Há “pressa no ar” na “casa comum em que viveremos a JMJ”, mas Lisboa acolhe de “coração inteiro”

Na homilia da Missa de Acolhimento da JMJ, esta terça-feira, D. Manuel Clemente celebrou a “amplitude ecuménica, inter-religiosa e de boa vontade que estes dias têm e congregam”.

"Caríssimos amigos aqui chegados do mundo inteiro para a Jornada Mundial da Juventude Lisboa/2023, bem-vindos todos! Bem-vindos também na amplitude ecuménica, inter-religiosa e de boa vontade que estes dias têm e congregam. Desejo que vos sintais 'em casa', nesta casa comum em que viveremos a Jornada Mundial. Bem-vindos!", começou por declarar D. Manuel Clemente na homilia da Missa de Acolhimento da JMJ, esta terça-feira. "A Missa que celebramos, na expetativa da chegada do nosso querido Papa Francisco, é a da Visitação de Nossa Senhora, lema geral da Jornada: Maria levantou-se e partiu apressadamente ao encontro de Isabel. É um passo evangélico que nos inclui também".

"Ouvimo-lo há pouco: 'Naqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se apressadamente para a montanha, em direção a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel'. Pôs se a caminho, dirigiu-se apressadamente para a montanha, entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. Três pontos em que me deterei brevemente, nesta palavra inaugural. Maria pôs-se a caminho. Um caminho difícil e sem os meios de transporte de que hoje dispomos. E era uma jovem como vós, que há pouco concebera Jesus, do modo único que o Evangelho relata", continuou, explicando: "Também vós vos pusestes a caminho. Foi para muitos um caminho difícil pela distância, as ligações e os custos que a viagem envolveu. Foi preciso juntar recursos, desenvolver atividades para os obter e contar com solidariedades que graças a Deus não faltaram".

"De longe ou mais perto, pusestes-vos a caminho. É muito importante pôr-se a caminho. Assim devemos encarar a própria vida, como caminho a percorrer, fazendo de cada dia uma nova etapa. É verdade que hoje muita coisa vos pode deter, caros amigos, com a possibilidade de substituirmos a realidade verdadeira, que só se atinge a caminho dos outros, como realmente são, pela aparência virtual dum mundo à escolha. Um mundo à escolha, diante dum ecrã e dependente dum clique que o mude por outro", adiantou o cardeal que pôs o lugar à disposição há um ano, numa audiência no Vaticano. "A virtualidade mantém-nos sentados, diante de meios que facilmente nos usam quando julgamos usá-los. Bem pelo contrário, a realidade consistente põe-nos a caminho, ao encontro dos outros e do mundo como ele é, tanto para o admirar como para o fazer melhor".

"Agradecemos aos media a possibilidade de nos conhecermos mais, a nós aos outros e ao mundo. Vivemos mediaticamente e já não saberíamos viver doutro modo. Contamos com o seu apoio, mas não nos dispensamos de caminhar por nós mesmos, de contactar e verificar diretamente a realidade que nos toca, a nós e a todos.   Valeu a pena o caminho que percorrestes para chegar aqui e vos encontrardes nestes dias, na variedade do que sois e na qualidade que trazeis, cada um e cada uma, de cada terra, língua e cultura. Nada pode substituir este caminho pessoal e de grupo, ao encontro do caminho de todos", adiantou, sendo que segundo informações apuradas pelo Nascer do SOL, houve um encontro para discutir os então recentes casos de abusos sexuais envolvendo padres e o suposto encobrimento por parte da hierarquia da Igreja Católica, incluindo o Cardeal D. Manuel Clemente. Durante a reunião, também foi abordada a possibilidade de o Cardeal continuar ou não no seu cargo, sendo que ele se mostrou disposto a sair se o Papa assim o decidir. No entanto, reiterou que as decisões que tomou, juntamente com D. José Policarpo, foram em conformidade com as diretrizes da Igreja.

O Papa Francisco teria pedido a D. Manuel Clemente que permaneça no cargo até agora, desde que a sua saúde o permita. Uma fonte próxima do patriarca afirmou que ele está profundamente triste e incomodado com o julgamento público ao qual tem sido submetido, passando de admirado a criticado após 50 anos de serviço à Igreja. Surgiram discussões sobre a possibilidade de criar a posição de patriarca-adjunto, especialmente em relação ao estado de saúde de D. Manuel Clemente. No entanto, essa ideia foi aparentemente descartada. Quando questionado pelo jornal Nascer do SOL sobre a renúncia apresentada ao Papa e a decisão tomada, o Patriarcado de Lisboa não forneceu uma resposta até ao fecho do jornal, no início de agosto do ano passado. Em vez disso, emitiu um comunicado informando que D. Manuel Clemente foi recebido pelo Papa Francisco numa audiência privada. O comunicado destacou que o encontro, solicitado pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa, ocorreu num ambiente de comunhão fraterna e diálogo transparente, abordando os acontecimentos das então últimas semanas que afetaram a vida da Igreja em Portugal. No entanto, os detalhes específicos sobre a renúncia e a decisão não foram divulgados no comunicado.

