As birras que castigaram a mãe e a filha

Pergunto-me como estará neste momento aquela família. A mãe atirou-se ingenuamente para a boca do lobo e o animal não teve piedade.

Quem não sabia quem era Joana Mascarenhas passou a saber pelas piores razões. Além dos seus seguidores no Instagram, todas as outras pessoas ficaram a conhecê-la por uma partilha infeliz nas redes sociais sobre a fórmula de acabar com as birras da filha.

Sobre este assunto há vários aspetos que nos podem fazer refletir:

O primeiro é o facto de uma birra poder ser entendida como um ato de superioridade – e Joana Mascarenhas não será certamente a única mãe a pensar assim -, quando é um desafio, sim, mas também uma fragilidade e por vezes até um grito de desespero, de frustração ou descontrolo. Uma birra não é uma opção, mas uma necessidade e se se aterrorizar uma criança para mudar o foco, a frustração ou a insegurança não só persistem, como possivelmente vão aumentar, embora invisíveis, silenciados pelo medo. A mãe, aquela em quem  se confia cegamente, a maior protetora, em quem supomos encontrar sempre ajuda, vira-se contra nós e deixa-nos desamparados, o que pode gerar uma enorme insegurança e confusão.

O segundo é o receio que o adulto pode ter de ser destronado por uma criança de três anos, sendo que, neste caso, aquilo que sobretudo parece irritar a influencer, mais do que a filha estar a incomodar os vizinhos e a ela própria, é a humilhação de perder o duelo, cedendo aos seus ‘caprichos’. Embora as birras possam ser um braço de ferro, o adulto e a criança não estão em pé de igualdade e não é suposto o primeiro usar a vantagem que tem para ganhar a competição deslealmente, mas sim usar a sua maturidade para conseguir impor limites de forma calma e contentora, o que, diga-se, nem sempre é fácil. 

Por outro lado, é impossível não ficar a pensar o que leva uma mãe a expor-se e à filha com tanta facilidade. Parece haver uma linha muito ténue entre a esfera privada e a pública. Passando esta barreira perde-se o controlo da informação e esta propaga-se a uma velocidade vertiginosa – até no Brasil o acontecimento foi notícia. Mas este não é só o caso de Joana Mascarenhas, a procura de reconhecimento leva muitas pessoas a exporem-se e à família – muitas vezes até o pior de si ou situações embaraçosas – para obterem maior reconhecimento. Se a influencer tivesse simplesmente falado com alguém de confiança sobre a dificuldade em lidar com as birras da filha, em vez de agir sozinha e relatar os acontecimentos para uma objetiva, provavelmente teria sido ajudada e esclarecida e não teriam de passar por todo este terrível processo.

 

Outro ponto não menos importante é a forma como a instagrammer tem sido julgada na praça pública sem dó nem piedade. Se pode ser traumático para uma criança de três anos sofrer estes tipos de castigo, qual seria o resultado de ser privada de estar com a mãe, como várias pessoas vieram ‘pedir’? O que sabemos nós acerca da Joana Mascarenhas e do seu relacionamento com a filha para lá daquele curto vídeo? Será que todas as pessoas que atacaram a influencer conseguem manter a cabeça fria e agir de forma amorosa e sensata perante as birras dos filhos?

Pergunto-me como estará neste momento aquela família. A mãe atirou-se ingenuamente para a boca do lobo e o animal não teve piedade. Atacou-a com todas as armas que tinha. Se por um lado é louvável e reconfortante a sociedade mostrar-se preocupada e solidária com a criança, por outro é assustador ver como a mãe foi hostilizada na praça pública. Como é assustador que, embora tenha apagado os seus testemunhos das redes sociais (talvez por se ter apercebido do que fez e se ter arrependido), eles já se tivessem espalhado descontroladamente como um vírus, e já não haja forma de os eliminar. Não são só os castigos infligidos que são graves, não sei até que ponto alguns comportamentos menos adequados não são precipitados para poderem ser partilhados nas redes sociais. E depois disso a opinião pública pode ser muito cruel e incontrolável.

 

Psicóloga na ClinicaLab Rita de Botton

filipachasqueira@gmail.com