O regresso do lobo. Ambientalistas em guerra com Bruxelas

Bruxelas lançou o pânico sobre o “perigo” que os lobos representam. Ambientalistas denunciam desinformação e contestam a revisão do estatuto de conservação desta espécie há muito perseguida pelo ser humano.

Em tempos à beira da extinção, as populações de lobos estão a registar um regresso notável aos países europeus, graças ao seu estatuto de espécie protegida.

Mas, se tal constitui motivo de orgulho para os conservacionistas, entre agricultores este predador de topo é uma ameaça constante sobre os rebanhos.

Comunidades agrícolas de toda a Europa têm denunciado que os ataques de lobos têm aumentado nos últimos anos e dão-se cada vez mais perto de locais povoados, por vezes até durante o dia.

Por outro lado, os prejuízos são cada vez mais avultados, com casos de produtores lesados em centenas de animais num ano.

Em resultado disso, são cada vez mais os apelos à redução do estatuto de conservação dos lobos, em resposta à ameaça crescente que as alcateias representam para a atividade.

Percecionado como um perigo para os humanos, o lobo foi historicamente perseguido por caçadores até meados do século XX, o que levou a diversas extinções locais.

Mas a criação de instrumentos legais para proteger o animal – como, por exemplo, a Diretiva Habitats da União Europeia (UE), implementada em 1992 e que proíbe a sua captura ou abate deliberado – têm sido determinantes para a recuperação da espécie.

De acordo com a mais recente avaliação levada a cabo pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) sobre o estado de conservação do lobo na Europa, estima-se que a área de distribuição deste predador no continente “registou um aumento de mais de 25%” na última década, sendo provável que atualmente o número total de lobos nos 27 Estados-membros da UE ronde os 19 mil.

Contudo, a proteção do lobo na Europa pode estar de novo em risco, depois de a presidente da Comissão Europeia ter anunciado a revisão do estatuto de conservação da espécie.

“A concentração de alcateias em algumas regiões da Europa tornou-se um perigo real para o gado e potencialmente também para os seres humanos”, justificou Ursula von der Leyen.

Para esse efeito, o executivo comunitário vai recolher dados relevantes das comunidades locais e dos cientistas sobre a população de lobos e o seu impacto, na sequência dos apelos crescentes dos agricultores europeus para os riscos de ataques.

“Com base nos dados recolhidos, a Comissão vai elaborar uma proposta para modificar, onde for apropriado, o estatuto de proteção do lobo na UE e introduzir, se for necessário, maior flexibilidade, tendo em vista a evolução desta espécie”, lê-se na comunicação de Bruxelas.

A presidente da Comissão Europeia tem sido acusada, inclusivamente por eurodeputados, de estar a espalhar o pânico sobre esta questão por motivos pessoais e sem um fundamento científico. A verdade é que este é um tema caro para Von der Leyen, pois em setembro do ano passado o seu pónei foi morto por um lobo no nordeste da Alemanha. Também algumas organizações não-governamentais, tais como o Fundo Mundial para a Natureza e o Gabinete Europeu do Ambiente (EEB) manifestaram a sua preocupação com a “informação enganosa” da Comissão Europeia sobre os perigos das alcateias.

“As provas científicas demonstraram que os lobos não tratam os seres humanos como presas e que os encontros fatais são excecionais”, argumentam as ONG numa carta aberta à presidente da Comissão Europeia.

Não há provas na Europa de quaisquer mortes humanas relacionadas com os lobos neste século e os riscos de ataques são extremamente baixos, segundo os dados mais recentes do Instituto Norueguês para Investigação da Natureza (NINA, na sigla em inglês).

Entre 2002 e 2020, os investigadores do NINA dão conta de apenas seis ataques, nomeadamente na Polónia, Croácia, Itália e nos Balcãs. Os únicos dois ataques fatais neste período de 18 anos foram registados na América do Norte.

O lobo-ibérico ainda em perigo de extinção

As iniciativas para enfraquecer a proteção legal do lobo também têm feito soar alarmes junto dos ambientalistas em Portugal, onde o lobo-ibérico é uma espécie protegida por lei desde 1988 e classificada em perigo de extinção devido ao reduzido número de fêmeas reprodutoras por ano.

Estima-se que haja um total de dois mil indivíduos na Península Ibérica, dos quais cerca de 300 em Portugal.

O último censo com informações sobre quantos lobos-ibéricos há em Portugal e onde é que eles estão realizou-se entre 2019 e 2021, coordenado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), e os dados serão publicados ainda este ano.

Mas os últimos dados oficiais ainda são de 2002 e 2003. Nessa altura, foram identificadas 63 alcateias – 51 confirmadas e 12 prováveis -, tendo sido ainda estimado um número populacional de entre 220 e 430.

De acordo com o ICNF, há “uma estabilidade no efetivo populacional estimado”, ou seja cerca de 300 lobos, mas este efetivo, de acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), “é considerado reduzido para assegurar a conservação da espécie a longo prazo, justificando a atribuição do estatuto de conservação de ‘Em Perigo’ no Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal”.

Dando voz a esta preocupação, sete associações ambientalistas portuguesas, que integram a Coligação C7, contestam o “tom negativo” de Bruxelas e alertam ainda para o facto de que os lobos, enquanto predadores de topo da cadeia alimentar, “desempenham um papel fundamental na manutenção do equilíbrio dos ecossistemas e no controlo populacional de várias espécies”, pelo que a sua proteção “é crucial e indispensável” para a conservação da biodiversidade.

“A mensagem da Comissão Europeia é enganadora. É lamentável que os lobos estejam a ser instrumentalizados num jogo político pré-campanha para as eleições europeias que em nada resolve os problemas socioeconómicos que afetam a agricultura e as comunidades rurais.

Este tom negativo e sem fundamentação cientifica corre o risco de vilipendiar uma espécie que desempenha uma função ecológica crucial, podendo, inclusivamente, resultar em ações de retaliação que põem em perigo o bem-estar animal e o estado de conservação do lobo na União Europeia”, comenta Catarina Grilo, da Coligação C7.

O Partido Popular Europeu (PPE), família política de onde Von der Leyen é originária, tem sido o principal motor por trás da revisão do estatuto de conservação dos lobos, em defesa da subsistência dos agricultores e das comunidades rurais.

Em novembro do ano passado, uma resolução do Parlamento Europeu, onde o PPE tem maioria, apelava à Comissão Europeia para que apoiasse o setor agrícola, permitindo maior flexibilidade para proteger o gado de ataques.