"Maria levava já no seu ventre o 'bendito fruto' que era Jesus. Os cristãos levam-no também, espiritual mas realmente, porque o recebem na palavra, nos sacramentos e na caridade onde Ele se oferece. E como acreditamos em Jesus como caminho para Deus, caminhamos com Ele para O levar aos outros. No mesmo impulso que levava Maria, no mesmo Espírito que nos leva a nós. A caminho! Maria dirigiu-se apressadamente para a montanha, como ouvimos também. Não é por acaso que o texto fala da pressa de Maria, como noutros passos evangélicos se fala da urgência do anúncio, do testemunho e da visitação permanente aos outros, como havemos de fazer", disse D. Manuel Clemente ao entardecer desta terça-feira. "Caros jovens, sabeis muito bem que quando o coração está cheio rapidamente transborda. Como é impossível sufocar o que vos vai alma, quando é realmente forte e mobilizador".

"Maria levava consigo o próprio Jesus que concebera. E Jesus é 'Deus connosco', para ser Deus com todos. Daí a pressa de O levar a Isabel, mesmo subindo montanhas. Vós conheceis esta 'pressa', porque também outros se apressaram a vir ao vosso encontro para vos levar Jesus e tudo quanto Ele vos oferece de horizontes largos e vida em abundância. Nem precisais de perceber sempre as palavras, como acontece agora, entre tantas línguas aqui reunidas. Porque os próprios olhos falam e vos sentis seguros e confiantes, na atmosfera cristã que em conjunto criais e nos gestos simples com que comunicais. Há verdadeiramente uma 'pressa no ar', que circula entre vós e onde chegareis nestes dias. Um ar em que o próprio Espirito divino circula, com a prontidão que só Deus tem e comunica", apontou D. Manuel Clemente, que organizou um almoço de despedida do cargo de cardeal patriarca, que se realizou em Óbidos no dia 17 de julho, e para o qual convidou os padres da diocese de Lisboa.

Recorde-se que D. Manuel Clemente anunciou em abril que iria deixar o cargo de cardeal patriarca, após ter estado dez anos à frente do Patriarcado de Lisboa, por limite de idade. O cardeal fez 75 anos no domingo, dia 16 de julho. "Quando disse ao Papa Francisco que era este precisamente o lema da nossa Jornada – Maria dirigiu-se apressadamente… – ele logo acrescentou que sim, apressadamente mas não ansiosamente. Na verdade, a ânsia é do que ainda não temos e pretendemos inquietos. A pressa é diferente, é partilhar o que já nos leva. Por isso é uma urgência serena e sem atropelo. Como aqui chegastes e como aqui estareis, levando aos outros o que vos traz a vós", indicou, rematando: "Lembro a propósito um trecho dos primeiros cristãos, mesmo numa sociedade que demorava em entendê-los: 'no íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça; com mansidão e respeito, mantendo limpa a consciência…' (1 Pe 3, 15-16). "Assim estareis vós, nesta pressa sem ansiedade, como quem partilha o que vai tendo. O que vos trouxe aqui e levareis acrescentado pela graça destes dias!".

"Finalmente, dizia o texto que Maria entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. Caros amigos, assim também vós chegareis uns aos outros, com verdadeira e alegre saudação. O Evangelho conta-nos a alegria daquele encontro de Maria com Isabel e do reconhecimento mútuo em que ocorreu. A saudação de Maria foi tal que suscitou na sua parente a exclamação que tantas vezes repetimos: 'Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!' E às palavras de Isabel correspondeu Maria com um dos hinos mais belos que cantamos desde então, o Magnificat", partilho. "É muito importante que seja assim convosco e com todos. Na verdade, cada encontro que tivermos deve ser inaugurado com verdadeira saudação, em que troquemos entre nós palavras de acolhimento sincero e plena partilha".

A decisão sobre o novo patriarca de Lisboa já foi tomada, e espera-se que o anúncio oficial seja feito pelo Vaticano em breve. O Nascer do SOL apurou que alguns dos nomes considerados favoritos para assumir o cargo não foram selecionados, incluindo D. Américo Aguiar, bispo auxiliar de Lisboa e responsável pela organização da Jornada Mundial da Juventude, além de D. Virgílio do Nascimento Antunes, da diocese de Coimbra, e D. Francisco José Villas-Boas Faria Coelho, arcebispo da arquidiocese de Évora. Estes três nomes eram os mais mencionados no meio eclesiástico, mas fontes próximas do Vaticano afirmam que o Papa optou por uma escolha mais consensual. Todavia, na Igreja, as coisas nem sempre são claras até que haja uma decisão oficial, e outros líderes eclesiásticos não confirmam com certeza se esses três nomes foram realmente descartados. O processo de seleção para cargos importantes na Igreja muitas vezes é marcado por discrição, e o anúncio oficial será aguardado para confirmar quem será o novo patriarca de Lisboa.

"Lisboa acolhe-vos de coração inteiro, e assim as outras terras em que já estivestes ou estareis deste Portugal, também vosso. Acolhem-vos as famílias e as instituições que disponibilizaram os seus espaços e o seu serviço. Agradecendo a todas elas, entrevejo em cada uma a casa de Isabel, que acolheu Maria e o Jesus que lhe trazia!", começou por finalizar D. Manuel Clemente. "Falta muito disto mesmo no mundo em que estamos, quando nem damos bem pelos outros, nem reparamos como devemos naqueles que encontramos. Aprendamos com Maria a saudar a todos e cada um. Pratiquemo-lo intensamente nos dias desta Jornada Mundial da Juventude. O mundo novo começa na novidade de cada encontro e na sinceridade da saudação que trocarmos. Para que sejamos pessoas entre pessoas, em mútua e constante visitação! – Desejo-vos a todos uma feliz e estimulante Jornada Mundial da Juventude!".