Por Filipa Chasqueira
Independentemente de pensar se Rubiales devia ou não ter beijado Jenni Hermoso, o que me preocupa e chama a atenção em todo este caso é a forma como uma nova sociedade impregnada de fiscais da censura, defensores da igualdade e da justiça, aparentemente empurrou a jogadora a formalizar uma queixa contra o presidente da Federação espanhola, quando inicialmente tinha desvalorizado o episódio referindo-se ao beijo polémico como «uma brincadeira», «um gesto natural de carinho e de agradecimento», «de amizade e gratidão». Nas mesmas declarações destacou a excelente relação com o presidente. O que mudou então? Houve outro beijo a que não assistimos?
Não venho defender Rubiales, que passei de não saber quem era para ver diariamente a sua vida escrutinada nas notícias. Já se percebeu que não é um menino de coro, como aliás não serão todos os que o têm atacado e lavado roupa suja. Naturalmente não suporto o machismo de quem sente que pode fazer o que quer independentemente da vontade de quem está do outro lado. Venho apenas pensar na forma como com a intenção – ou a desculpa – de promover a igualdade e a justiça, podemos calar as supostas vítimas e afunilar o seu pensamento, conduzindo-as a dizer aquilo que se espera delas. Questiono-me sobretudo sobre o impacto que isto tem na forma de pensar de cada um, na capacidade de cada um para se expressar livremente e ter ideias diferentes dos outros. Como poderá ser o caso da jogadora da seleção espanhola e de todas as pessoas que foram cegamente atrás desta onda insana de ataque e censura. Não sei o que é verdadeiramente violento, se o beijo ou esta pressão feita à jogadora por parte de uma sociedade que a obriga a admitir o que se espera ouvir dela. Parece que quem não se insurgir contra esta «forma de violência sexual»! (nas palavras da ministra) é um monstro.
No vídeo das jogadoras no autocarro a seguir ao jogo, Jenni Hermoso parece estar tudo menos incomodada, comprometida ou revoltada. Aparece feliz com as colegas a festejar a vitória e a brincar com o acontecimento inesperado. Veio também a público que a primeira declaração da jogadora contra Rubiales teria sido construída por terceiros. É caso para perguntar: o que sentiu e pensou de facto Hermoso antes de ser contaminada por esta onda de censura? Estarão todos estes pseudodefensores da igualdade realmente preocupados com a jogadora? Ou por trás deste manto de solidariedade haverá muita gente a aproveitar-se deste episódio e de Hermoso para seu próprio interesse?
Ao contrário das imagens festivas a que assistimos a seguir ao jogo, as notícias que nos chegam agora da jogadora são bem mais cinzentas. Segundo algumas fontes encontra-se fechada em casa, cansada de toda a polémica e perseguida constantemente pelos meios de comunicação. Certamente todos os sentimentos negativos que poderia ter em relação ao beijo (se é que os tinha) serão bastante diferentes com toda esta mediatização. Se podia ser lembrada como uma vitoriosa campeã do tão aclamado campeonato feminino, depois de ter sido apontada como a vítima do presidente da Federação Espanhola é agora convertida à força no símbolo contra o sexismo. Será mais feliz assim? Não estaremos a exagerar? Este beijo que, consentidamente ou não, foi só um beijo – espero não ser presa por escrever isto – e que até lembra as reações efusivas e bem-dispostas de alguns filmes, será só por si um acontecimento tão grave e tão importante para revoltar tantas pessoas e inundar diariamente os noticiários e as redes sociais? O que move efetivamente esta corrente? Alguém está realmente preocupado com a jogadora? E se tivesse sido Jenni Hermoso num impulso de euforia a beijar Rubiales?
Psicóloga na ClinicaLab Rita de Botton
filipachasqueira@gmail.com