Professores: ‘A luta vai continuar’

O diploma relativo à contagem do tempo de serviço dos professores já foi promulgado. Porém, o descontentamento por parte dos docentes mantêm-se e, por isso, as greves e manifestações irão continuar. Da parte dos pais há inquietação. 

Marcelo de Sousa promulgou esta semana o diploma relativo à contagem do tempo de serviço dos professores que visa corrigir as assimetrias decorrentes dos dois períodos de congelamento da carreira e, segundo o Ministério da Educação, João Costa, vai abranger, «no mínimo», cerca de 60 mil professores. No entanto, os professores continuam descontentes e, ao que parece, a luta vai continuar. 

Segundo Mário Nogueira, dirigente da Federação Nacional de Professores (Fenprof), o diploma criará ainda mais problemas e assimetrias e «não haverá nenhum alívio naquilo que os professores têm vindo a desencadear ao longo deste ano». Já para a dirigente do Sindicato De Todos Os Professores (S.TO.P), Carla Piedade, o sindicato «não pode aceitar as migalhas podres que João Costa lhes quer dar». No que toca aos pais, apesar de muitos compreenderam a luta, o cenário é de «inquietação» pela instabilidade que todas as greves acabam por ter no ensino dos seus discentes. «Se uma escola não os prepara para a vida não está a cumprir a sua função», alerta uma mãe ao Nascer do SOL.

 

As greves continuarão

«Este é um diploma que não resolve absolutamente nenhum problema dos que estão associados à perda de tempo de serviço dos professores», garante Mário Nogueira ao Nascer do SOL. Segundo o dirigente da Fenprof, «esta intenção/obstinação do Governo de não contar o tempo de serviço dos professores que esteve congelado», levam a que «se vão criando ‘diplomazinhos’ que depois não dão nenhuma resposta» e, a única coisa que provocam é «ainda mais problemas e mais assimetrias». «Algumas muito graves, como distinções entre professores que têm o mesmo tempo de serviço, mas que, às vezes, por um dia em que tiveram menos uma hora ou duas horas no seu horário letivo ficam imediatamente excluídos; é um diploma que não resolve a discriminação entre aquilo que acontece no Continente com o que acontece nas regiões autónomas; é um diploma que mantém a diferença entre os professores que não recuperaram o tempo de serviço (6 anos, 6 meses e 23 dias) e a generalidade da administração pública que recuperou os pontos, porque o tempo de serviço aí, na maior parte das categorias, é convertido em pontos e eles foram todos recuperados», explica o responsável.

Seja como for, lamenta, este foi publicado e, como tal, agora tem de se aplicar. «O que vai acontecer em relação ao tempo de serviço, em relação à luta que os professores têm vindo a desenvolver, é que não haverá nenhum alívio naquilo que temos vindo a desencadear», assegura. «Porque aquilo que os professores exigem é algo que toda a gente reconhece como justo: recuperar aquilo que é seu. Trabalharam esses anos, anos esses que foram extremamente difíceis, em que até existiram cortes nos salários, congelamento de progressões, cortes de subsídios… Os professores nunca deixaram de dar o seu melhor nesse período e agora, o prémio que recebem por terem-no feito é verem apagados anos de serviço que seriam fundamentais não só no imediato, para o seu salário, como também, mais tarde, o impacto que isto tem na própria pensão de aposentação, uma vez que as pessoas estão a ganhar e a fazer descontos muito abaixo do escalão a que deveriam estar», denuncia. 

Por isso, «a luta dos professores vai continuar com a mesma intensidade na medida em que aquilo que os move é a resolução deste e de outros problemas». «Não vamos desistir de lutar por uma resolução. Aliás, como dizemos no comunicado, o senhor Presidente da República disse que existe uma porta entreaberta para a recuperação do tempo de serviço de forma faseada, nós no dia 1 de setembro – primeiro dia do ano escolar -, iremos aproveitar essa ‘entreaberta’ para apresentar ao Ministério da Educação uma proposta concreta de recuperação deste tempo perdido», garante Mário Nogueira.

