Tempo. Quase metade em seca severa ou extrema

Da situação de seca a soluções como as centrais de dessalinização, o Nascer do SOL falou com as professoras universitárias Maria José Roxo e Cristina Matos.

Depois de, no ano passado, Portugal Continental ter estado quase a 100% em seca severa a extrema, a percentagem desceu para 48%, aproximadamente metade. A região sul do país é a mais afetada pela seca, e embora haja previsões de alguma chuva nas próximas semanas, de acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), essa precipitação será útil, mas não suficiente para resolver a situação de seca. «A situação não é tão complexa como a do ano passado porque tivemos chuva que fez com que as barragens, sobretudo no Norte do país, recebessem mais água. Aquilo que é mais notório este ano é que temos uma diferenciação maior entre o Norte e o Sul, pois não choveu no Sul como choveu noutras regiões. No ano passado tínhamos um território que já estava seco, numa situação mais igualitária», começa por dizer Maria José Roxo, professora catedrática do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

«Não só temos essa diferenciação do ponto de vista climático, como no Sul se está a gastar água e há uma necessidade da mesma que está condicionada pela atividade turística. E também com todo o sistema de culturas que temos no Sul, que são em grande parte de irrigação, houve a necessidade de controlar a água, sobretudo no Litoral Alentejano, e a ministra da Agricultura não permitiu que houvesse mais culturas irrigadas. Choveu menos, consome-se mais e a situação é aquela que sabemos, mas o nosso grande problema é não ter chovido como choveu no Norte e no Centro», sublinha, sendo que as suas áreas de investigação são a desertificação, as catástrofes e riscos ambientais, os recursos naturais e a geomorfologia.

«A chuva que se fará sentir não vai mudar esta situação e esta deve ser uma das coisas a serem bem explicadas. A sensação que as pessoas têm de que ‘começou a chover e a seca desapareceu’, não é verdade. O ideal é que chovesse muito e bem, sem serem chuvadas de grande intensidade, de maneira a termos água verdadeiramente útil. Mas temo que, quando começar a chover, não se fale mais em seca. Ainda vai demorar bastante até que se consiga ter uma situação dita normal. As pessoas têm de pensar que as situações de seca têm uma indicação que é preciso adaptarmo-nos: portanto, reduzirmos o consumo de água», adianta, avançando que «há outra questão que são as águas subterrâneas: foram muito exploradas. Precisamos que chova muito para termos mananciais de água a funcionar e as pessoas não têm isso muito presente. Era fundamental nevar porque essa água é aquela que derrete, vai entrando no solo, vai para as águas subterrâneas… Isso é que seria fantástico».

«As pessoas no mundo rural têm mais perceção disto do que aquelas que vivem no mundo urbano. Muitas ficaram sem água nos poços e isso quer dizer que não há água subterrânea. Na cidade, só prestaremos atenção a isto quando ficarmos sem água nas torneiras. Tal não pode acontecer, a preocupação tem de ser permanente. As mudanças climáticas vão-nos dando dicas. Desde 2000 até agora, tivemos um número de secas muito relevante. Há que ter em atenção que as coisas estão a mudar. É complexo», frisa Maria José Roxo. 

Segundo o boletim semanal relativo à situação de armazenamento das albufeiras, a 28 de agosto, e comparativamente ao boletim de dia 21, deu-se a diminuição do volume armazenado em 15 bacias hidrográficas. 

Dos reservatórios que estão sob monitorização, 34% deles possuem uma quantidade de água armazenada que corresponde a mais de 80% da sua capacidade total. Em contraste, 23% dos reservatórios têm níveis de água inferiores a 40% da sua capacidade total. No final de agosto, a quantidade de água armazenada nas bacias hidrográficas é maior do que as médias históricas de armazenamento para o mês de agosto, considerando o período entre 1990/91 e 2021/22. Entretanto, essa tendência não se aplica às bacias hidrográficas do Vouga, Sado, Mira, Arade, Ribeiras do Barlavento e Ribeiras do Sotavento, onde os níveis de armazenamento estão abaixo das médias históricas para o mesmo período.

«O valor é o que é, mas estamos a referir-nos a valores médios no país. Este ano a situação do sul do país viu-se agravada no que se refere à seca. Na minha opinião, estes valores devem-se mais a aspetos meteorológicos do que ao efeito de medidas que se tenham tomado para mitigar a seca, até porque estas levam tempo a ser pensadas, e principalmente a ser implementadas», explica Cristina Matos, professora assistente na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que se concentra no estudo do uso eficiente da água e na procura de fontes alternativas de água, como sistemas de captação de água da chuva e reutilização de água.

«Podemos referir três tipologias de medidas para mitigar o efeito das secas: as medidas de sensibilização, económicas e técnicas. No que se refere à sensibilização dos consumidores, pouco se tem feito. Informar os consumidores de que existe disponibilidade de água para vários anos de abastecimento público não é, certamente, o melhor caminho. Trata-se de uma questão de educação ambiental que é necessário reforçar desde cedo», acrescenta, explicitando depois as medidas técnicas. 

