Caso BES. Ricardo Salgado responde por 65 crimes

A decisão instrutória foi conhecida nove anos após a queda do BES. O ex-banqueiro, de 79 anos e diagnosticado com a doença de Alzheimer, vai sentar-se no banco dos réus.

O juiz Pedro Santos Correia anunciou na tarde desta segunda-feira que os 25 arguidos do caso BES/GES, incluindo o antigo banqueiro Ricardo Salgado, serão levados a julgamento. Ricardo Salgado está a enfrentar acusações de 65 crimes, que incluem corrupção, burla qualificada, associação criminosa, falsificação de documento, branqueamento e manipulação de mercado.

A decisão de levar o caso a julgamento foi recebida pelos lesados do BES, que se manifestavam à porta do Tribunal de Justiça, com aplausos, após nove anos sobre a queda do banco. É importante mencionar que Ricardo Salgado não estava presente na leitura da decisão, mas o seu advogado, Francisco Proença de Carvalho, mais uma vez enfatizou a necessidade de novos exames que comprovem o diagnóstico de Alzheimer alegado pelo ex-banqueiro.

No início de maio, o tribunal que está com a instrução do caso BES/GES voltou a rejeitar o pedido de perícia médica a Ricardo Salgado, alegando que não há qualquer inconstitucionalidade.  Na sequência da interrupção da sessão do debate instrutório do processo BES/GES, que decorria no tribunal de Monsanto, em Lisboa, o juiz Pedro Santos Correia anunciou que estava indeferida a realização da perícia médica, uma vez que «inexiste qualquer inconstitucionalidade na decisão».

Recorde-se que este não é o primeiro requerimento da defesa do ex-banqueiro para a realização de uma perícia neurológica devido ao diagnóstico de doença de Alzheimer, tendo também os outros pedidos sido indeferidos por vários juízes. Neste requerimento, o advogado Adriano Squilacce leu alguns pontos que constavam do relatório de saúde de Ricardo Salgado, emitido pelo neurologista Joaquim Ferreira, onde se evidenciava um agravamento da doença, o que, alegadamente, o impossibilita de exercer o seu direito de defesa no debate instrutório.

«Tem sido documentado pelos vários profissionais de saúde que o acompanham um agravamento significativo do seu estado de saúde global, nomeadamente agravamento da memória e outras funções cognitivas, alteração do comportamento, alteração da marcha e desequilíbrio», referiu a defesa de Salgado, que citou também a «perda progressiva de autonomia para a realização de atividades básicas da vida diária».

Em março, por exemplo, segundo o despacho citado pela agência Lusa, o juiz Pedro Correia indeferiu o requerimento da defesa do antigo presidente do Grupo Espírito Santo (GES), justificando que «não se vê como o resultado de perícia realizada nos termos requeridos poderia ser essencial à decisão a proferir nesta fase processual». O magistrado considerou que os argumentos apresentados pelo advogado de Ricardo Salgado, que defendem o arquivamento do caso após a confirmação do diagnóstico de Alzheimer numa nova perícia médica, não têm base legal para sustentação. O magistrado pareceu rejeitar a ideia de que o diagnóstico de Alzheimer de Ricardo Salgado é suficiente para encerrar o processo ou arquivar as acusações contra ele, e decidiu prosseguir com o julgamento com base nas acusações e evidências existentes.

O juiz Pedro Correia destacou que a condição clínica do arguido pode ser relevante numa eventual fase de julgamento, pois pode influenciar a determinação da pena ou a necessidade de aplicação de medidas de segurança. No entanto, o juiz enfatizou que essa condição médica não foi alegada como causa de anomalia psíquica na época dos acontecimentos que são objeto do processo.

Consequentemente, o juiz decidiu dispensar Ricardo Salgado da audiência de 21 de março, que teria como objetivo o interrogatório do ex-banqueiro. A defesa de Ricardo Salgado havia apresentado um requerimento alegando que o diagnóstico de Alzheimer estava cientificamente comprovado por documentos incluídos no processo e que, portanto, o ex-banqueiro não era capaz de conduzir a sua própria defesa, sendo que solicitaram a realização de uma perícia médica com a intenção de encerrar o processo em relação ao antigo líder do GES/BES.

