Os incêndios parecem não dar tréguas aos portugueses. Exemplificando, deflagrou na madrugada desta quarta-feira um fogo numa encosta nas imediações do santuário de São Bento da Porta Aberta, na Serra do Gerês. Apesar de tudo, o panorama geral é bem menos negro do que aquele que foi vivido no ano passado. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) colocou, esta quinta-feira, quarenta concelhos em alerta para risco máximo de incêndio rural. E 80 concelhos dos distritos de Faro, Beja, Santarém, Portalegre, Castelo Branco, Leiria, Coimbra, Viseu, Guarda, Porto, Aveiro, Viana do Castelo, Braga, Vila Real e Bragança encontram-se em risco muito elevado.
O ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, alertou, nesta quinta-feira, os portugueses para o aumento das temperaturas e para o aumento do risco de incêndio a partir do fim de semana. «Entre o dia 20 e o dia 25 de agosto, vamos ter temperaturas de novo muito quentes e momentos de seca extrema no país e, portanto, o apelo que faço é para que, mais uma vez, se procure evitar o uso do fogo, seja para uso doméstico, agrícola, florestal, seja no uso de máquinas agrícolas ou florestais», disse José Luís Carneiro, em declarações aos jornalistas.
«Estamos a falar no uso do fogo muitas vezes para convívios sociais, para fins domésticos, queima nomeadamente de resíduos, limpezas que são realizadas do ponto de vista da prática agrícola, limpezas florestais ou no uso de máquinas agrícolas e florestais», esclareceu numa visita, juntamente com a ministra da Defesa, à Serra do Montejunto, no concelho do Cadaval, distrito de Lisboa. Num balanço sobre o comportamento da população, José Luís Carneiro afirmou que «os portugueses têm vindo a ser mais responsáveis porque a prova está no facto de que há menos ignições este ano do que em 2022». «Na primeira semana de agosto ocorreram 120 incêndios, são muitos incêndios, mas tivemos anos em que os números foram superiores e isto é o resultado também da consciencialização coletiva para os deveres individuais e para os deveres coletivos, nomeadamente no cuidado com uso de fogo, máquinas agrícolas e máquinas florestais», exemplificou.
No início de abril, José Luís Carneiro destacou que 2023 traria desafios ainda maiores no combate aos incêndios florestais em comparação com 2022. Fez esse comentário após a inauguração da esquadra da PSP em Matosinhos. O ministro enfatizou que seria um ano extremamente difícil e realçou a importância de todos se prepararem para enfrentar essa situação, frisando também a necessidade de cooperação de todas as pessoas e instituições para lidar com este problema.
Considerava que o Estado Português, a Proteção Civil e as autarquias estavam a fazer a sua parte, mas evidenciava que era crucial que todos colaborem, ressaltando que, em 2022, 55% dos incêndios foram causados por negligência e destacou que uma maior cautela, responsabilidade e mudanças de atitude poderiam reduzir esse número. O ministro mencionou também os esforços da GNR na sensibilização das comunidades em todo o país para a importância da limpeza preventiva. E finalizou enfatizando a sua constante preocupação e esforços desde setembro do ano passado em alertar as partes responsáveis a desempenharem os seus papéis no sistema de prevenção e combate a incêndios.
Em março, o dirigente destacava que o risco de incêndio em Portugal face a 2022 aumentou em 40%. «Hoje pudemos ouvir da parte da GNR, que é quem tem uma base de dados que permite comparar vários indicadores, que à luz dos indicadores conhecidos ao dia de hoje o risco aumenta em cerca de 40% relativamente a 2022. A própria União Europeia já veio sensibilizar os países do Mediterrâneo, [alertando] que os riscos este ano, comparativamente aos anos anteriores, são superiores», afirmou em declarações aos jornalistas, após uma reunião com a GNR, em Monte Redondo, Leiria.