«Há que procurar incentivar a gestão pelo lado da procura (redução dos consumos) e não da oferta (aumento das disponibilidades) e o aumento da circularidade no ciclo urbano da água (utilização da água pluvial; reutilização, reciclagem). No que se refere às económicas, há uma tendência a optar pelo aumento do preço da água. Não se contesta que a água seja barata em Portugal, mas também não se deve esquecer que em Portugal 1,6 milhões vivem no limiar da pobreza», declara, deixando claro que «a gestão da água exige, de facto, um reforço na sua circularidade. Pensarmos a água como um recurso, que é, fundamental à sobrevivência das espécies. Alguma coisa tem sido feita mas muito pouca face às necessidades».

«Como costuma referir o professor Silva Afonso, já há 13 anos a ANQIP (Associação Nacional para a Qualidade nas Instalações Prediais) propôs e defendeu a adoção de um princípio de 5R para sistematizar a eficiência hídrica nos edifícios: Reduzir os consumos, Reduzir as perdas e desperdícios, Reutilizar a água, Reciclar a água e Recorrer a origens alternativas. É fundamental e aplicar-se em todos os setores», recomenda, dizendo que «não se pode deixar de referir também o papel da Comissão Europeia (CE) neste contexto. Recentemente, apenas alguns programas promovidos pelo Fundo Ambiental, no âmbito do PRR, têm incluído apoios à eficiência hídrica em edifícios, mas são manifestamente insuficientes e secundários, pois apenas podem ser considerados quando integrados em candidaturas no âmbito da eficiência energética».

«Desde finais do século passado que se sabe que as alterações climáticas iriam trazer a Portugal situações mais intensas e frequentes de secas. Todos os cenários apontavam para uma progressiva e significativa redução da precipitação em Portugal e para um aumento das temperaturas médias ao longo dos anos, projeções que, infelizmente, se têm vindo a concretizar. Previsão possibilita preparação e também alguma prevenção, algo que não se tem aplicado grandemente no setor da água», evidencia, indo ao encontro da perspetiva de Maria José Roxo.

 

A dessalinização

Naquilo que diz respeito às soluções para a problemática da seca, Alfredo Graça, geógrafo e editor-chefe da Meteored Portugal (equipa do tempo.pt), já em junho deste ano, disse, em declarações ao i, que Portugal enfrenta de forma persistente a seca, afirmando que, anualmente, é comum ouvirmos frequentemente nos meios de comunicação social sobre a gravidade desse fenômeno. O mesmo gera uma série de problemas em diversos aspectos, incluindo o setor agrícola, a pecuária e também questões relacionadas com o armazenamento e abastecimento de água, assim como o abastecimento adequado de alimentos. Uma das soluções frequentemente sugeridas para lidar com esse problema e romper com a recorrência de secas no território continental português, especialmente nas regiões do Nordeste Transmontano, Alentejo e Algarve, são as centrais de dessalinização.

Esse tipo de infraestrutura tem a capacidade de transformar água salgada do mar em água potável, apresentando-se como uma solução crucial para combater a escassez de água em regiões áridas. Esses locais têm climas semelhantes aos de regiões do Norte da África, por exemplo. De acordo com diversos estudos científicos, é possível que o Sul de Portugal continental apresente, em algumas décadas, um clima muito semelhante ao da região norte da África. Isso poderia resultar numa maior ocorrência, duração e intensidade de secas na região. Alfredo Graça observa esse ponto e levanta questionamentos, perguntando por que Portugal, com a sua extensa costa de mais de 900 km voltada para o Atlântico, não adotou mais cedo a solução das centrais de dessalinização. Também questiona a sustentabilidade ambiental e económica dessa abordagem a longo prazo e explora os desafios que surgiriam caso o país optasse por implementar mais centrais de dessalinização.

Desde o início do século XXI, tem havido um aumento na frequência, intensidade e duração das secas em Portugal. Devido a essas repetidas situações de seca, que culminaram numa das mais severas no ano passado (2022), o Governo português decidiu tomar medidas. Foi determinada a construção de uma central de dessalinização na região do Algarve, com previsão de conclusão até março de 2026. Essa iniciativa faz parte do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Na perspetiva do geógrafo e editor-chefe da Meteored Portugal, Alfredo Graça, a situação em Portugal relacionada com a seca suscita várias considerações. Reconhece que as centrais de dessalinização podem ser uma solução notável para combater a escassez hídrica, especialmente durante períodos de seca e verões quentes. O gasto de água em Portugal continental é substancial durante todo o ano, com um pico durante o verão, usado para fins industriais, abastecimento público, agricultura e turismo. Portanto, uma gestão eficaz dos recursos hídricos é crucial para evitar o desperdício.