O que vale a vida?

Os números dados pelo Relatório da Comissão Independente não batem certo. Os dados dos padres diocesanos não batem certo com a lista apresentada ao MP e aos bispos…

Tenho estado de férias… Tempo para me recolher no campo… dar um mergulho no rio… cuidar da terra, semear a plantar as hortaliças da época… mais tempo para pensar, ler, escrever… Nestes dias tenho pensado no mundo velhaco em que vivemos… na velhacaria, como diria a minha avó, que fazem passar os católicos por sofrimentos e angústias que não seria permitido a outro qualquer grupo social. 

Este último ano foi, para mim, particularmente duro, não apenas do ponto de vista pessoal, mas também da vivência da minha fé. Paro para pensar e penso! Como me posiciono dentro da Igreja? O que estou a dar ao mundo? Como posso viver a minha vida cristã, longe de todos os moralismos possíveis, no meio de um mundo tão cheio de preconceitos anticatólicos.

As verdades sobre as questões dos abusos sexuais dentro da Igreja e as mentiras que não são ditas foi um dos problemas que se levantaram. Um dos membros da Comissão Independente disse, claramente, que o objetivo do seu trabalho era o de despertar a sociedade portuguesa para estes problemas. Ao fim deste ano, penso: escrevi para o secretário de Estado do Vaticano – sem resposta -, terei agora de denunciar à Rota Romana; escrevi para o diretor nacional da Polícia Judiciária e para a procuradora-geral da República – os dois sem resposta; para a presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados – que me levou a ter de contratar um advogado para poder dar seguimento a esta denúncia porque não fizeram nada! 

 

Queremos mesmo saber a verdade ou só encher os ouvidos com número que ninguém pode comprovar, porque não há dados seguros sobre os dados do Relatório? Eu por mim, gostaria de ter a verdade nas minhas mãos, sem deixar de usar a razão, sem ter de usar da fé para acreditar que os dados científicos que me foram dados têm uma correspondência real e não com base em denúncias anónimas. 

Na altura dei uma entrevista a dizer que se este relatório não servir para nada, quer dizer que deitámos 200 mil euros ao lixo (parece que menti, porque o valor pago pelo relatório foi muitíssimo mais, senão mesmo o dobro, mas não há prestação de contas). Hoje, não tenho dúvidas: os números dados pelo Relatório da Comissão Independente não batem certo. Por um lado, os dados dos padres diocesanos não batem certo com a lista apresentada ao Ministério Público e aos bispos. Por outro lado, a lista dos religiosos não tem qualquer equivalência com aquela apresentada aos religiosos. Foi mesmo muito dinheiro deitado ao lixo, porque depois do estudo temos mais dúvidas do que certezas…

 

Antes mesmo das férias, vieram as polémicas com o Palco da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), os gastos do Governo, a economia e a JMJ, a utilização da coisa pública para eventos religiosos e muitas outras ‘polémicas’ que se geraram à volta de tudo até chegar à ponte do Rio Trancão. Tudo e mais umas botas, diria uma professora de doutoramento, estes debates fazem parte do ‘jogo’ democrático, fazem parte da democracia e das instituições que a constituem. 

Sinceramente. Depois de ter escrito para todas aquelas entidades pagas por mim para denunciar os problemas que denunciei e que, segundo o meu parecer, é a base da vida humana – a confiança nas instituições – não sei se vivo ou não numa democracia, mas vejo que fui atacado na minha dignidade mais íntima e as instituições democráticas, até agora, não me defenderam, mesmo depois de ter escrito emails, cartas e outras coisas demais. 

Porque a vida humana, não tem toda o mesmo valor. Uns valem mais do que outros. No fundo, no fundo, as instituições democráticas fazem connosco o que acusamos os bispos de terem feito no passado: desde que não haja escândalo é preciso preservar a instituição. 

 

Eu acredito que virá o dia da justiça – quem não se lembra do Requiem de Mozart: Dies irae. Eu, como muitos, espero os novos céus e uma nova terra. As coisas antigas estão a passar e começa a aparecer uma coisa nova que já começamos a vislumbrar, mas ainda não a vemos claramente, porque a vemos como num espelho. Porque a única coisa que vai ficar de tudo isto não são os valores, mas as relações e posso dizer que sinto que as nossas relações estão cada vez mais degradadas. 

Hoje, parando um pouco dos afazeres das paróquias, posso dizer que sinto que a minha vida vale muito pouco. Não me sinto mesmo reconhecido pelas nossas instituições civis e religiosas. Sinto, contudo, uma esperança de que virá o dia do encontro amoroso que há de superar todas estas velhacarias. Porque a minha vida tem um valor para Deus – que é Amor!

O que é a vida? Quanto vale a vida? E o que é a vida humana?