Amy Winehouse: Um mergulhar no passado

A sua voz é inconfundível, a sua história trágica. Amy Winehouse conquistou o mundo ainda jovem vendendo até à sua morte, aos 27 anos, três milhões de discos. Agora, 12 anos depois do seu falecimento, os seus pais preparam um novo livro, que possui informações e fotografias inéditas sobre a artista.

O nosso quarto é, muitas vezes, refúgio. Para muitos, as paredes guardam momentos vividos em solidão onde a almofada é ouvinte e a secretária local de reflexão. É, por isso, natural que pensemos naquilo que os artistas que admiramos vivem e passam nesse espaço. E, no dia 31 de agosto, a poucos dias daquele que seria o seu 40º aniversário (14 de setembro), poderemos mergulhar em algumas das folhas escritas pela jovem Amy Winehouse quando esta ainda não tinha conquistado o mundo com a sua voz rouca. «Estou feliz por ser diferente. Não gostaria de ser como toda a gente. Adoro ter o meu próprio estilo. Adoro falar alto e falar mal das pessoas. É assim que sou», desabafava nas páginas do seu diário pessoal, sozinha no seu espaço. Recorde-se que a artista morreu aos 27 anos, em 2011, na sua casa de Londres, por uma intoxicação por álcool. Antes do seu falecimento vendeu mais de três milhões de álbuns.

Mantê-la viva na memória 

Editado pela HarperCollins, ‘In Her Words’ é uma obra com 288 páginas, onde em cada uma «se exibe o seu incrível talento para a escrita, a inteligência, o charme e a vontade de viver».  «O livro acompanha a sua evolução criativa desde o norte de Londres à chegada ao estrelato internacional e oferece uma visão rara sobre a pequena jovem que cresceu para se tornar numa lenda», afirma a editora. 

No ano passado, Tyler James, tido como melhor amigo de infância da artista, lançou o livro ‘Minha Amy’, em que desconstrói a imagem de viciada incorrigível que acabou por ser propagada pelos meios de comunicação depois da sua morte. Neste, o objetivo, de acordo com os seus pais, é também mostrar um outro lado de Amy, «o divertido e espirituoso».

Os primeiros excertos foram divulgados por Janis Winehouse-Collins e Mitch Winehouse na passada sexta-feira, 18 de agosto, no jornal The Telegraph, tendo sido também publicadas várias fotografias nunca antes vistas.

Segundo os mesmos, após a morte de Amy, estes começaram a analisar os rascunhos e desenhos que juntou desde a infância, começando a entender melhor como, «por detrás da sua atitude desinteressada», Amy «já vinha aprimorando cuidadosamente o seu talento há anos». «Enquanto crescia, o quarto era o seu refúgio e um lugar onde se recolhia sempre para trabalhar. Não sabíamos na época, mas ela enchia caderno atrás de caderno com listas e desenhos, mapas e plantas, que ela revia e atualizava constantemente, muitas vezes enquanto trabalhava no quarto até às primeiras horas da manhã», contam no jornal britânico. Nos anos que se seguiram, continuam, onde quer que Amy morasse ou viajasse, ela tinha sempre um caderno com ela, anotava constantemente os pensamentos, sentimentos e ideias. 

«Ainda é difícil para nós acreditar que a nossa menina travessa foi da Osidge Primary School, no norte de Londres, ao ponto de ganhar um prémio Ivor Novello. Enquanto ia crescendo,  estava sempre a cantar e a dançar, a desaparecer ou a aleijar-se, mas apesar de ser um turbilhão, ela também tinha um lado tranquilo. Era quando se retirava para o quarto e escrevia e desenhava nos seus cadernos», acrescentaram os pais.

De Amy para Amy

Apesar de gostar de ser diferente e de «se destacar da multidão», por vezes, de acordo com a mesma publicação, Amy reconhecia ter um «temperamento difícil» e lutava contra os seus sentimentos: «Odeio o meu temperamento. Às vezes, isso corrói-me tanto que fico fisicamente violenta com aqueles que amo. Por mais que diga que sinto muito, é algo que eles jamais podem esquecer», confidenciou aos seus rascunhos, onde também refletia sobre o homem dos seus sonhos. 

«Às vezes penso, pergunto-me se há alguém. Algum rapaz por aí que seja tão louco como eu? Um rapaz cool de cabelo escuro, que use óculos para ler e seja um verdadeiro rapaz indie? Piercings opcionais, sotaque escocês ou irlandês, de preferência», descreveu, questionando por que é que «todos os amigos» do seu irmão se encaixavam nessa descrição, sendo que ela era «muito jovem para fazer algo a respeito». «Será que o amor vai cruzar o meu caminho ou estou destinada a sair com rapazes do metal ou giros sem cérebro? (Algo que eu desprezo)», interrogava.

Nos seus rascunhos, a cantora também descrevia ambições que tinha para a sua futura carreira e chegou mesmo a escrever uma lista à qual deu o nome de «Fame Ambitions». Aí, enumerou o que gostava de um dia ter ou fazer, se fosse famosa. Na lista, tinha coisas como: ser fotografada por David La Chappelle, fazer um filme onde pareça feia, ser a melhor amiga de Sarah Jessica Parker, Stella McCartney e de Eddie Izzard, colaborar com a Missy Elliot e o Timbaland, ter uma coleção de sapatos com mais de 300 pares e comprar uma casa em South Beach. 

