“O lugar da Vista Alegre”

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,

Escrevo-te esta carta nas margens do Rio Boco. Mais precisamente a partir de uma das varandas do acolhedor “Montebelo Vista Alegre”.

Vim passar uns dias a Ílhavo. Esta terra que te é tão familiar, onde passaste férias durante longos anos e onde nasceu Mário Castrim, o amor da tua vida.

Finalmente, vim conhecer o legado deixado por José Ferreira Pinto Basto, Fundador da Vista Alegre, a primeira fábrica de porcelanas em Portugal.

Este empresário foi um visionário. Sabia que para ter um bom resultado na fábrica, tinha que dar boas condições aos trabalhadores. Construiu casas para os acolher, posto de saúde para os proteger, escolas e creches para educar os filhos dos colaboradores (e os próprios) e muito mais. 

Claro que o Teatro e a Música, para todos os operários, não foram esquecidos. São valores essenciais para o desenvolvimento da sociedade.

Tanto que os empresários atuais têm para aprender com José Ferreira Pinto Basto!

Visitei tudo. A capela da Nossa Senhora da Penha de França, que tem um túmulo barroco grandioso, o maravilhoso Museu Vista Alegre que mostra a história da fábrica e a evolução das porcelanas e muito mais.

O António Machado foi o grande anfitrião que me levou no roteiro a este local repleto de histórias do passado, com os olhos postos nas histórias que se vão escrever no futuro.

Para o ano a Vista Alegre celebra 200 anos. Convidaram-me para ser embaixador da marca, imagina a responsabilidade.

No que depender de mim irei fazer tudo o que estiver ao meu alcance para honrar e elevar este símbolo da nossa portugalidade.

Nem te pergunto se estás ao meu lado nesta missão. Sei que já falaste destas porcelanas inúmeras vezes nos teus livros.

Juntos seremos mais fortes a valorizar o que é nosso.

Agora se não te importas, vou recarregar baterias com a ajuda das terapeutas do SPA do Hotel, para ganhar forças para a próxima semana.

Bjs

 

Querido neto,

Fico muito feliz por teres ido descobrir a região de Ílhavo. Como sabes, o meu poiso foi durante anos a Costa Nova. Conhecida pelas suas vivendas à beira-ria, chamadas “palheiros”, todas de madeira às riscas de várias cores.

Mas havia uma coisa de que eu gostava acima de tudo: ir à “Bruxa”. Um café espetacular, na Gafanha da Nazaré, onde as principais iguarias chamam-se “empalhadas” (um conjunto de azeitonas, tremoços e amendoins) e “cervejão” (cerveja, vinho branco e açúcar).

Espero que tenhas visitado o Museu Marítimo de Ílhavo e o Navio – Museu Santo André. Assim ficaste a saber mais sobre a tradição local, da pesca do bacalhau.

Acho muito bem que leves a minha exposição, e a do Ruy de Carvalho, para o município de Ílhavo. Estou com muitas saudades de lá voltar.

Serás, certamente, um belíssimo embaixador da Vista Alegre!

Eu ia muito para a Costa Nova, sobretudo quando precisava de sossego para terminar um livro.

Tinha tranquilidade – mas não tinha telefone. Quando precisava de telefonar tinha de ir ao café do fim da rua. E ia lá algumas vezes porque gostava muito de falar com a minha filha, a contar-lhe como ia a história que eu estava a escrever.

Num desses dias o café estava cheio de pescadores a jogar às cartas e a berrar.

Pego no telefone, ligo para a minha filha e digo:

«Olha, é para te dizer que matei a tia! Não sabia o que fazer com ela e pronto, matei-a». Quando desliguei havia um silêncio sepulcral no café, todos a olharem para mim de boca aberta.

Antes que mandassem chamar a polícia, expliquei-lhes muito bem quem eu era e o que fazia, e que estava a falar de uma história que estava a escrever.

Eles só olhavam para mim e não pareciam nada convencidos. E se não tem chegado o dono do café, meu amigo há muitos anos, e explicou tudo outra vez, tenho a certeza de que tinha ido parar à cadeia.

Como se prova, a escrita é uma profissão muito pouco segura.

Bjs