Já nos meus tempos de escola os manuais escolares eram motivo de críticas e burburinho.
Para começar, sempre representaram uma elevada fatia do orçamento familiar no início do ano letivo, porque, para regozijo das editoras, são muitos e caros.
Por exemplo, no 3.º ciclo, os alunos têm cerca de oito livros, já não contando com os cadernos de fichas, que podem elevar o número para o dobro e muitas vezes chegam ao final do ano intactos.
Há ainda manuais para disciplinas práticas que não chegam a ser abertos. As famílias com vários filhos pensam que os mais novos podem reutilizar os livros dos irmãos, mas desenganam-se ao perceberem que, além de a oferta ser tão grande que os professores podem escolher livros diferentes a cada ano, as mudanças frequentes do programa obrigam a novas edições (por vezes com diferenças irrisórias).
Foi assim que surgiram os manuais gratuitos e com eles algumas incoerências e injustiças.
Por exemplo, por que razão os alunos do ensino privado ficam de fora? A escolaridade não é obrigatória para todos? Então por que razão a gratuitidade dos manuais é só para alguns?
Por que razão os encarregados de educação que fazem um esforço, por vezes hercúleo, para suportar a mensalidade de uma escola privada, seja para fugirem às constantes greves dos professores, à falta de professores colocados, às fracas condições de algumas escolas, ou ao método de ensino, não recebem vouchers, se pagam de igual forma os impostos?
Por outro lado, os manuais têm de ser devolvidos em boas condições no final do ano.
Apesar de a chegada de livros a cheirar a novo ser uma forma de motivação e, pelo contrário, o levantamento de livros manuseados, poder ser um pouco desmoralizante, o facto dos manuais serem de todos e terem de ser estimados é naturalmente um bom princípio.
O problema é que na altura de fazer a devolução não é tido em conta se o manual foi recebido em primeira, segunda ou terceira mão, o que irá influenciar o seu estado.
Quem recebe o livro também fará toda a diferença, uma vez que há funcionários que fazem auditorias minuciosas e outros mais condescendentes.
Coloca-se ainda a questão dos manuais do primeiro ciclo, que são verdadeiros cadernos de fichas, feitos para serem preenchidos, destacados, colados e pintados, tornar impossível a sua reutilização.
No final do ano letivo passado o Ministério mudou as regras e pediu a sua devolução, o que gerou uma enorme revolta que o levou a recuar.
No entanto, não vá voltar a mudar de ideias, este ano alguns professores resolveram jogar pelo seguro e proibiram os alunos de escrever nos livros, mesmo nos do 1.º e 2.º anos.
Tiram fotocópias das páginas e são essas que os alunos preenchem, para os manuais permanecerem intactos.
É caso para perguntar: para que serve toda esta quantidade de papel e dinheiro se os livros não são usados?
Ou seja, apesar da facilidade dos vouchers para a compra de manuais, estes continuam a ser uma dor de cabeça e não só para os pais.
Passados tantos anos a falar da coluna e postura dos mais novos, ainda podemos ver diariamente crianças a sair de algumas escolas, curvadas com enormes mochilas às costas, carregadas de um peso físico e psicológico muitas vezes desnecessário e absurdo.
Psicóloga na ClinicaLab Rita de Botton
filipachasqueira@gmail.com