por João Paulo André
Maria Callas (1923-1977) faria 100 anos no próximo dia 2 de dezembro. Para comemorar, a Warner Classics, atual detentora do catálogo oficial das gravações da divina, lança este mês um estojo de 131 CDs com as gravações completas da soprano e conteúdos adicionais que se diz serem inéditos, bem como 3 discos Blu-ray e um DVD. Além do preço elevado do conjunto, a dificuldade em adquiri-lo é agravada pela atual escassez de lojas de discos.
Confesso que uma das primeiras coisas que faço quando me desloco a uma nova cidade é procurar estes estabelecimentos. Infelizmente, os tempos das colossais Tower Records de Londres e Nova Iorque, onde me perdia horas a fio, já vão longe. Enquanto Los Angeles possui ainda a enorme Amoeba Music, Manhattan está praticamente reduzida à loja do MET e à Academy Records, esta com produtos em segunda mão. Em Zurique, assisti ao desaparecimento de duas lojas (uma delas especializada em ópera) e à liquidação do stock de CDs a preços reduzidos numa outra que, depois, recomeçou timidamente e hoje está pouco melhor do que a FNAC do Chiado. A propósito, antes de esta cadeia francesa entrar no nosso país, o Porto teve a magnífica Megastore Roma. E na minha pacata Coimbra, na rua Ferreira Borges, onde agora proliferam lojas de bugigangas, a discoteca Almedina e a Valentim de Carvalho cumpriam bem a sua função. Foi na Almedina que adquiri os meus primeiros CDs, que me deram a conhecer Renata Tebaldi, a alegada rival de Callas. Se não havia o que o cliente queria, a zelosa funcionária, a D. Adelina, encomendava. Dizia que a Decca, editora da Tebaldi, tinha um bom distribuidor. Em paralelo com o desaparecimento destes estabelecimentos, verifica-se, naqueles que restam, que as secções de LPs crescem e as de CDs definham. Recentemente, na secção de discos de uma Barnes & Noble de Nova Iorque, não encontrei CDs de música clássica. Munique parece ser uma exceção à regra: a Ludwig Beck, uma elegante department store, tem ainda uma ampla oferta.
Lançado no início da década de 1980, o Compact Disc (em policarbonato) apresentou-se como a alternativa digital ao analógico Long Play, surgido no final dos anos 40 (o nome ‘vinil’ deve-se a ser feito de policloreto de vinilo). No CD, os dados estão armazenados numa espiral contínua de minúsculas cavidades (‘pits’) intercaladas por zonas planas (’lands’), sob uma fina camada refletora de alumínio. A luz do laser de leitura é refletida de modo diferente pelos pits e lands, sendo a sequência de diferenças de reflexão convertida em linguagem binária (zeros e uns). A descodificação destes gera sinais elétricos que resultam em sons. No LP, uma agulha faz a leitura física dos sulcos nele esculpidos que, na matriz, foram criados por ação das ondas sonoras originais. O sinal elétrico resultante da vibração da agulha é amplificado e transmitido ao altifalante.
Em 2022, pela primeira vez desde 1987, as vendas de LPs nos EUA ultrapassaram as de CDs, representando 71% das receitas de música em formatos físicos. Note-se que o streaming domina de longe, com o Spotify e a Apple Music a perfazerem 84% do total de receitas; por seu turno, os downloads estão em queda. Quanto ao renascimento do vinil, não se pode dizer que se deva exclusivamente àqueles que viveram a sua era de ouro, uma vez que as gerações mais jovens também os compram: Taylor Swift foi a artista que mais LPs vendeu no ano passado nos EUA (1,7 milhões de unidades).
O debate sobre a qualidade relativa do som digital e analógico é de longa data. Enquanto alguns defendem a superioridade técnica do primeiro, citando vantagens como a relação sinal-ruído ou a qualidade do estéreo, outros sustentam que a decomposição do som em dados binários não se equipara à natureza suave e contínua do analógico, comparando com a fotografia digital, em que nem um milhão de pixels consegue reproduzir uma curva perfeita. Entre os amantes do analógico, é comum dizer-se que o som do vinil é mais quente e real. Do lado oposto, argumenta-se que tal apreciação é subjetiva e emocional, ligada a aspetos estéticos e táteis, associados ao ritual de pôr o LP a tocar. Seja como for, tenho um amigo que só aprecia a Callas em vinil. Diz que em CD a sua voz é sempre chorosa e que só no LP adquire calor e profundidade. Tenho de admitir que concordo. Curiosamente, não noto uma grande diferença na voz de Renata Tebaldi em analógico ou digital. Não existirá voz mais bela do que a sua, mas reconheço que a comparação das duas divas é um tema ainda mais subjetivo do que LP vs. CD.