Importa igualmente referir que o ex-banqueiro foi admitido num ensaio clínico internacional para doentes de Alzheimer, como foi noticiado no início de março. O objetivo dos investigadores é avaliar o benefício de um medicamento experimental, escreveu o Correio da Manhã, que, alegadamente, Salgado já toma.

Recorde-se que, em março de 2022, Salgado foi condenado a seis anos de prisão efetiva no julgamento do processo separado na Operação Marquês, por ter desviado 11 milhões de euros do Grupo Espírito Santo (GES). A leitura do acórdão decorreu no Juízo Central Criminal de Lisboa, à qual o antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) não esteve presente. «O doutor Ricardo Salgado foi dispensado do tribunal, não estará presente», disse o advogado Francisco Proença de Carvalho, antes de entrar no tribunal, no Campus de Justiça, em Lisboa.

No local, Francisco Proença de Carvalho foi interpelado por um pequeno grupo de lesados do BES, liderado pelo habitual porta-voz Jorge Novo, que questionou o advogado sobre a confirmação da provisão nas contas do BES para pagar aos lesados, pedindo ainda uma confirmação escrita. A decisão do coletivo, presidido pelo juiz Francisco Henriques, surgiu à décima sessão do julgamento, passados quase oito meses após o início, em 6 de julho de 2021.

O juiz decidiu manter as medidas de coação de termo de identidade e residência (TIR) e entrega do passaporte, o que significa que Ricardo Salgado não teve a possibilidade de se ausentar do país sem o comunicar às autoridades. Francisco Proença de Carvalho revelou que vai recorrer da sentença. «Não podemos concordar com esta condenação. Uma condenação a pena efetiva de alguém que sofre de Alzheimer não é aceitável, do ponto de vista da lei e da dignidade humana», sublinhou o advogado de Salgado. O Ministério Público (MP) tinha pedido para Salgado uma pena não inferior a 10 anos de prisão por três crimes de abuso de confiança. Já a defesa exigiu a absolvição, realçando a idade avançada (então 77 anos) do cliente.

Inicialmente, o ex-banqueiro esteva acusado de 21 crimes no processo Operação Marquês, mas, na decisão instrutória proferida em 9 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa deixou cair quase toda a acusação que era imputada ao arguido. Ricardo Salgado acabou por ser pronunciado por apenas três crimes de abuso de confiança, devido às transferências de mais de 10 milhões de euros, para um julgamento que decorreu em separado do processo Operação Marquês.

É de lembrar também que, em junho de 2019, soube-se que Ricardo Salgado e António Ricciardi estão entre os lesados do BES, exigindo 9,98 milhões de euros e 2,46 milhões de euros, respetivamente. Segundo o Correio da Manhã, são cinco os membros da família Espírito Santos entre os lesados do BES e que exigem créditos num valor total superior a 16,8 milhões de euros: Ricardo Salgado, António Ricciardi, Manuel Fernando Espírito Santo, Ricardo Abecassis Espírito Santo e Pedro Mosqueira Amaral.

De acordo com o mesmo jornal, também Rui Nabeiro (entretanto falecido), da Delta Cafés, Rui Vilar, ex-ministro, e o gestor António Castro Henriques integram a lista de credores do BES divulgada na última sexta-feira. Enquanto Nabeiro reclamava 5800 euros e Rui Vilar 6300 euros, Castro Henriques reclamava um valor superior a 200 mil euros (239.000). Já na família Espírito Santo, Manuel Fernado Espírito Santo exigia 2,54 milhões de euros, Ricardo Abecassis  1,42 milhões de euros e Pedro Mosqueira do Amaral pouco mais de 433 mil euros – tanto estes membros da família como Ricardo Salgado integram o grupo de ex-administradores do BES que foi acusado pela comissão liquidatária de ter culpa na queda da instituição.

O Jornal de Negócios já havia avançado que à exceção de um, José Manuel Espírito Santo, todos os gestores acusados da queda do BES reclamaram créditos à comissão liquidatária num total de 24,3 milhões de euros. Morais Pires reclama um crédito de 5,64 milhões de euros. Joaquim Goes, António Souto, Stanislas Ribes, Jorge Martins, João Freixa e Rui Silveira reclamam menos de um milhão de euros cada um.