A exemplo do que aconteceu em outros setores de atividade, a indústria automóvel chinesa emergiu mais forte da pandemia e ameaça tornar-se uma superpotência a nível mundial. Há dois indicadores que o confirmam: pela primeira vez as marcas chinesas foram as mais vendidas no mercado interno; e no primeiro trimestre de 2023 foi o maior exportador automóvel do mundo, à frente do Japão e da Alemanha.
A indústria automóvel europeia continua a ser uma das referências a nível mundial, mas já há propostas bastante interessantes vindas da China. Mais de metade dos construtores (58%) têm menos de 10 anos de idade, e há 12 grandes grupos que reúnem mais de 30 marcas. A dinâmica do maior mercado mundial de automóveis ligeiros é incrível. O ano passado venderam-se 42 milhões de unidades, o que representou quase 32% das vendas globais, dito de outra forma é o equivalente às vendas combinadas dos Estados Unidos, Índia, Japão e Alemanha. Na última década, os construtores chineses foram criando alianças estratégicas com fabricantes europeus de modo a aumentar a qualidade dos seus produtos. Hoje em dia, não só têm muita tecnologia, como são os melhores a nível de segurança passiva em algumas categorias como demonstra os testes de colisão Euro NCAP.
Domínio elétrico O facto de ser atualmente o único país que consegue produzir veículos elétricos em larga escala – tem as matérias-primas e domina a tecnologia elétrica – de ter uma mão-de-obra barata e de os construtores terem apoio do Estado permite oferecer modelos a preços competitivos em todos os segmentos. Segundo Patrick Koller, presidente de uma empresa de componentes para automóveis, a Forvia, um veículo elétrico chinês, pode custar menos dez mil euros do que o modelo equivalente europeu. Além disso, nos dois últimos anos o preço médio tem vindo aumentar e na China a diminuir. Acresce o facto de a China ser responsável por 80% da produção mundial de baterias, o que permite ter uma posição dominante na cadeia de produção e poder controlar o mercado, nomeadamente os preços, o que constitui um sério risco para os europeus. Não é por acaso que a Stellantis e o Grupo Volkswagen fizeram acordos com empresas mineiras para garantir o fornecimento de matérias-primas para a produção de baterias, que é o elemento mais caro na produção de um automóvel. Nos carros mais económicos, o preço da bateria pode representar 50% do custo de produção.
Com a estratégia de inundar os mercados apostando na eletrificação e no preço, as marcas chinesas preparam-se para dominar o Velho Continente e o risco dos europeus perderam clientes é real. A isto junta-se agora a possibilidade de outro construtor asiático, a vietnamita VinFast, entrar no mercado europeu depois de se ter instalado nos Estados Unidos. A marca foi fundada em 2017 por Pham Vuong, o homem mais rico do Vitename, e produz SUV e autocarros elétricos e scooters. É curioso comparar as ferozes medidas protecionistas impostas aos japoneses há alguns anos e a facilidade com que agora se abrem as portas aos chineses – é a globalização no mundo automóvel. Os EUA já deram conta da ameaça chinesa e criaram recentemente medidas protecionistas à indústria nacional.
No caso do mercado português, há três marcas que comercializam um total de dez modelos 100% elétricos ou híbridos Plug-in, com preços mais acessíveis para os compradores da classe média. A Build Your Dreams (BYD) foi criada em 1995 e chegou ao mercado nacional através do Grupo Salvador Caetano. A gama é composta por três modelos: Atto 3, Tang e Han. Sérgio Ribeiro, do conselho executivo da Salvador Caetano Auto, referiu que “esta parceria reforça a estratégia e aposta do Grupo Salvador Caetano na eletrificação e transição para a mobilidade ecológica”, e explicou a escolha. “A liderança, a inovação tecnológica e a aposta em Investigação e Desenvolvimento da BYD são fatores diferenciadores que tornaram esta marca interessante para os consumidores portugueses”.
A MG Motor é outra marca presente em Portugal, faz parte do universo da Shanghai Automobile Industry Corporation, o sétimo maior fabricante de automóveis do mundo. A gama é de cinco automóveis: o ZS EV, o híbrido Plug-in EHS, o Marvel R Electric e os MG4 e MG5 Electric. A Aiways, fundada em 2017, chegou a Portugal pelas mãos da Astara e com dois modelos SUV: o U5 e o U6. Nos primeiros sete meses de 2023 venderam-se 19.771 veículos elétricos novos em Portugal. As três marcas chineses registaram 169 vendas.
Cópias absurdas A história dos automóveis chineses na Europa não começou agora. No final dos anos 90, os carros chineses não eram vistos com bons olhos por serem obsoletos, utilizarem componentes de baixa qualidade e terem pouca segurança. As marcas copiavam o design, sem qualquer autorização de quem desenvolveu o produto original, e depois comercializavam esses modelos em alguns países da América do Sul e Ásia a um terço do preço. Na Europa, esbarravam nos crash tests Euro NCAP, os resultados eram assustadores, os carros desfaziam-se contra as barreiras deformáveis e não obtinham a homologação. As proibitivas emissões de gases dos motores térmicos eram também motivo de eliminação do mercado europeu.
No catálogo de alguns pequenos construtores podia ver-se o polémico Lifan 320, que foi buscar forte inspiração ao Mini Cooper. O Porsche Macan é um dos modelos que mais vende da marca alemã, não admira por isso que os chineses o tivessem copiado e criado o Zotye T700. Mas os chineses foram mais longe a ponto de copiarem e descaraterizarem o superdesportivo Nissan GT-R, transformando-o num descapotável de dois lugares horroroso. Todos estas invenções absurdas e não autenticadas motivaram uma série de ações judiciais contra os construtores chineses. A Honda moveu um processo judicial por terem clonado o CR-V. A marca pediu 300 milhões de yuans de indemnização e, passados 12 anos, recebeu apenas 12 milhões de yuans. O grupo Land Rover processou a Landwind por causa do X7, uma cópia do Range Rove Evoque. O processo durou três anos e o desfecho foi favorável à Land Rover. Foi a primeira vez que um tribunal chinês decidiu a favor de um fabricante estrangeiro e o X7 foi retirado do mercado. Mas também houve situações inexplicáveis. A mais significativa foi o silêncio da BMW sobre o lançamento do crossover Brilliance V5, cópia do modelo X1, o facto de as duas marcas terem uma joint venture na China ajuda a explicar o silêncio alemão.
A indústria automóvel chinesa está mais forte depois da pandemia e os grandes construtores estão a conquistar o mercado europeu