Oppenheimer

A sua alegada ligação ao comunismo e uma vingança de terceiros fizeram dele uma vítima da ‘caça às bruxas’ do senador Joseph McCarthy. Quanto à forma como o Projeto Manhattan é apresentado e dadas a complexidade e as dimensões gigantescas que o caraterizaram, pode dizer-se que Nolan selecionou adequadamente os aspetos passíveis de passarem para…

por João Paulo André
Químico

Foi na minha licenciatura, na cadeira de Química Quântica, que me deparei pela primeira vez com o nome do célebre físico teórico norte-americano, na chamada aproximação de Born-Oppenheimer. No entanto, Oppenheimer é sobretudo conhecido como o ‘pai da bomba atómica’, ideia que o biopic de Christopher Nolan, em exibição nos cinemas, enfatiza. É inegável, porém, que, como tema de filme, a bomba atómica é um assunto muito mais quente do que uma simplificação matemática da mecânica quântica, que é o cerne da dita aproximação. Sob o argumento de que os eletrões possuem uma massa muito inferior à dos núcleos e se adaptam, quase instantaneamente, a qualquer disposição nuclear, J. Robert Oppenheimer e o seu orientador de doutoramento, o alemão Max Born, propuseram, em 1927, que, no tratamento de sistemas poliatómicos, os movimentos dos núcleos e dos eletrões fossem considerados separadamente.

O filme de Nolan, embora focado na liderança científica de Oppenheimer do Projeto Manhattan – do qual resultaram as bombas atómicas que os EUA lançaram sobre Hiroxima e Nagasaki, em Agosto de 1945, – mostra também o percurso que o físico fizera até então, assim como os dilemas pessoais que enfrentou e os dissabores do pós-guerra. A sua alegada ligação ao comunismo e uma vingança de terceiros fizeram dele uma vítima da ‘caça às bruxas’ do senador Joseph McCarthy. Quanto à forma como o Projeto Manhattan é apresentado e dadas a complexidade e as dimensões gigantescas que o caraterizaram, pode dizer-se que Nolan selecionou adequadamente os aspetos passíveis de passarem para o grande écran. O mesmo se pode dizer das personalidades que atravessam o filme. É, de resto, emocionante o desfile de ‘cérebros’ que nos é dado ver: Albert Einstein, Niels Bohr, Werner Heisenberg, Ernst Lawrence, Enrico Fermi, Leó Szilárd, Edward Teller, …

Haverá, porventura, a omissão do nome de Lise Meitner, mas não nos podemos esquecer de que, à época, a sua contribuição para a descoberta da cisão nuclear não era oficialmente reconhecida. Otto Hahn, único laureado com o Nobel da Química de 1944 por esta descoberta, esse sim, é mencionado. No entanto, foi Meitner quem, no início de 1939, interpretou o que acontece ao átomo de urânio quando bombardeado com neutrões: não se obtêm elementos transurânicos (mais pesados do que o urânio), como se acreditava; ocorre antes a sua cisão, ou seja, divide-se em dois átomos de elementos mais leves, processo que é acompanhado da libertação de uma grande quantidade de energia. A grande física austríaca explicava, assim, os resultados experimentais de Hahn, que, sem saber como, obtivera bário e krípton a partir de urânio. Convirá referir que o único isótopo deste elemento passível de cisão é o urânio-235 (constituindo apenas 0,7% do urânio natural). A cisão é também acompanhada da libertação de neutrões (dois ou três, dependendo da fragmentação do núcleo), os quais, se tiverem velocidade adequada, podem iniciar uma reação em cadeia. É este o princípio fundamental da bomba atómica. Quanto à energia libertada, tal como Meitner bem percebera, na cisão nuclear há conservação do número de nucleões (protões + neutrões), mas ocorre uma pequena perda de massa (no caso do urânio é de cerca de um quinto da massa do protão). A massa em falta (m) é convertida em energia (E) de acordo com a famosa equação de Einstein, E = mc2. Como c (velocidade da luz) tem um valor muito elevado (quase 300 milhões de metros por segundo), a uma pequena variação de massa corresponde a libertação de uma enorme quantidade de energia.

Nolan baseou-se na obra O Prometeu Americano: Triunfo e Tragédia de J. Robert Oppenheimer (2005), de Kai Bird e Martin J. Sherwin. Ainda que encerre uma visão muito norte-americana, é interessante no título o paralelismo entre o físico e o titã grego, porquanto destaca a complexidade e as questões éticas em torno dos avanços científicos e tecnológicos com impacto significativo na humanidade. Prometeu roubou o fogo dos deuses e ofereceu-o ao Homem; Oppenheimer contribuiu para a criação das armas nucleares que colocaram fim à II Guerra Mundial. Os seus feitos têm uma natureza dupla, com potencial tanto para o bem como para o mal. Ambos ousaram desafiar limites estabelecidos; ambos penaram por isso. No momento em que Oppenheimer viu o clarão atómico da bomba veio-lhe à mente a frase do Bhagavad Gita (que ele lia em sânscrito): «Agora sou a morte, o destruidor de mundos».