Na obra A fábula das Abelhas, ou Vícios Privados, Benefícios Públicos, Bernard de Mandeville defendeu, no século XVIII, que as virtudes morais são hipocrisias a que os seres humanos recorrem pelo desejo de se mostrarem superiores, e os vícios privados são benefícios públicos, pela prosperidade que geram. A realidade portuguesa tem mostrado muitas declinações da perversa teoria.
Na versão mais recente, o artista que dá pelo nome de Bordalo II, estendeu um tapete feito de notas falsas de 500 euros em protesto pelos ‘milhões de euros de dinheiro público’ usados ‘para patrocinar a tour da ‘Multinacional Italian’. ‘Habemus Pasta’. Onde outros viram humor, só consigo encontrar mau gosto.
Karma, soube-se depois que a Mundofrenético, lda, empresa de que o artista é dono, é beneficiária recorrente da infinita bondade do Estado, com 27 contratos e 708,8 mil euros na carteira resultantes de ajustes diretos com entidades públicas, incluindo 15 municípios, a empresas municipais, universidades e outros. Bem que prega Frei Tomás.
Dito isto, há que sublinhar algumas diferenças. Além da antiguidade bimilenar e do legado inigualável da Igreja, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é um evento universal que trouxe a Portugal perto de um milhão de jovens centrados em Cristo, a par de um imenso retorno financeiro, que deveria ser relevado mesmo por agnósticos, ateus e ‘mata-frades’. Já o jovem Bordalo II, apesar do talento para enriquecer à conta do erário público, será reconhecido por uma ínfima parcela dos portugueses apenas e sem nota pública de clubes de fãs. Nessa medida, para lá da manifestação evangelizadora, onde a JMJ traz muito lucro, o Bordalo II significa pouco mais do que despesa.
Aliás, não há como não citar o impacto global da JMJ, estimado entre 411 e 564 milhões de Euros em termos de Valor Acrescentado Bruto e entre 811 e 1100 milhões de Euros, em termos de Produção, avançado num estudo da PwC Portugal, com o apoio técnico do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Não é coisa pouca. Acresce a impressionante reconversão de zonas ribeirinhas antes degradadas, que ficarão disponíveis, com vantagem de todos.
Para o que importa, a presença do Santo Padre em Portugal, é um acontecimento maior que ficará para a história. Confirmando-o, a intervenção de chegada no CCB, em Belém, foi simplesmente notável.
Com lucidez incomum e simpatia por Portugal, o Papa Francisco discorreu sobre a importância do Mar, o papel da Europa no mundo, a atualidade dos valores humanistas, a urgência da paz, a crise demográfica, mas também a necessidade de defesa da vida humana, criticando o aborto e a eutanásia. No final foi aplaudido de pé, longamente, mesmo por aqueles que na Assembleia da República legislaram no sentido exatamente oposto ao da mensagem transmitida. O facto, a propósito da natureza humana e do pragmatismo cínico de Bernard de Mandeville, também não deixa de ser tristemente assinalável.