Numa nota enviada ao Nascer do SOL, o S.TO.P. afirma que «a luta vai continuar já em setembro por todas as formas legítimas, apresentadas e aprovadas pela classe, como a greve», garante a dirigente Carla Piedade. «O ministro da Educação tentou boicotar a greve por tempo indeterminado, iniciada a 9 de dezembro, impondo serviços mínimos que o Tribunal da Relação de Lisboa veio declarar ilegais em cinco decisões, que o ME recorreu e perdeu. A nossa luta incomoda porque obriga João Costa a sentar-se à mesa com os sindicatos, e embora ainda não tenhamos alcançado os nossos objetivos, é sabido que quem não luta pelo que quer, aceita o que vier», continua, acrescentando que «o S.TO.P, em nome dos profissionais de educação, dos alunos e do futuro de Portugal não pode aceitar as migalhas podres que João Costa nos quer dar». 

 Sobre um eventual arranque de ano letivo marcado por greves, João Costa sublinhou que «os alunos não podem ser mais prejudicados», lembrando que o passado ano letivo foi «um ano em que as negociações não pararam». «Há muitos professores que vão ver neste diploma, assim que for publicado, a sua carreira acelerada no imediato», frisou, voltando a sublinhar a importância de ter «um ano em que se ponha os alunos em primeiro lugar».

 

A instabilidade das crianças

A filha de Maria João Pataca passa este ano para o 5º ano. Mas apesar da felicidade da mãe por ver a sua filha a fazer o seu percurso, segundo a mesma, «o caminho não tem sido fácil». «Eu não discordo da luta que as pessoas fazem. Eu acho que todas as classes têm legitimamente de procurar boas condições. Isso é um ponto assente. Neste sentido, os professores, qualquer impacto que eles queiram ter, vai sempre manifestar-se nos alunos», afirma. «O que é que acontece? No caso da Beatriz, ela é de uma geração que apanhou o 1.º ano de covid em casa, o segundo ano de meio covid em casa… Até no 3.º ano houve um momento que ainda não foi contínuo. Este ano, a 4.º classe, seria o primeiro ano limpo», lamenta, referindo-se às consequências que tiveram as greves dos professores deste ano. «Todas as interrupções criam instabilidade», garante. «Há uma continuidade nas rotinas das crianças, há uma continuidade do aprender. No caso da minha filha, teve sorte, porque teve um professor espetacular que manteve sempre um fio condutor e eles conseguiram sempre adquirir os conhecimentos necessários», conta. 

«Eu acredito que no próximo ano, com uma nova integração no 5.ºano, este pára-arranca com que os professores dizem que vão continuar, toda a instabilidade, todo o percurso destas crianças, é mais impactante», alerta. De acordo com Maria João Pataca, o 5.º ano é muito diferente de tudo o que as crianças já viveram. «Imaginem isto com instabilidade, professores todos diferentes, cada um com a sua forma de ensinar, com o seu ritmo… Estas crianças já chegam a este novo ano com lacunas nas aprendizagens por conta do ano inteiro que tiveram em casa», explica, acrescentando que isso a preocupa muito enquanto mãe. 

«Nem é só nos resultados e no aproveitamento, é também na forma como estes veem a escola, como se motivam, como convivem. Porque há aprendizagens que se fazem fora da sala de aula, uns com os outros. Se uma escola não os prepara para a vida não está a cumprir a sua função», denuncia. «Eles vão começar um novo ciclo e todos os novos ciclos são cheios de mudanças, ainda mais nestas crianças, super pequeninas», continua. «Falta dinâmica de pares, ritmo de trabalho. Se não houver uma continuidade ou uma forma de assegurar, em casa, essa continuidade, as coisas perdem-se», acredita. «Isto do Covid já deu uma cacetada nas coisas, estas greves é mais uma coisa», frisa. No entanto, reforça, nada disto significa que os professores não devam lutar pelos seus direitos. «Eu compreendo que quanto mais impacto têm na vida dos pais, mais valias têm eles nos seus objetivos, mas deste lado eu tenho a minha filha que não tem responsabilidade nisto», remata. 

Segundo indica a nota publicada na segunda-feira no site da Presidência, o diploma promulgado prevê um «regime especial de regularização das assimetrias na progressão na carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário dos estabelecimentos públicos», passo que foi dado «atendendo à abertura, incluindo na presente legislatura, constante das últimas versões dos diplomas, para a questão da contagem do tempo de serviço».