As acusações a Trump e o ‘Durham report’

Apesar de ter concluído que houve manipulação do FBI com objetivos políticos, numa investigação a falsas ligações da campanha de Trump à Rússia, Durham não formulou acusações contra nenhum membro do FBI, alegando dificuldade de prova.

Por Luís Ribeiro, Especialista em relações internacionais

Na altura em que o ex-Presidente Donald Trump está a ser duplamente acusado pelo Special Counsel  Jack Smith, desta vez por tentar reverter os resultados da eleição de 2020 e pelas suas ações no contexto do assalto ao capitólio em 6 de janeiro desse ano, vale a pena relembrar o relatório de 316 páginas do Special Counsel John H. Durham «on Matters Related to Intelligence Activities and Investigations Arising Out of the 2016 Presidential Campaigns», tornado público a 12 de maio de 2023, na sequência de uma investigação de aproximadamente dois anos e meio.

O relatório menciona que os responsáveis do FBI «expressaram um preconceito muito claro contra Trump»1  (p. 48, §1), citando, entre várias outras considerações, um diálogo comprometedor entre altos responsáveis do FBI:

«August 8, 2016:

Page: [Trump’s] not going to become president, right? Right?!

Strzok: No. No, he’s not. We’ll stop it». (p. 50, §2)

Este viés resultou numa predisposição para investigar o candidato republicano, abrindo uma «investigação completa de contra-espionagem para determinar se indivíduo(s) associado(s) à campanha de Trump [estavam] cientes de/ou a coordenar atividades com o governo da Rússia … [embora com] falta de informações de intelligence que apoiassem a premissa» 2.  (p. 54, ult. §).  Esta investigação foi apelidada de ‘Crossfire Hurricane’.

Com efeito, «como os registos agora refletem, no momento da abertura do Crossfire Hurricane, o FBI não possuía nenhuma informação demonstrando que alguém associado à campanha de Trump esteve em contacto com oficiais de informação russos em qualquer altura durante a campanha»3.  (p.59, § 2).

1)“Express[ed] a very clear prejudice against Trump”

2) “full counterintelligence investigation to determine whether individual(s) associated with the Trump campaign [were] witting of and/or coordinating activities with the Government of Russia” … [although with] lack of intelligence information supporting the premise”

3) “as the record now reflects, at the time of the opening of Crossfire Hurricane, the FBI did not possess any intelligence showing that anyone associated with the Trump campaign was in contact with Russian intelligence officers at any point during the campaign”.

De acordo com o relatório: «No final de julho de 2016, agências dos EUA obtiveram informações sobre análises de intelligence russas, alegando que a candidata presidencial dos EUA, Hillary Clinton, havia aprovado um plano de campanha destinado a provocar um escândalo contra o candidato presidencial dos EUA, Donald Trump, ligando-o a Putin e aos hackers russos do Comitê Nacional do Partido Democrata»4. E acrescenta: «Essa intelligence…  era indiscutivelmente altamente relevante e ilibatória, porque podia ser lida num contexto mais completo e em combinação com outros factos, para sugerir que os materiais … [obtidos contra a campanha de Trump] … faziam parte de um esforço político para difamar um oponente político e usar os recursos das agências de law enforcement e de intelligence do governo federal para apoiar um objetivo político» 5 (p. 82, §2).

Durham conclui que:

– «A … inspeção de determinadas comunicações … fornece algum apoio para a noção de que a campanha de Clinton esteve envolvida, no final de julho de 2016, num esforço ou plano para encorajar o escrutínio dos laços potenciais de Trump com a Rússia, e que a campanha poderia ter desejado ou esperado que agências de law enforcement ou de intelligence a ajudassem nesse esforço, concluindo, em parte, que os russos foram os responsáveis pelo hack»6. (p. 90, § 3);

– «O FBI, portanto, falhou em agir sobre o que deveria ter sido – quando combinado com outros fatos incontroversos – um claro sinal de alerta de que o próprio FBI poderia vir a ser alvo de um esforço para manipular ou influenciar o processo de aplicação da lei para fins políticos durante a eleição presidencial de 2016»7. (p. 97, § 3);

– «Os investigadores do [FBI] repetidamente ignoraram ou afastaram provas contrárias à teoria de que a campanha de Trump… tinha conspirado com a Rússia… Parece…ter havido um padrão na assunção de intenções nefastas»8.(p 305, ult. §);

– «Uma avaliação objetiva e honesta dessas linhas de informação deveria ter levado o FBI a questionar, não apenas os fundamentos do ‘Crossfire Hurricane’, mas também a refletir sobre se o FBI não estaria a ser manipulado para fins políticos ou outros. Infelizmente não foi feita»9.  (p 305, ult. §).

4) “In late July 2016, U.S. intelligence agencies obtained insight into Russian intelligence analysis alleging that U.S. Presidential candidate Hillary Clinton had approved a campaign plan to stir up a scandal against U.S. Presidential candidate Donald Trump by tying him to Putin and the Russians’ hacking of the Democratic National Committee”

5) “this intelligence – taken at face value – was arguably highly relevant and exculpatory because it could be read in fuller context, and in combination with other facts, to suggest that materials… [obtained against Trump campaign]… were part of a political effort to smear a political opponent and to use the resources of the federal government’s law enforcement and intelligence agencies in support of a political objective”

6) “The … review of certain communications … arguably provide some support for the notion that the Clinton campaign was engaged in an effort or plan in late July 2016 to encourage scrutiny of Trump’s potential ties to Russia, and that the campaign might have wanted or expected law enforcement or other agencies to aid that effort, in part, by concluding that the Russians were responsible for the hack.”

7) “The FBI thus failed to act on what should have been – when combined with other, incontrovertible facts – a clear warning sign that the FBI might then be the target of an effort to manipulate or influence the law enforcement process for political purposes during the 2016 presidential election”

8) “the [FBI] investigators “repeatedly ignore[d] or explain[ed] away evidence contrary to the theory the Trump campaign … had conspired with Russia. …. It appeared that … there was a pattern of assuming nefarious intent”

9)“An objective and honest assessment of these strands of information should have caused the FBI to question not only the predication for Crossfire Hurricane, but also to reflect on whether the FBI was being manipulated for political or other purposes. Unfortunately, it did not”

O relatório termina com um aviso:

«Nada … pode enfraquecer mais a qualidade de vida, ou pôr em perigo a realização dos objetivos que todos nós mais prezamos, do que o nosso falhanço em deixar claro, por palavras e ações, de que a lei não é o instrumento de um objetivo partidário»10.

Apesar de ter concluído que houve manipulação do FBI para objetivos políticos através de um plano, por parte da campanha de Hillary Clinton, para envolver as agências norte-americanas de intelligence e de law enforcement  numa investigação a falsas ligações da campanha de Trump à Rússia, Durham não formulou acusações contra nenhum membro do FBI, alegando «confirmation bias» e dificuldade de prova, o que tem sido alvo de pesadas críticas por individualidades do campo republicano.

10) “Nothing … can more weaken the quality of life, or more imperil the realization of the goals we all hold dear, than our failure to make clear, by words and deed, that law is not the instrument of partisan purpose».