por Mário Assis Ferreira
Há o Silêncio e há a Música. Dois extremos do absoluto, duas faces da perfeição.
E depois há os sons: sons que são ruídos, por vezes convertidos em palavras e palavras que são sons, não raro diluídos em ruídos.
Quando os sons se sublimam, emerge a Música: tão absoluta na expressão da sua presença, quanto o Silêncio na intangibilidade da sua ausência.
Dizia Aldous Huxley que «depois do Silêncio o que nos permite expressar o inexpressável é a Música».
Nem sempre, aliás, pois que na infinitude de expressões musicais, só nelas consigo identificar dois géneros: a boa e a má música.
E se o absoluto da boa música fosse passível de relativização, não hesitaria em eleger a voz de Tony Bennett como seu expoente máximo!
Trouxe-o três vezes a Portugal para outros tantos memoráveis concertos no Casino Estoril.
Surpreendeu-me logo no primeiro encontro: ele, um ‘monstro sagrado’ do music-hall internacional, dono daquele inimitável swing, bafejado por aquela voz que Frank Sinatra confessou ser melhor que a dele próprio era, afinal, um homem simples, sem complexos de vedetismo, sem manifestações de excentricidade.
Foi, digamos, uma amizade à primeira vista, inspirada numa recíproca empatia, alimentada em infindáveis conversas sobre música…
Tony não era apreciador de sofisticada gastronomia e adorava tascas, especialmente o ‘Pereira’, onde almoçámos várias vezes e eu espreitava o fugaz brilho dos seus olhos ao degustar sardinhas assadas regadas com azeite virgem.
Um dia, na sua última vinda ao Casino Estoril, telefonou-me a meio da tarde sugerindo tomarmos uma bebida na ampla suite que lhe havíamos reservado no Hotel Estoril-Sol.
Acedi sem hesitar e encontrei-o na panorâmica varanda da sua suite, cavalete montado, a pintar um quadro a óleo e deslumbrado pela paisagem da baía de Cascais.
Mas deslumbrado fiquei eu ao descobrir no rigor do seu traço, na plasticidade das camadas de tinta, na harmonia cromática esse quadro, aquela génese criativa, qual fulgor vizinho ao êxtase, de um grande Artista plástico!
Face aos meus comentários apreciativos, esquecemo-nos de falar de música e o resto da conversa esgotou-se nas artes plásticas de que Tony Bennett era profundo conhecedor.
Ao despedir-se, no dia seguinte, deixou-me um desenho em carvão que reproduzia esse mesmo quadro e uma generosa carta a exprimir gratidão…
Fiquei com o seu telemóvel de New York e o convite para, um dia em que lá passasse, irmos ao “Blue Note” e ouvirmos boa música.
Não chegou a acontecer e lamento, ainda hoje, a oportunidade perdida…
Cumpriu-se o destino, Tony Bennett partiu, da Voz fez-se o Silêncio.
O mundo perdeu um Génio, a Música esvaiu-se em Sonho…
Que o Silêncio nos desperte desse Sonho e deixe espaço à memória.
Pois que Tony Bennett apenas deixou de Estar…
Para mim, para a Música, ele continuará a Ser!
Arrivederci, Tony!