adjudicadas», sendo possível que se estendam por «2 a 3 anos» – o objetivo é construir um enorme bloco de partos tal como existe no Hospital São João –, as escalas «continuam apertadíssimas» e em agosto 37 dos 49 médicos dos serviços de Obstetrícia e de Ginecologia vão estar de férias, com os que ficam, praticamente todos a recusarem fazer horas extra enquanto a direção do departamento não for devolvida a Diogo Ayres de Campos e o serviço de Obstetrícia a Luísa Pinto (ambos afastados pela administração em junho, por falta de entendimento sobre o projeto de reestruturação do bloco de partos, que terá como consequência a transferência de médicos e grávidas para o Hospital de São Francisco Xavier). No entanto, segundo o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), não há motivo para alarme, já que «tudo está a ser realizado dentro dos prazos estipulados» – as obras começam em agosto e os os trabalhos estarão no terreno em setembro.
Há dois profissionais que não faziam urgência há anos, mas que, neste momento, se encontram a fazer horas extra para assegurar o serviço, já que este se encontra «com uma escala apertadíssima». Ou seja, as urgências «estão fora de regras», começa por contar a mesma fonte, acrescentando que os dois profissionais já chegaram a assegurar as urgências com apenas mais duas pessoas, ou seja, «sem equipa mínima para assegurar a segurança necessária do serviço».
Afastamento de Ayres de Campos
Sobre a demissão de Diogo Ayres de Campos, a fonte assegura que existia uma perseguição ao então responsável. Acreditava-se que, original do Porto, Ayres de Campos chegou a Lisboa há 5 ou 6 anos e «geria o serviço em torno do seu projeto pessoal».
Recorde-se que o então responsável ousou criticar as opções da direção executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e da administração do Hospital Santa Maria no que respeita ao encerramento do bloco de partos do estabelecimento hospitalar durante o verão e ainda a concentração de serviços no Hospital São Francisco Xavier. Depois disso, foi demitido da direção do Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução (DOGMR) e a Ordem dos Médicos retirou-lhe a confiança.
Segundo a fonte do HSM, com a entrada de Ana Paula Martins para a presidência do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, em fevereiro, as coisas «apertaram», já que esta «vai contra tudo e contra todos» e é «bastante rigorosa». «A culpa não foi do Ministério. Foi uma questão de desentendimento entre os dois. Por isso é que está tudo contra a decisão da administração de o afastar», assegura a mesma fonte, que acrescenta ainda que a responsável pela administração admite não confiar em Ayres de Campos. Estamos por isso, diante de um «braço de ferro»: os médicos recusam-se a trabalhar, não há escalas e o hospital não sabe o que fazer.
É também importante salientar que a dispensa de 75% dos obstetras, especialistas e internos para o período mais prolongado de férias do ano foi autorizada por Diogo Ayres de Campos quando este ainda era diretor do Departamento. Na semana passada, ao Expresso, o médico confirmou a aprovação, garantindo que na altura a decisão «não colocava em risco a prestação de cuidados».
Esta recusa foi expressa numa carta enviada por cerca de 30 obstetras à administração do hospital aquando da exoneração dos dois responsáveis. Na semana passada, numa nova missiva, 43 médicos pediram ao ministro da Saúde, Manuel Pizarro, uma intervenção «pessoal, direta e urgente, no sentido de serem readmitidos como diretores os dois profissionais, reconhecidos como líderes por toda a equipa, que foram injustamente afastados na tentativa de repor a normalidade do funcionamento do departamento e de evitar o seu desmoronamento». Ou seja, se for revertida a exoneração, «as equipas estão dispostas a fazer horas extra», garantia ao Expresso o médico afastado.
Por sua vez, Manuel Pizarro reiterou que a administração do CHULN tem «autonomia de gestão», por isso, «não irá intervir», pelo menos «por agora».
Luísa Pinto recusa regresso
Numa nota enviada à imprensa esta quinta-feira, o Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte revelou que já selecionou a empresa que irá executar a obra de construção da nova maternidade do HSM, tendo admitido a proposta do concorrente POLITÉRMICA – ENGENHARIA, LDA.
«Uma escolha que decorre do lançamento do procedimento concursal internacional para uma extensa renovação da área materno-infantil do CHULN, projeto que decorre no prazo planeado e que será acompanhado da ampliação do internamento de pós-parto e da expansão da capacidade do Serviço de Neonatologia, num investimento global superior a 6 milhões de euros», garante o conselho de administração.
O CHULN recorda que, no âmbito deste projeto, está prevista a remodelação da urgência de obstetrícia e ginecologia e a construção de 12 novos quartos de parto, 2 blocos operatórios e uma sala de observações na nova maternidade do HSM, num total de cerca de 1000 m2 quadrados de área nova a ser construída. Além disso, segundo a mesma nota, está prevista a remodelação e ampliação do internamento de puérperas, a remodelação das instalações para a ecografia obstétrica e a expansão do Serviço de Neonatologia. «A data de conclusão das obras de requalificação está prevista para o primeiro trimestre de 2024», reforça o CHULN.
O Nascer do SOL apurou ainda que, relativamente ao pedido dos profissionais para a readmissão das chefias, o CHULN convidou Luísa Pinto, que era diretora da Obstetrícia até à demissão do professor Ayres de Campos – com a sua demissão saiu também do cargo, onde estava de forma interina –, para dirigir de novo o serviço, de forma a «manter a estabilidade das equipas, que reivindicaram em várias cartas essa recondução». No entanto, o convite foi recusado pela própria.