por João Maurício Brás
Há muitos aspetos perturbadores na saúde democrática. Recordo que a democracia é principalmente um tipo específico de sistema ético-político. Charles Péguy afirmava que sem ética não há democracia, porque esta é principalmente o respeito e aprofundamento de um conjunto de valores fundamentais.
As democracias nesse sentido sofreram fortes rombos às mãos do desenvolvimento do liberalismo e de uma perversão do socialismo. O liberalismo (não a sua formulação clássica, mas o seu desenvolvimento) e o socialismo desprezam a ética. Não há ética genuína do indivíduo particular nem do Estado. Com o liberalismo as conceções de vida boa e a ética foram remetidas para a esfera privada do indivíduo, e substituídas pela lei. O primado da lei é fundamental mas quando escorada numa forte base ética. A lei das sociedades liberais não tem base ética, e os alicerces da sociedade reduzem-se a preceitos conjunturais sobre o lícito e o não lícito. Nas formulações socialistas é também comum a referência à substituição da ética pela lei, e o comum, pode não ser ético, mas é legal, e nós fazemos a lei, a famosa ética pseudo-republicana. Esta destruição da ética significa um dos maiores ataques à essência da democracia, e desse modo podemos ver regimes ditos democráticos atolados em corrupção e a celebrarem e condecorarem líderes de sistemas totalitários, como Cuba e Venezuela e com relações políticas, diplomáticas e económicas com países que não respeitam os direitos das pessoas porque estas são mulheres ou homossexuais. Como reputar estas práticas?
Para os liberais a ética deve estar também separada da economia, e esta deve determinar a política. Ora, países que perdem a sua soberania e o primado da vontade popular perante o poder dos mercados e de um poder transnacional não são democracias, mas simulacros.
A democracia só existe quando defende valores e celebra a sua história e é intransigente com o que é antidemocrático, que não é certamente o ‘tudo o que não controlamos e nos questiona é fascista e populista’. Na História do Portugal recente com uma democracia já institucionalizada a extrema-esquerda matou cidadãos inocentes, e estes de facto mereciam um memorial, podia localizar-se em frente à casa da democracia, que os recordasse assim como à escandalosa amnistia de crimes de sangue. E que melhor data para inaugurar esse memorial que a efemeridade em 2024 dos 50 anos do 25 de Abril. Esta data seria uma excelente oportunidade para refletir sobre o que fracassou em relação ao melhor dessa utopia, alcançar uma sociedade mais próspera e com menos desigualdades sociais, mais liberdade e menos Estado. Ora, para além da propaganda oficial, os políticos do sistema irão celebrar-se a si mesmos esquecendo a realidade, um país ultrapassado por todos os países do antigo bloco de leste, que mesmo sobre o antigo jugo brutal do comunismo têm já um rendimento per capita superior ao português e já com menos estatismo.
Já que certamente vamos celebrar uma sociedade cada vez mais desigual, uma classe política dominante cada vez com menos qualidade e em permanência envolvida em casos escandalosos, a destruição de serviços e bem públicos como a educação e a saúde e a instrumentalização política dos média e da justiça e o triunfo da propaganda que ao menos se salve a data com a inauguração desse memorial.