por João Cerqueira
O PS afirma que está no seu ADN o combate à corrupção. José Sócrates fez do combate à corrupção um dos seus motes políticos. Contudo, António Costa disse recentemente que a corrupção não interessa aos portugueses: «Aquilo que eu sinto que preocupa as pessoas são temas bastante diferentes».
Tudo isto é simultaneamente verdade.
Em Portugal, a corrupção é como os universos paralelos da Física Quântica ou o gato de Schrodinger que pode estar vivo e morto ao mesmo tempo. Se não tivesse seguido a carreira política, António Costa teria decerto sido um físico brilhante. Melhor do que ninguém, ele percebeu o fenómeno quântico da corrupção e a forma como os observadores portugueses lidam com ele.
É assim: o observador português olha para a caixa onde está o gato e a corrupção e vê, claramente visto, que os dois estão vivos e ronronam. Mas, pouco depois, volta a olhar novamente e o gato dorme o sono eterno e a corrupção esfumou-se. É claro que entretanto entrou no jogo quântico um terceiro elemento que deu cabo do gato e volatilizou a corrupção: a Justiça portuguesa e alguns comentadores.
Por isso, os observadores portugueses, também chamados cidadãos, ficam baralhados. Eles pressentem a corrupção em todo o lado, percebem que os seus impostos desaparecem em esquemas de apropriação de dinheiro público, suspeitam que o desenvolvimento económico e a democracia regridem por causa da desonestidade dos governantes. Mas, depois, não acontece nada: os crimes prescrevem ou os corruptos nem sequer são levados a tribunal.
Menos versados na Física Quântica do que o primeiro-ministro, os portugueses recorrem à Filosofia: sentem-se como se estivessem dentro da Caverna de Platão – justamente descrita num livro chamado ‘A República’ – onde enxergam sombras da corrupção em toda a parte, mas nunca a conseguem ver ou compreender como realmente funciona. E, se a vissem ou compreendessem, essa luz do conhecimento da corrupção poderia cegá-los. Logo, o melhor é não olhar.
É por isso que António Costa é um político tão bem sucedido. Ele compreende os portugueses e sabe que a corrupção já não interessa a ninguém. Pedir ao povo que se interesse por um fenómeno que, simultaneamente, abarca a Física Quântica, a filosofia de Platão e Sócrates, e o funcionário de uma repartição pública que acelera um processo por vinte Euros, isso é demasiado.
Se a corrupção é omnipresente e omnipotente, que sentido faz tentar combatê-la ou sequer pensar nela? Logo, ainda bem que o Mecanismo Nacional Anticorrupção e a Entidade da Transparência não funcionam, pois só poderiam aumentar ainda mais a corrupção. Se vivesse em Portugal, até esse Schrodinger dos gatos poderia meter-se nalguma tramóia.
É então que se compreende que a melhor estratégia de combate à corrupção é combater o combate à corrupção, combater quem fala do assunto, combater o conceito de corrupção e, como vitoria final, eliminar a palavra dos dicionários. Se no princípio era a palavra, no fim será a borracha que apaga a palavra.
O combate do PS à corrupção é, portanto, o único possível, lógico e eficaz. Se dentro da caixa está um gato que pode estar vivo ou morto, assim como milhões de Euros roubados, e se não há maneira de entender ou controlar estes fenómenos, então, iluminemo-nos com a luz da escuridão, as trevas da complacência, a resignação de que este país é uma choldra, e desviemos o olhar da maldita caixa.
Então, o caso torna-se um casinho, o casinho torna-se um micro casinho e, por fim, puf, tudo desaparece.