Judas, o beijoqueiro…

Quando um beijo foi capaz de ofuscar a vitória de uma equipa feminina, pergunto-me: Porque havemos, nós, de ter dois pesos e duas medidas?

Um beijo, é um beijo… e nunca será outra coisa mais do que um beijo. Quando era pequenino até me ensinaram uma marotice: «Beijo na testa é respeito, beijo no rosto é carinho, beijo no queixo é vontade de subir mais um pouquinho!». Era ditos inocentes, com marotices à mistura, mas que tinham o seu quê de pimenta. 

O beijo pode não querer apenas dizer amor, mas também traição. Jesus foi entregue com um beijo do seu próprio discípulo: «Judas, com um beijo trais o Filho do Homem?», perguntou Jesus. O que na linguagem simbólica transmite amor e desejo, naquele enquadramento evangélico significou uma traição. Porém, foi através deste gesto que Jesus entrega voluntariamente a sua vida para nos salvar.

Será que este beijo que anda na boca de toda a gente, o beijo de Rubiales a Hermoso nos vai salvar desta cultura? Será possível que se chegue ao ponto de se considerar um abuso sexual a partir de um beijo dado na boca em frente de milhões de pessoas?

Eu, sinceramente, já me habituei a todo o tipo de coisas neste mundo e não posso falar muito, porque me chamam antiquado. Talvez aqui também o seja! 

Se me perguntarem se eu gostaria de ser beijado, sem eu esperar, por quem quer que seja, eu direi, claramente: Não! Eu não quero ser beijado por ninguém e não admito a ninguém que me beije na boca sem o meu consentimento. 

 

Será que se alguém me beijar sem o meu consentimento constitui um abuso sexual contra mim? Bem, acho que não… Acho que constitui uma parvoíce do mais estúpido que existe: receber um beijo na boca de alguém com que eu não tenho a menor relação! 

Sinceramente, por outro lado, tenho pensado várias vezes que este clima até nos poderá livrar de uma cultura nojenta e porca a que os portugueses se habituaram a viver em todo o qualquer sítio. Não me estou a referir aos beijos e apertos que vemos fazerem na praça pública, nos transportes e nos bancos de jardim. Quando eu ia no metro com a minha avó e à nossa frente os namorados se beijavam, ela dizia: «Porcos!». 

 

Mais uma vez digo: Não se trata de eu pensar que o tal senhor do desporto tem o direito de beijar livremente a jogadora de futebol, tal como não admitiria que alguém me beijasse sem o meu consentimento, principalmente à frente de toda a gente. Porém, depois de ter visto esta semana de comentários, onde um beijo foi capaz de ofuscar a vitória de uma equipa feminina, pergunto-me: Porque havemos, nós, de ter dois pesos e duas medidas?

Os mesmos que se indignaram com este beijo sensual, são provavelmente os mesmos que nos bailes de verão se balançam ao som de Quim Barreiros. Já leram bem as letras? «Põe o carro. Tiro o carro. À hora que eu quiser. Que garagem apertadinha. Que doçura de mulher». 

Já leram letras mais machistas? Já viram como centenas de juntas de freguesias, câmaras municipais e, pasme-se, festas em honra dos queridos santos populares pagam aos artistas para se cantarem as musicas deste artista e as músicas de muitos outros artistas cujas letras são, no mínimo, uma vergonha?

 

Será que é agora que vamos conseguir moralizar um pouco as coisas e meter um ponto final neste tipo de cultura que não enaltece o homem e muito menos a mulher? Será que este beijo nos irá ajudar a mudar a cultura machista e porca paga por fundos públicos e religiosos? 

Já que os santos não nos livram, ao menos que haja mulheres de fibra que metam um ponto final nisto…