António Costa não é D. João V – cujo reinado foi um dos mais importantes para a diplomacia portuguesa – mas conhece os coches repousados no Museu em Belém. Os coches da Embaixada ao Papa Clemente XI, em 1716, foram obra da cultura clássica elevadíssima do monarca, o qual fez desta Embaixada um ponto alto de ostentação com o fito de obter prerrogativas para a igreja portuguesa.
À semelhança de D. João V, António Costa conhece bem a importância geo-estratégica, diplomática, política e cultural das relações de Portugal com a Santa Sé e com os outros Estados europeus. A história de Portugal, estavelmente única de nove séculos, fez-se pela mão da Santa Sé e essa aliança tem sido uma constante e linha de força da nossa diplomacia.
António Costa não precisava de ser católico, como não é, para saber dos ganhos de se candidatar às Jornadas Mundiais da Juventude em Lisboa, bastava-lhe ser estadista – a juntar à muita ambição pública de ter um alto cargo europeu.
Se D. Rodrigo Annes de Sá Almeida e Meneses foi o embaixador de D. João V, o embaixador de António Costa seria Fernando Medina: o autarca de Lisboa a conduzir o magnífico cortejo que reforçaria o prestígio de Portugal na cena internacional. A derrota autárquica de Fernando Medina em 2021 roubou-lhe esse papel na história.
Quando Carlos Moedas ganhou as eleições autárquicas de 2021 de forma inesperada, e sem maioria, herdou três dossiers com nomes sonantes na lombada, porém vazios: obras do Metro, grande plano de drenagem e Jornadas Mundiais da Juventude. Qualquer um deles sozinho apresentava-se como uma grande empreitada, os três juntos em simultâneo, no tempo e no espaço, representam a santíssima Trindade do desespero autárquico.
Qualquer um dos três exige recursos financeiros avultados (que o país não tem), planeamento (em que não somos pródigos) e execução primorosa (na qual não somos exemplares). De todo o modo, as Jornadas tinham o prazo mais imediato (2023), escasso ano e meio após as eleições.
Sem capital, Portugal lançou-se na mais admirável campanha marítima das descobertas, e, ultimamente, na Expo-98 ou no Euro 2004. E, extraordinariamente, apesar de todas as limitações, o país tem sempre bem presente que a sua sobrevivência e relevância políticas dependem de diplomaticamente fazer boa figura junto dos seus aliados – ainda que para o efeito contraia empréstimos que levam séculos a pagar.
Lançados na epopeia de receber durante quase uma semana centenas de milhares de peregrinos, dois dias seguidos no coração da cidade e nos outros dois, cerca de milhão e meio de pessoas, simbolicamente junto ao Tejo, o velho rio, de onde partimos para epopeias de descobrimentos, riqueza, guerras, e morte, afirmámos, uma vez mais, o nosso lugar no mundo.
Carlos Moedas venceu apoteoticamente, António Costa assegurou o prestígio internacional do país (e a sua ambição), o povo português festejou e, quem sabe, um dia teremos de novo um Papa português… Portugal triunfou.