Resiste e vencerás

 A Espanha é o nosso principal sócio económico, o vizinho com quem estamos condenados a entender-nos, quanto maior for a sua estabilidade e mais forte o seu progresso, tanto melhor para nós.

Por Manuel Pereira Ramos

Jornalista

Quando Camilo José Cela ganhou o Prémio Nobel da Literatura, eu e o meu querido amigo Vítor Serpa, então diretor de A Bola, fomos á sua casa nos arredores de Madrid, fazer-lhe uma entrevista que, para ambos, foi uma daquelas que nunca poderemos esquecer, inspirado e simpático o laureado contou-nos curiosos episódios da sua vida, um deles os jogos de futebol que, quando era jovem, disputava na sua terra galega tão pegada a Portugal que, quando a bola a saía do campo, ele tinha que pedir autorização aos guardas para atravessar a fronteira para a poder recuperar. Foram duas horas fantásticas passadas com um escritor que, com um fino sentido do humor, usava com frequência uma linguagem picante mas cheia de graça que nem aos ouvidos mais castos ofendia. Célebre ficou o episódio por ele vivido numa reunião da comissão que elaborava a nova Constituição e de que ele fazia parte, quando passava pelas brasas, um colega chamou-lhe a atenção dando-se então o jocoso diálogo: «Don Camilo, está dormido» «No estoy dormido, estoy dormiendo» «Pero és igual» Está equivocado, no és lo mismo estar jodido que estar jodiendo”.

 

Uma frase que ficou para a história foi a que Cela pronunciou no discurso que proferiu na cerimónia em que foi distinguido com o Prémio Príncipe de Astúrias: «Em Espanha o que resiste, ganha», palavras com as que pretendia advertir ao então Príncipe Felipe, que presidia a cerimónia, que devia estar preparado para resistir aos ataques e rasteiras que, sem dúvida, o esperavam no caminho tanto antes de alcançar a Coroa como depois durante o seu reinado. Vem isto a propósito das recentes eleições legislativas realizadas no pais vizinho e nas que Pedro Sánchez voltou a fazer uso dos princípios inscritos no seu ‘Manuel de Resistência’ que aplica desde que, após de ter sido expulso, logrou regressar ao PSOE, para exercer com mão de ferro uma liderança que poucos se atrevem a questionar e muito menos depois do sucedido neste ato eleitoral no que, mesmo perdendo, logrou evitar que o grande perdedor, Vox, passasse a ter um papel determinante na politica nacional e que a ultra direita visse aumentada a sua influencia europeia e conseguiu vencer aos que se preparavam para enterrar o ‘sanchismo’, deixar de rastos aos socialistas e darem inicio a uma nova etapa politica comandada pela direita. Sánchez terá os seus defeitos, que os tem, mas é, indiscutivelmente, um animal politico que nunca se rende, com a esquerda desmotivada como consequência da estrondosa escorregadela nas eleições territoriais de maio e com o mau inicio da campanha eleitoral marcado pela derrota no frente a frente com Feijóo, foi ele quem logrou levantar o ânimo dos abatidos eleitores, fazer-lhes acreditar que nem tudo estava perdido e que era possível escapar ao que parecia inevitável, um exercício de fé que acabou por dar o resultado em que só ele e poucos mais confiavam que se poderia alcançar. 

 

Pedro Sánchez contou com a solidariedade dum grupo de mais de 45 personalidades políticas como António Costa, Olaf Scholz, Lula da Silva, George Brown ou Jacques Delors que assinaram um manifesto afirmando-lhe o seu apoio ao mesmo tempo que declaravam a sua preocupação pelo «risco real de retrocesso que representam as políticas conservadoras». A favor de Sánchez jogaram, também, os erros cometidos por Feijóo que, talvez mal aconselhado , esbanjou em menos de dois meses, a confortável vantagem conseguida nas eleições autárquicas e que, logrando conservá-la, deveria ser mais que suficiente para vir a assumir o poder no governo central. O presidente do Partido Popular meteu a pata na poça quando, numa entrevista na TVE garantiu que, estando no governo, o PP sempre atualizou os montantes das reformas de acordo com a inflação, afirmação rebatida pela jornalista que lhe demonstrou que era falsa, equivocou-se ao não ir ao segundo debate com Sánchez e, sobretudo, deixou que, com os acordos com Vox, o seu partido se visse contaminado pela extrema direita e prejudicado pelo chamado voto do medo.

 

Agora abre-se um período de incerteza com os dois principais candidatos a primeiro ministro, Pedro Sánchez e Nuñez Feijóo, a procurar conseguir os apoios parlamentares que lhes permita apresentar uma candidatura de êxito, algo que parece estar mais alcance do líder socialista que já tem assegurado o apoio de Sumar, está perto de conseguir o dos seus aliados da anterior legislatura faltando-lhe que Junts, o partido do separatista Carlos Puigdemont, pelo menos não vote contra. No lado contrário, o da direita, a panorama é desolador, todos as adesões, incluindo a de Vox que ainda não está decidida, serão insuficientes mas, mesmo assim, Feijóo não desiste e acha que a sua obrigação é apresentar-se na investidura mesmo sabendo estar condenado ao fracasso. Como solução de desespero pedirá a Sánchez que o deixe governar por ter sido o mais votado mas ele próprio enterrou essa possibilidade quando, há semanas atrás, na Extremadura, impediu de ser presidente ao socialista Guillermo Vara que ganhou as eleições mas sem maioria absoluta, colocando no poder ao Partido Popular e a Vox. No dia 17 de agosto constitui-se o novo parlamento, o Rei iniciará, então, um período de consultas e decidirá a quem encarrega a formação do novo governo, decisão difícil sobretudo se nenhum dos dois principais aspirantes for capaz de apresentar uma candidatura com apoios sólidos que convença o Monarca. Se tudo fracassar haverá novas eleições no Natal até porque, a grande alternativa e a que melhor serviria para estabilidade política do país, a da coligação dos dois grandes partidos PP e PSOE, não passa dum bonito sonho de Verão, Mariano Rajoy já tentou essa solução em 2016, mas com o famoso «não é não» de Pedro Sánchez esfumaram-se as possibilidades dum amplo entendimento, tudo foi por água abaixo e não nada que abra a esperança que, desta vez, tudo seja diferente. A Espanha é o nosso principal sócio económico, o vizinho com quem estamos condenados a entender-nos, quanto maior for a sua estabilidade e mais forte o seu progresso, tanto melhor para nós.