Revoluções geram contrarrevoluções. As tecnológicas geralmente precedem as políticas. Mas nada fica como antes. No século XX, o custo/benefício foi o algoritmo rei na execução das politicas públicas .Com ele, o Estado tornou-se o agente económico mais poderoso nos alvores e escombros das guerras mundiais. Com ele, os mercados foram a fonte de poder eficaz nas economias e sociedades dos últimos 50 anos. Quem duvida do império do algoritmo da Inteligência Artificial (IA) nas escolhas politicas futuras? A sociedade não perdoará aos governos que a IA não seja utilizada para promoção do seu desenvolvimento e bem-estar.
Que evolução advirá de um cálculo auto-organizado, sequencial e eficiente de variáveis como população, crédito, dívida, produção, preços, consumo, taxas, desigualdades, índices e indicadores ambientais e/ou sociais tão fundamentais nas decisões políticas? A mais provável é que IA delimite melhor a medição da verdade. Todavia, como reverso, poderá ser o feitiço do feiticeiro, desvalorizando-se a eficiência como critério de legitimidade politica. Enquanto esta for uma escolha humana. E isto aporta uma revolução política.
Concretizemos. Divisões esquerda/direita; socialismo/capitalismo e Estado/mercados esbater-se-ão com a IA. Esta, reforçando a dimensão processual da politica, estabelecer-se-á nos seus modos de formação/execução, fases ou sequências. Contará menos o dado/informação/conteúdo automatizado que seu modo de informação/processo/transmissão. Menos o sujeito/objeto que os factos/garantias de origem e suporte. Isto aportará outra revolução, entenda-se geopolítica, pela renovada importância dada ao contexto espacial dessa origem.
Exemplifique-se com a condução de um veículo, enquanto analogia de governar. Existirão três sequências: a aprendizagem, que permite a perceção lógica de confiança no ato de conduzir; a cognição, que implica o domínio, o conhecimento de adaptação no espaço onde se conduz e a execução nos comportamentos mecânicos (ex: parar, acelerar, travar). A fase mais importante é a intermédia, a espacial, ligando as outras. Os governos deverão, assim, ter especial atenção ao domínio do geopolítico.
Em sistemas autoritários com a IA não haverá duvidas: um poder executivo será sequencial. Formará sujeitos, alocar-lhes-á espaços, direitos e deveres e conduzirá seus comportamentos. A competição pelos recursos, o controlo politico das fronteiras e dos espaços de produção e distribuição logística serão elementos geopolíticos fundamentais. Têm uma vantagem argumentando a IA: a previsibilidade, estabilidade e continuidade de politicas públicas. Todavia, também induzirão corrupção, distorções e captura pelos seus administradores.
O contexto espacial será decisivo, seja numa cidade, suas envolventes e infraestruturações, na energia, na acessibilidade, nas bacias hidrográficas e suportes de vida, como parques naturais e produções alimentares. O sucesso das democracias depende de as elaborar como fronteiras em movimento, espaços em que a IA é utilizada para a produção e manifestação, partilha, participação, cooperação e utilização de recursos. A formação da lei será um processo inteligente onde representantes eleitos atenderão interesses económicos, sociais e ambientais. O governo deverá ter autoridade técnica na produção. A partilha deverá contar, também, com eleitos para resolução de conflitos e disputas. Muita imaginação? Veja tendências. E a História.
Em primeiro lugar, em 2050 prevê-se que 70% das pessoas vivam em cidades ou megacidades. Os contextos locais determinarão a necessidade de adaptações num mundo geoclimático incerto e parcerias circulares com plataformas tecnológicas internacionais. A História ensina-nos. O institucionalismo existiu nos EUA no século passado, seja no Serviço Florestal dos Parques Naturais ou no TVA (Tennessee Valley Autority) onde Roosevelt e o seu New Deal conseguiram, com politicas de obras públicas e superior gestão hídrica, contrariar a primeira grande crise do capitalismo moderno.
Estes exemplos relembram-nos o fim da ilusão dos mercados, de que a vida é possível e independente de uma relação geo, reconhecendo-se que a institucionalização do território é a fonte visível de democracia, pelo reconhecimento do conflito entre proprietários nos domínios da produção ou criação e aqueles que defendem sua legitimação coletiva. Em Portugal, o mar, a gestão hídrica, a diversidade de paisagens bem agradecerão o uso inteligente da IA.
Assim como domínios da produção alimentar e logística. A dificuldade na decisão de localização do novo aeroporto de Lisboa é evidente. O institucionalismo, com o uso inteligente da IA, governará rios, oceanos, cidades, logísticas e o espaço. Esta é a contra revolução geopolítica em marcha que a IA desencadeará.
Professor Adjunto da UALG e Autor do Portugal Geopolítico