Ao The Telegraph o pai de Amy recordou ainda as várias discussões difíceis que teve com a filha quando esta era adolescente. Muitas vezes a jovem interrompia-o a meio da discussão, pegava num papel e numa caneta e anotava o que o pai tinha dito. Depois, voltava ao debate: «Desculpa pai. Aguarda um minuto. Só preciso de escrever isto», revelou Mitch. A sua música mais famosa, por exemplo, ‘Rehab’, foi escrita após uma conversa que teve com o pai. De acordo com o pai, Amy chegou a casa com os seus então agentes que estavam preocupados com os problemas que ela tinha com a bebida e queriam levá-la para um tratamento profissional. A artista terá dito: «Eu não quero ir, pai!».

Os lucros da obra reverterão integralmente para a fundação da cantora The Amy Winehouse Foundation. A sua família criou a organização de caridade no que seria o seu 28º aniversário para combater o abuso de drogas e álcool entre os jovens e ajudá-los a superar distúrbios alimentares ou automutilação.

A Fundação anunciou há uns dias que «o espólio de Amy Winehouse doará 100% do adiantamento e dos royalties que receber (líquidos de taxas de agência cobradas) pela produção e venda deste livro para a Fundação Amy Winehouse». «Esses fundos ajudarão a instituição de caridade a continuar seu trabalho vital ajudando milhares de jovens, que as pessoas se sintam apoiadas na gestão do seu bem-estar emocional e na tomada de decisões informadas», explica. «As iniciativas incluem a Amy’s Place, que oferece moradia para recuperação de dependências para jovens mulheres; programas de construção de resiliência em escolas, programas de musicoterapia e apoia crianças com necessidades educativas especiais e condições limitantes de vida. A Fundação apoia e inspira jovens vulneráveis ​​e desfavorecidos e ajuda-os a atingir o seu pleno potencial», garante.

Fotografias inéditas 

Numa entrevista à People no passado domingo, os pais da artista revelaram também algumas fotografias inéditas, explicando o contexto de cada uma. Numa delas, vemos Amy com meses, ao colo da mãe. Numa outra, vestida de branco, com um lacinho na cabeça, sentada num carrinho, a pequena Amy sorri. Muito antes de fazer o mundo sorrir com os seus sucessos, Amy já trazia alegria à sua família. «Sempre quisemos que o mundo conhecesse a verdadeira Amy, de onde ela veio e o que a motivou», disse o seu pai à revista americana.  «Em todos os aspetos, ela era apenas uma criança judia normal do norte de Londres, que fazia coisas normais de criança, frequentava aulas de teatro, amava a avó, a mãe e o pai, amava o irmão», acrescentou Mitch. Numa outra fotografia o pai segura a boia de Amy na praia e vemos o seu irmão mais velho Alex atrás. 

Nas fotografias que se seguem, Amy está quase sempre a sorrir: brinca às escondidas dentro de um cesto de roupas; anda de baloiço enquanto observa o céu; com os lábios bem encarnados e as bochechas rosadas brinca numa piscina colocada no quintal; abraça o irmão numa sessão de fotografias de regresso às aulas; numa outra fotografia dos dois, noutro contexto, este abraçam-se enquanto Alex fixa a lente. 

A People revela ainda fotografias da sua adolescência. Numa delas, com a farda do colégio que combina com os seus olhos, podemos ver o seu ar aborrecido. «Desde o início percebemos que a escola provavelmente nunca iria satisfazer a Amy. ‘Estou entediada’, era uma frase que ela repetia com frequência», explicaram os seus pais. «Os professores disseram-me que ela era inteligente e capaz, mas havia sempre um ‘mas’. Ou ela não conseguia ficar parada, ou não conseguia concentrar-se, ou portava-se mal», lembram.

«Sempre que ela era repreendida na escola, cantava ‘Fly Me to the Moon’ do Frank Sinatra antes de ir até ao gabinete da diretora. Ela cantava a música porque a animava», revelou o pai ao Digital Spy, por Far Out Magazine. Segundo o pai, era a música favorita da sua filha quando criança: «Esta era uma música muito especial para a Amy porque costumávamos cantá-la juntos quando ela era pequena, embora nunca tenhamos conseguido fazê-lo como deve de ser. Quando ela tinha cerca de dois anos e estava a começar a falar, eu cantava ‘Fly me to the…’, e deixava a palavra ‘moon’ de fora para ela completar», lembrou. 

A jovem era «uma amiga leal e generosa». «Ela ajudava qualquer um… Era um ser humano maravilhoso que via o melhor em todos», descrevem os pais.

Numa outra foto, já com piercing nas orelhas e no nariz, com uma cara envergonhada mas ao mesmo tempo sorridente, esta é fotografada dentro do carro. «Amy devorou filmes, musicais, romances e poesia, inspirou-se na nossa vida familiar no norte de Londres e nas reviravoltas das suas muitas amizades», dizem os pais no prefácio do livro. «A música também penetrou sem esforço na consciência de Amy e ela conseguia recitar letras e cantar músicas depois de ouvir uma música, talvez apenas uma ou duas vezes. Na casa da sua avó Cynthia, ela vivia no meio do jazz: Frank Sinatra a Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan. E em casa ela cantava canções do musical Mary Poppins ou hinos judaicos que lhe ensinamos», detalham. 

Além disso, contam, era uma planeadora meticulosa. Amy fazia listas para tudo. «Fazia listas do que queria comprar para o seu quarto ou, mais precisamente, o que nós ou os seus avós compraríamos para ela». «Ela escrevia o nome de cada item, a loja onde este poderia ser comprado e o seu custo, tudo cuidadosamente totalizado no final», explicam. 

Numa entrada do diário intitulada ‘Boas palavras para me descrever’, Amy anota todos os adjetivos que ela acredita capturarem o que tem de melhor. «Imaginativa», «melodramática» e «barulhenta» são algumas palavras que entraram nesta lista.