“Orgulho e Preconceito”

Por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,   

O NOS Alive voltou ao Passeio Marítimo de Algés recebendo mais de 160 mil visitantes. Sei que ao longo da tua longa carreira de jornalista fizeste muitas reportagens sobre os mais diversos eventos. Também sei que se fosses um pouco mais nova irias estar todos os dias caída no NOS Alive a relatar tudo o que visses.

Eu não podia deixar de estar presente! Não só para assistir aos espetáculos, como para rever amigos e poder partilhar contigo tudo o que vi.

Com a idade que tenho, como deves calcular, já vi muita coisa. No entanto, julgo nunca ter estado num recinto onde reunisse tanta gente que, orgulhosamente, manifestasse, a sua orientação sexual e a luta contra preconceitos.

Isto só acontece graças à liberdade que começou a ser construída pelos da tua geração e que foi sendo cada vez mais conquistada pelas gerações seguintes.

Foram centenas de artistas que, ao logo de 3 dias, atuaram na 15ª edição do festival.

No entanto, gostaria de falar-te dos seguintes concertos: Lizzo, Lil Nas X e, como não podia deixar de ser, Sam Smith.

«Libertem os corpos e libertem o orgulho» foram algumas das lições de autoajuda e de “empoderamento” que a cantora Lizzo manifestou.

Já os espetáculos dos Lil Nas X e do Sam Smith ficaram entre uma orgia romana e um show de cabaret Gay. Tu que viveste tantos anos em Paris, imagina os shows do “Moulin Rouge”, ou do “Crazy Horse”, mas numa versão revisitada e num palco de um festival com milhares de pessoas a assistirem.

Ao contrário de outros países, Portugal está a viver uma era de progressiva abertura à diferença. Graças a empresários como o Álvaro Covões é possível assistirmos a espetáculos como estes onde a liberdade de expressão impera.

Veremos se os “guardiões da moralidade” não acham de tudo isto uma “grande libertinagem” e em breve voltamos a viver uma “liberdade com regras”.

Olha o que está a acontecer na Hungria…

Bjs

 

Querido neto,

Já que referiste a Hungria, não nos podemos esquecer do Eurodeputado húngaro, que votou contra a lei do casamento homossexual, que foi apanhado numa orgia gay, em Bruxelas. Pura hipocrisia!

Outra das nossas recentes conquistas, que também deixa os conservadores de cabelos em pé, foi a aprovação da Eutanásia. A lei foi aprovada muito recentemente pelo nosso Parlamento e até achei bem. Dantes as pessoas tinham de ir para outro país, (normalmente a Espanha) para o fazerem.

Tal como se fazia antes da aprovação da lei do aborto. Conheço tanta gente que votou contra a lei do aborto e atravessaram a fronteira diversas vezes para abortar.

“Faz o que eu digo, mas não faças o que eu faço!”

No entanto, quando oiço falar de eutanásia, lembro-me sempre do meu querido amigo, o maestro Pedro Osório.

Foi-lhe diagnosticado um cancro. Tinha dores insuportáveis, quase nem se podia ter de pé.

Reuniu a família e meia dúzia de amigos, para lhes dizer que não aguentava tanta dor e preferia matar-se. Eutanásia, disse. Mas como em Portugal nessa altura não era permitido fazer isso, declarou-nos que ia a Espanha. Ele, a mulher e mais ninguém. E que não valia a pena os amigos tentarem demovê-lo dessa ideia – porque ele tinha pensado muito e estava tudo decidido.

Foi um momento terrível. Ninguém sabia o que dizer, ficámos todos em silêncio.

E lá foi.

Passadas duas semanas voltou – porque não tinha tido coragem. E ainda viveu bastante tempo.

É sempre disso que eu me lembro.

E se, mesmo no último momento, a pessoa quiser desistir – e, por causa de tudo o que já tomou, isso não for possível?

São essas coisas que realmente me preocupam, acreditem.

Vivemos rodeados de preconceitos. Veremos se a liberdade que foi, lentamente, conquistada ao longo de anos não corre o risco de regredir.

Olha o que está a acontecer com as mulheres do Afeganistão!

Bjs