Covid-19: o que se deve saber sobre a Éris e a Pirola

A variante EG.5 (Éris) foi comunicada pela primeira vez à OMS em fevereiro e, na semana passada, a BA.2.86 (Pirola), foi detetada em amostras de pessoas na Dinamarca e em Israel. Pelo menos dois casos foram identificados nos EUA. Para o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, não há ainda motivo para alarme.

Na semana a seguir à Jornada Mundial da Juventude, os casos de covid-19, em Portugal, mais do que triplicaram (os casos diários passaram de 126, no domingo 6 de agosto, para 442, no dia 10). No entanto, continuam a não demonstrar severidade. Além do acompanhamento habitual dos números, os especialistas estão de olhos postos em duas variantes do vírus que, por enquanto, não parecem ser motivo de alarme.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que a estirpe EG.5 do SARS-CoV-2, classificada de interesse, pode provocar «um aumento na incidência» de infeções e «tornar-se dominante em alguns países ou mesmo no mundo». A organização argumenta que este alerta é feito devido à linhagem, resultante da sublinhagem recombinante XBB.1.9.2 da variante Ómicron, apresentar «características que escapam aos anticorpos» e estar em «vantagem de crescimento», afirma em comunicado.

Apesar destes fatores e da ‘prevalência aumentada’ da EG.5, não foram registadas, até ao momento, alterações na gravidade da covid-19 e o risco para a saúde global que a variante representa é baixo. A estirpe EG.5 foi comunicada pela primeira vez à OMS em fevereiro e em 19 de julho foi designada como variante sob monitorização. «A Éris é uma subvariante derivada da XBB. A XBB é uma Ómicron, é uma variante que está a dominar praticamente desde o início do ano. A Éris, aparentemente, é muito transmissível e tem aparecido bastante nas águas residuais, mas tem apenas duas mutações. Eu classificaria o risco de leve a moderado», explica, em declarações ao Nascer do SOL, Manuel Carmo Gomes, epidemiologista e membro da Comissão Técnica de Vacinação para a covid-19.

«Por um lado, há um aspeto mais conceptual: vemos que o vírus continua a evoluir, não desistiu de nós, continua a adaptar-se a esta situação de uma população mundial em que a parede imunitária originada pela vacinação e pelas infeções existe. E ele quer ultrapassá-la. Portanto, continua a ‘fazer experiências’ para rodeá-la e conseguir evitar os nossos anticorpos. Há muitos outros vírus que se adaptaram a nós e praticamente não mudam, como o sarampo», avança. «Há muitas pessoas que foram vacinadas ou infetadas há mais de quatro meses e sabemos que, com o tempo, os anticorpos vão descendo», sublinha. «Esta Éris, que já por si tem capacidade de fugir aos nossos anticorpos, vem infetar pessoas que quase não têm anticorpos. Origina novas infeções com relativa facilidade. A boa notícia é que a nossa imunidade celular continua a responder bem». 

«Por outro lado, como é uma XBB, e como a próxima vacina é feita à base da XBB, isto sugere que se recebermos o nosso reforço vacinal no próximo outono, em princípio, vamos adquirir uma boa proteção durante quatro-cinco meses. Não há evidência de que a Éris seja mais patogénica do que as XBBs anteriores», adianta, explicando que «nos EUA, houve uma subida das hospitalizações». «Mas eu continuo a acompanhar os números de Portugal e não há um sinal, para já, nítido de que isso esteja a acontecer. No último relatório do Instituto Ricardo Jorge, a Éris já era aproximadamente metade das versões do vírus que estão a circular aqui em Portugal, mas não tem tido grande impacto em termos hospitalares». 

«Mais recentemente, surgiu uma variante, com características novas, estamos a olhar para ela cuidadosamente, mas não há ainda razões para estarmos preocupados. O nome é BA.2.86 e estamos a dar-lhe atenção porque ao contrário da Éris e de outras versões do vírus, não teve uma evolução gradual. O vírus pode evoluir gradualmente, ir adicionando novas mutações e permitir-nos uma certa previsibilidade, ou ter muitas mutações e ser menos previsível. Ela apareceu nos EUA, em Israel, no Reino Unido, mas ainda não há muitas amostras», diz, sendo que de acordo com o CDC (Centers for Control and Disease Prevention), «os testes existentes utilizados para detetar e os medicamentos utilizados para tratar a COVID-19 parecem ser eficazes com esta variante. BA.2.86 pode ser mais capaz de causar infeção em pessoas que já tiveram COVID-19 ou que receberam vacinas contra COVID-19. Os cientistas estão a avaliar a eficácia da próxima vacina atualizada contra a COVID-19. A avaliação atual do CDC é que esta vacina atualizada será eficaz na redução de doenças graves e hospitalizações. Neste ponto, não há evidências de que esta variante esteja a causar doenças mais graves. Essa avaliação pode mudar à medida que dados científicos adicionais forem desenvolvidos».

A 23 de agosto, 9 sequências de variantes BA.2.86 foram relatadas globalmente: Dinamarca (3); África do Sul (2); Israel (1); Estados Unidos (2) e Reino Unido (1). Um dos casos nos Estados Unidos ocorre numa pessoa detetada pela Vigilância Genómica Baseada em Viajantes do CDC. «A identificação destes casos em múltiplas geografias é evidência de transmissão internacional. Notavelmente, a quantidade de sequenciação genómica do SARS-CoV-2 a nível mundial diminuiu substancialmente em relação aos anos anteriores, o que significa que mais variantes podem surgir e espalhar-se sem serem detetadas durante períodos de tempo mais longos. É também importante notar que o atual aumento de hospitalizações nos Estados Unidos não é provavelmente impulsionado pela variante BA.2.86», salienta o CDC.

«Será que esta nova versão do vírus terá vantagem competitiva com a Éris, por exemplo? Se tiver, é importante percebermos o que as 36 novas mutações trazem em termos de perigosidade para nós. Mas também podemos chegar à conclusão de que não tem hipótese de crescer em termos de casos. Nos últimos anos, aquilo a que assistimos mais é a versões do vírus a aparecer e a desaparecer», conclui Manuel Carmo Gomes.