Ah!Ah!Ah! O macaco que ri

‘Não há nada tão contagioso como uma boa gargalhada’, escreveu Charles Dickens. Por muitos jeitos faciais que vários animais consigam fazer, o homem é o único ser que se ri por  uma questão de humor. E o humor é algo tão diversificado que se escreveram livros e livros sobre ele.

AH! AH! AH! sugere uma gargalhada franca, atirada para o ar com convicção e sem reticências. Eh! Eh! Eh! já dá ideia de uma risada escarninha – parece que traz troça colada aos sapatos como pastilha elástica. Ih!IhIh! nem gargalhada a sério é, encolhida, temerosa, quase se pode imaginar a figurinha que a liberta de cabeça para baixo, colada ao pescoço, sem atrevimento para olhar a vítima nos olhos. OH! OH! OH! é coisa de Pai Natal. Nunca percebi de que se ri o gajo. De enganar a pequenada com prendas medíocres quando os garotos esperavam por algo mais substancial? Seja como for, é gargalhada de gordo que ao mesmo tempo que a larga mete as mãos à pança para segurar as enxúndias. Iac! Iac! Iac! era o som imbecilóide do Pateta amigo do rato Mickey. Uh! Uh! Uh! não é gargalhada que se apresente mas pode muito bem ser o som expelido por um chimpanzé bem disposto.

Ah! O riso e seus derivados… Por que se ri, afinal, o Macaco Nu de Desmond Morris? Se Charles Dickens escreveu – «Não há nada de tão contagioso como um a boa gargalhada», já Rabelais deixou claro no seu famoso Gargântua: «Mieulx est de ris que de larmes escripre/Pour ce que rire est le propre de l’homme».

Ora muito bem: ficamos a saber que dois dos mais reputados escritores do seu tempo se preocuparam o suficiente com o riso que levaram o autor de Pantagruel a ter essa frase definitiva – «Rir é próprio do homem!».

Desenganem-se portanto aqueles que juram a pés juntos que viram os seus gatos ou cães a rir. Podem ter visto expressões parecidas mas riso não é porque para haver riso é preciso humor e para haver humor é preciso inteligência – claro que há também o riso incompreensível de determinados indivíduos capazes de soltarem uma gargalhada só por verem uma velhinha apoiar mal a bengala e esparramar-se ao comprido no chão, deixando saltar a dentadura. Mas esta não é a história do humor – humores há-os dos mais diversos estilos. É uma crónica sobre o riso e nada mais.

Demos uma saltada à enciclopédia mais popular da moderna Humanidade e tentemos encontrar uma definição para o riso. Eis o muro no qual vamos bater de frente: «Riso ou sorriso é uma expressão facial decorrente da contração dos músculos das extremidades da boca. Nos animais, um sorriso é frequentemente usado como uma ameaça (mostrando dentes) ou como um sinal de submissão. Entre os humanos o sorriso é uma expressão facial que é sempre criada perto dos cantos da boca, Guillaume Duchenne distinguiu dois tipos: o real e o falso, sendo o primeiro caracterizado pelo esticando os músculos faciais e também ao redor dos olhos. Nos humanos, o sorriso é geralmente uma expressão de alegria ou boa vontade, mas também pode ser uma expressão descontrolada de ansiedade (sorriso nervoso)».

Convenhamos que a explicação é bastante redutora. Quase nos afirma que podemos colar os cantos da  boca às orelhas com fita-cola para obtermos o riso eterno. Já o recaminhar para a obra de Duchenne parece bem mais prometedor. Guillaume Benjamin Amand Duchenne, nascido em Boulogne-sur-Mer, no dia 17 de setembro de 1806 e falecido em Paris a 15 de setembro de 1875 foi um médico neurologista de prestígio. À luz destes novos tempos, a sua especialização nos efeitos da eletricidade no ser humano (eletroterapia) provoca arrepios na espinha. Bem sabemos nos idiotas em que se transformaram muitos pobres coitados sujeitos a eletrochoques. Mas Duchenne também se tornou num especialista em sorrisos, elaborando uma lista de vários tipos de sorriso. Infelizmente para os sorridentes que fotografou – e cujas fotos formaram uma enorme fatia do seu espólio – os sorrisos foram, na sua maioria, fabricados através de eléctrodros que prendia às faces das vítimas com pequeninos crocodilos. Ele lá terá achado a sua piada à coisa. Mas foi a chamada piada estúpida.

Risos, risos e mais risos

Simona Rodal, uma italiana professora universitária, também se debruçou longamente sobre o riso no seu livro Socio-cultural Dimension of Laughter and Smile as ways of  Nonverbal Communication. Consegui lê-lo na versão inglesa e a ideia da gargalhada e do sorriso como comunicação para lá das palavras deixou-me francamente curioso. De forma rápida, um bocado em diagonal, Simona afirma que o sorriso é uma expressão muito complexa e capaz de transmitir um muito alargado leque de informações sem que as palavras sejam necessárias, tal como prazer, alegria, felicidade, satisfação, sociabilidade, divertimento, etc. Mas não só. Há o outro lado do sorriso. O seu lado negro, podemos escrevê-lo sem medo das palavras: cinismo, vergonha, dor emocional, engano e sarcasmo. Logo em seguida alerta para algo que, depois de lido, parece evidente: a interpretação dos sorrisos variam de umas culturas para as outras, e até em subculturas urbanas. Já a gargalhada parece ser mais consensual sendo uma expressão praticamente universal de alegria, festejo, prazer e felicidade, e mais do que isso é considerada provocadora de um ambiente de boa disposição geral. Mas, ao contrário do sorriso, a gargalhada é um som, e o seu volume ou a sua entoação podem ter muitos outros significados.