«A GNR está neste momento no terreno em todo o país a sensibilizar as autarquias e os proprietários para a necessidade de proceder às limpezas previstas na lei relativas à segurança do edificado», continuou, defendendo que «todas as áreas circundantes às habitações devem ser objeto de limpeza». José Luís Carneiro disse ainda que ,«em 2022, a União Europeia teve mais de 60% dos incêndios rurais e florestais». «No verão, quando somos confrontados com os incêndios, todos temos um sentimento que os meios são sempre limitados para o conjunto das necessidades do país. A GNR avançou com a campanha de sensibilização em fevereiro por todo o país, um trabalho de muito valor, que tem vindo a permitir maior conhecimento e maior capacidade para antever os riscos. Este é um dever coletivo», insistiu.
No ano passado, a devastação foi tal que, no fim de dezembro, o Governo já havia transferido 3,4 milhões de euros de adiantamento através do Fundo de Emergência Municipal (FEM) para os municípios afetados por incêndios rurais em agosto daquele ano. Esta verba corresponde a 57% do total previsto de seis milhões previstos. O valor remanescente (2 585 548,82 euros) será transferido à medida que as obras forem sendo executadas. Sabe-se que o FEM permite financiar até 60% a recuperação de infraestruturas e equipamentos municipais, o que no caso dos incêndios rurais registados em agosto do ano passado beneficiará um total de 13 dos 278 municípios de Portugal continental, em que foram identificados prejuízos em equipamentos públicos «no valor de 10.740.916 euros», detalhou o Ministério da Coesão Territorial.
A problemática dos incendiários
A Polícia Judiciária (PJ) divulgou ontem que três jovens, cujas idades variam entre os 17 e 18 anos, foram detidos sob suspeita de terem provocado um incêndio florestal na região de Mesão Frio, em Vila Real. Em comunicado, a PJ informou que o incêndio ocorreu a 21 de julho e consumiu uma extensão de terreno coberto por vegetação, composta principalmente por mato. A declaração também destaca que o incêndio ameaçou uma vasta área de floresta e terrenos agrícolas, incluindo vegetação arbórea diversificada, vinhas e várias estruturas comerciais e industriais de considerável valor. Esses edifícios escaparam de serem consumidos graças à deteção e intervenção rápida dos bombeiros. Os indivíduos detidos serão levados a interrogatório judicial, onde serão decididas possíveis medidas restritivas.
No ano passado, no final do mês de outubro, foi divulgado que cerca de 17% das pessoas que foram detidas em 2022 pela PJ pelo crime de incêndio florestal eram reincidentes. De acordo com dados enviados à agência Lusa, a PJ avançou que foram detidas no ano passado, no âmbito deste crime, 84 pessoas, mais 32 do que em 2021, sendo por isso o segundo ano com mais detenções desde 2020, uma vez que em 2020 foram detidas 85.
Das 84 pessoas detidas, 79 eram homens e 17% eram reincidentes, estando cerca de 60% sujeitos a medidas de coação privativas da liberdade. A Guarda Nacional Republicana (GNR), por outro lado, adiantou que deteve este ano pelo crime de incêndio florestal 72 pessoas, o maior número dos últimos cinco anos, sendo os distritos de Viseu e Vila Real aqueles onde foram feitas mais detenções. Em relação a 2021, foram detidas pela GNR mais 20 pessoas por este crime. Ao todo, estas duas polícias detiveram por incêndio florestal 156 pessoas, mais 52 do que em 2021.
Em 2022, os incêndios rurais consumiram 110.007 hectares, o valor mais elevado desde 2017, tendo o incêndio da Serra da Estrela sido o que registou maior área ardida, com quase 25 mil hectares, de acordo com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). O ICNF informou ainda que, entre 1 de janeiro e 15 de outubro, ocorreram 10.449 incêndios rurais, que resultaram em 110.007 hectares (ha) de área ardida, entre povoamentos (54.801 ha), matos (44.114 ha) e agricultura (11.092 ha).
O ministro da Administração Interna informou, durante a sua audição na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, no início de junho, que 45 indivíduos haviam sido presos este ano por envolvimento em incêndios florestais. O dirigente também destacou que mais da metade dos incêndios que ocorreram no mesmo período foram causados por negligência. Nos primeiros cinco meses deste ano, houve um total de 3.457 incêndios rurais, sendo que 98% deles tiveram intervenção humana e 64% foram causados por negligência.