A ‘Jornada’ foi alegre, e então?

Esta jornada não foi assim tão diferente das demais. A grande diferença foi ter sido aqui vivida. Todos os que passaram pelas jornadas anteriores contam histórias parecidas: na envolvência, na energia positiva e nos ‘encontros’ (consigo próprios ou com o outro). 

Por Francisco Gonçalves 

Quando 1 milhão e meio de pessoas, vindas de todo o mundo, se reúnem em torno de um homem ou uma causa, não podemos ficar indiferentes. O Sumo Pontífice não tem divisões, muito menos carros blindados, mas é ele quem efetivamente lidera o ‘ocidente’ e outros que, não sendo ocidentais, professam da religião católica.

O Papa tem Povo e tem o poder da palavra. É a bússola moral do povo que o segue. Também por isso o escândalo da pedofilia na Igreja é tão chocante: não pode, quem tem aquele papel, transigir com algo tão repugnante.

Esta jornada não foi assim tão diferente das demais. A grande diferença foi ter sido aqui vivida. Todos os que passaram pelas jornadas anteriores contam histórias parecidas: na envolvência, na energia positiva e nos ‘encontros’ (consigo próprios ou com o outro). 

Todavia, há uma dimensão desta jornada, que teve lugar num continente que, como a Igreja, permanece numa ‘crise de vocação’, que devemos salientar: a aversão dos participantes aos radicalismos extremistas. Quem esteve ouviu discursos sobre inclusão, tolerância, respeito mútuo, amor e fé. São valores em grande medida estranhos aos dois lados do populismo contemporâneo – que em Portugal se manifestam no ‘Chega’ e ‘Bloco de Esquerda’.

Não foi por acaso que um dos lados da moeda meteu férias durante a jornada e o outro atirou pedras escondendo a mão. Percebe-se: um e outro são forasteiros num encontro que reúne milhões de pessoas em redor de valores moderados e equilibrados. Quando os partidos do ódio se confrontam com um movimento de massas pelo amor, evitam expor-se fazendo de morto. Claro está que a semana passou, mas eles não desapareceram. 

Se centenas de milhar de portugueses saem de casa motivados para ouvir falar de valores que à partida são universais, ou dão o seu tempo para trabalhar numa causa em que acreditam, não estamos numa crise de participação, estamos numa crise de participação política. Esta não resulta apenas da pessoa, tem origem nas lideranças, particularmente nos partidos do centro moderado – onde aquelas pessoas naturalmente se incluem!

Como a Bíblia refere, ‘no início era o verbo’. Na política tudo começa na palavra, na inspiração. É a palavra que transporta as ideias e os valores. A liderança moderna assenta na palavra e no exemplo. Quando um ou outro falham, não há liderança que resista. 

Trazer aqueles jovens para a política implica que lhes sejam oferecidos causas e exemplo. Temos tido líderes sem causa com exemplo e líderes com exemplo sem causa. 

A realização da jornada mundial da juventude pode ser o mote para trazer para a política uma mole de gente motivada a participar, ou pode ser apenas uma semana divertida, com boa energia, mas que nada efetivamente mudou no país.

Esta é uma grande oportunidade quer para abrir o centro às pessoas da jornada, quer para que estas assumam que não podem ser apenas a ‘maioria silenciosa’, que se sabe existir, mas que continua distante da política.

É o distanciamento dessa ‘maioria silenciosa’ que tem aberto o espaço às ‘minorias de bloqueio’ dos extremos. Consequentemente, há uma questão que deve ser colocada a essas pessoas: que país querem, um bloqueado pelos ódios ou um que funcione de acordo com seus valores? A sua ausência é sobretudo sua responsabilidade.

Se o centro não se abrir à sua participação, talvez tenha chegado a hora deles tomarem o centro.