O psicólogo Robert Provine, por seu lado, escreveu um livro com um título tão simples como sugestivo: Laugh. Demos-lhe uma olhada com atenção. Às tantas encontramos outra das características da gargalhada ainda não falada até aqui: «Um dos aspectos mais admiráveis sobre a gargalhada é o de acontecer e forma inconsciente. Não é uma decisão que se toma. Por isso é tão difícil fingi-la. (Não precisa de acreditar em mim, limite-se a pedir ao seu amigo do lado para gargalhar agora mesmo)». E um pouco mais à frente: «Todos nascemos com a capacidade de darmos gargalhadas. Ninguém aprende a fazê-lo. Rir provoca uma sensação de poder e liberta determinadas situações presas no seu inconsciente. Ainda muito pouco se sabe sobre o mecanismo específico do cérebro responsável pelo riso. Mas sabemos que mexe com muitas sensações e activa diversas partes do corpo humano. Quando nos rimos alteramos as feições e fazemos sons. Durante uma fase de gargalhadas exuberantes, os músculos dos braços, das pernas e do tronco entram em actividade. O riso também influencia a nossa respiração. Uma boa gargalhada pode ser uma mensagem dirigida para outrem de forma muito poderosa. E é um veículo de comunicação porque raramente alguém solta gargalhadas sozinho. É mais fácil falar sozinho do que rir sozinho».

Ri-te!

Há muitas fontes de informação sobre o riso, mas não são tão fáceis como isso de encontrar. Ficamos com a ideia que há questões para lá da discussão: rir é um comportamento social e contagioso, rimo-nos ao próprio som das gargalhadas. A capacidade humana de soltar gargalhadas surge por volta dos quatro meses de idade, ainda antes mesmo de começarmos a falar. Além disso, e ao contrário dos ensinamentos da sabedoria popular o riso é na sua maior parte devido à relação entre pessoas do que ao sentido de humor. O professor Provine decidiu fazer uma experiência para perceber como e quando e porquê as pessoas riem: pegou em alguns dos seus assistentes, espalharam-se por centros comerciais e pelos passeios gravando os momentos exatos antes de que as suas cobaias começassem a rir. O estudo foi longo. Para alguns, uma verdadeira estucha. Durante um período de mais de dez anos dedicaram-se à observação de mais de dois mil casos de riso natural e espontâneo. «Descobrimos que a maior parte das gargalhadas não foi provocada por piadas ou anedotas», escreveu no relatório final. «Muita gente desatava a rir após uma frase como, por exemplo, “Hey John, where ya been?” “Here comes Mary,” “How did you do on the test?” and “Do you have a rubber band?”». Ora tubérculos, e depois querem que o humor esteja ligado à inteligência. Só se for através do intestino.

Para encontrar pérolas como esta, mais vale regressar aos estreitos caminhos da ciência restrita. Ou seja, à gelotologia – o estudo do humor, do riso e de seus efeitos psicológicos e fisiológicos no corpo humano. Encontramoss de chofre algo com chiste – o simples ato de sorrir mobiliza diversos músculos faciais, entre os quais o bucinador, o risório, o depressor do ângulo da boca, o orbicular dos lábios, o mentoniano e o masseteriano. Aposto singelo contra dobrado, como nos livros do caubóis do Texas Jack que a maior parte dos que me leem nem sabiam que tinham um nervo chamado bucinador. Têm, sim senhores! É um músculo facial localizado lateralmente à cavidade bucal (forma as bochechas) e atua de forma indireta na mastigação, empurrando o bolo de alimento de volta aos dentes para serem mastigados, diz a enciclopédia. E se bucinador é um achado o que dizer do músculo risório. Nem de propósito, vamos e venhamos. O músculo risório é um pequeno músculo da face localizado próximo dos lábios, nas partes laterais dos cantos da boca. Lá está, os tais cantos que são repuxados para cima de cada vez que sofre de uma súbita e incontrolável vontade de sorrir ou de rir às gargalhadas.

Mas há um nunca mais de pormenores sobre o riso capazes de nos fazerem, no mínimo, sorrir. Olhem o que acontece nas ilhas Tobrian, um grupo de atóis coralinos que formam um arquipélago de aproximadamente 440 km² ao longo da costa oriental da Nova Guiné. Por morarem atrás do sol posto e terem uma vida social e cultural muito própria e muito pouco manchada pela que chamamos cultura ocidental, os seus habitantes são fruto raro e apetecível para os sociólogos. Pois bem, um deles, Bronisław Kasper Malinowski, um polaco considerado como um dos pais da Antropologia Cultural, descobriu que os nativos de Tobrian interpretam os sorrisos como convites de cunho sexual. Os felizardos! Se aqui até já há quem queira proibir o piropo, imaginem o grupo de cavalgaduras que seria capaz de se juntar para avançar com uma moção que proibisse o sorriso.

Coisa boa, essa de rir. Ou, para usar as palavras de Pablo Neruda: «Ri-te da noite/do dia, da lua/ri-te das ruas/curvas da ilha/ri-te deste rapaz/desajeitado que te ama/mas quando abro/os olhos e os fecho/quando os meus passos se forem/quando os meus passos voltarem/nega-me o pão, o ar/a luz, a primavera/mas o teu riso nunca/porque sem ele morreria». Ah! E morrer sem rir não vale. O Ivan Lins também sabia: «Quero sua risada mais gostosa/Esse seu jeito de achar/Que a vida pode ser maravilhosa…»