Tubarões em Portugal. “Não há mais tubarões, o que há é muito mais visibilidade”

Todos os anos há novas notícias sobre a presença de tubarões na costa portuguesa que causam alarme. Mas a verdade é que o tubarão sempre fez parte da nossa costa e a sua presença é muito importante para o ecossistema marinho.

As notícias sobre a presença de tubarões na costa portuguesa tornaram-se habituais, mas continuam ainda assim a provocar alarme entre os banhistas. Este ano, o segundo maior tubarão do mundo foi avistado na costa portuguesa e não é a primeira vez que isso acontece. Mas será realmente um acontecimento excecional? E a que se deve o fenómeno?

“Estes tubarões existem na nossa costa desde que Jesus os pôs no mundo”, começa por brincar João Correia, biólogo marinho e empresário. “Hoje em dia não há mais tubarões, o que há mais são mais telemóveis e há dados. As pessoas antigamente não tinham câmaras no telefone. Depois tinham câmaras mas não tinham dados porque era muito caro. Hoje em dia toda a gente tem dados, toda a gente está nas redes sociais”, explica o biólogo marinho. “Se um tubarão passasse antigamente na Fonte da Telha, ninguém dava por isso, tirando as quatro ou cinco pessoas que o viram. Hoje em dia aquilo vai para as redes sociais e, numa questão de segundos, aquele tubarão está a ser visto por milhões de pessoas. Não há mais tubarões, há é mais visibilidade, muito mais”.

Então sempre houve tubarões perto da costa portuguesa? João Correia não tem dúvidas: “É normalíssimo. A nossa costa é um paraíso para quem gosta de tubarões”. Dito isto, lembra uma história que se passou consigo. “Em 2009 fui para o mar com uns amigos meus fazer o chamado tag and release. Marcamos os bichos e depois libertamo-los. E, nesse dia, marcámos e libertámos 130 tintureiros, o tubarão-azul, que são os mais comuns ao largo da nossa costa. 130 em três ou quatro horas. Meia dúzia de barcos. Só não marcámos mais porque não tínhamos mais marcas. Superou toda e qualquer expectativa. Isso é muito normal mesmo”, diz ao nosso jornal.

Há perigo? Mas a verdade é que esta proximidade assusta a população e é preciso ter em conta que já houve portugueses mordidos por tubarões na nossa costa. O caso mais recente aconteceu em agosto quando um pescador foi mordido por um tubarão-azul na costa de Vila do Conde. O especialista em tubarões explica que estes animais só atacam quando se sentem ameaçados, fora isso, não mordem o ser humano. “As espécies que ocorrem predominantemente na nossa costa, são espécies que não têm histórico absolutamente nenhum de interação e ataque e incidentes com pessoas”. E acrescenta: “Se tivéssemos tubarões-brancos, tigre ou tubarões-touro nas nossas águas, que são animais muito corpolentos que ficam com 5 ou mais metros de comprimento, que estão habituados a morder presas maiores que a boca deles – dão uma dentada num leão marinho e arrancam metade do leão marinho – aí seria outra conversa. Aí não seria eu o tonto que ia dizer às pessoas que podem entrar dentro de água sem qualquer problema, porque de facto arriscavam-se a ficar sem uma perna. Mas não temos isso. Essas espécies são muito abundantes em várias partes do mundo mas não cá. Não existem. Os banhistas portugueses estão absolutamente seguros que não será cá que vai acontecer nada”.

Na verdade, explica João Correia, os tubarões existentes em Portugal alimentam-se maioritariamente do que existe no mar, de peixes pequenos como sardinhas, carapaus, cavalas, lulas, chocos, entre outros.

Pesca ativa é um problema Na verdade, quem corre perigo são os tubarões: os dados mostram que um quarto dos habitats dos tubarões oceânicos coincide com zonas de pesca ativas. E isto pode ser um problema. “Os tubarões são muitíssimo explorados pela pesca comercial, muito mesmo. Estima-se que sejam cerca de 200 milhões mortos todos os anos”, revela o biólogo marinho, acrescentando que “a esmagadora maioria das operações de pesca comercial, por exemplo, do espadarte, do atum, fazem muita captura acessória de tubarões”. Mas há outro problema que o especialista diz ser mais complexo e mais difícil de tratar. “Na pesca comercial, na maioria dos casos, as quotas para essas espécies tradicionais, espadarte, atuns, etc., são muito baixas. Os navios fazem uma ou duas saídas num ano e já esgotaram a quota. Depois passam o resto do ano a apanhar tubarões porque não têm mais nada para apanhar”, lamenta. Além disto, acrescenta, existe outro “drama longuíssimo e chato do porquê de isto ser assim porque hoje em dia o problema não é tanto falta de peixe, é mais excesso de barcos”.

Na opinião do biólogo, as frotas portuguesas, espanholas, francesas, entre outras, “foram incentivadas a crescer ao longo de décadas e décadas com subsídios da União Europeia e hoje em dia chegou-se a um ponto em que há muito mais barcos do que devia haver. Se a frota europeia fosse metade daquela que é, tínhamos uma pesca sustentável e com pescadores ricos. Como vimos a quantidade disparatada de barcos que temos, temos os pescadores sempre à porrada com biólogos e políticos”, lamenta ainda o especialista.

A importância para o ecossistema marinho Apesar do medo que possam causar a muitos dos que gostam de ir a banhos, sobretudo desde que o filme Tubarão, de Steven Spielberg, se estreou em 1975, os tubarões são muito importantes para o ecossistema marinho. “São absolutamente vitais porque estão no topo da cadeia alimentar, a maior parte das espécies”, salienta João Correia, que explica que existem 400 espécies de tubarões e perto de 600 espécies de raias, “mas na maioria dos casos, essas mais exploradas comercialmente estão no topo da cadeia alimentar”. E alerta: “Quando o topo de uma cadeia alimentar sofre, toda a cadeia alimentar sofre”.

Para explicar a gravidade da situação, o biólogo marinho deixa um exemplo verídico que aconteceu num período compreendido entre as duas guerras mundiais na região da Califórnia, onde havia uma indústria tremenda de conservas. “Essas sardinhas são comidas por muita coisa mas também por leões marinhos. E havia muitos tubarões brancos naquela zona”, conta. Devido a um possível ataque de tubarão branco a um humano, decidiram matar os tubarões brancos todos. “Ora, a população de leões marinhos multiplicou-se de forma disparatada e, naturalmente, esses bichos dizimaram por completo a tal indústria conserveira, as sardinhas, cavalas, carapaus, etc., e isso teve um impacto brutalíssimo e muito negativo na indústria conserveira”. Dado o exemplo, João Correia remata: “Ao eliminar-se o topo da cadeia alimentar, essa cadeia alimentar ficou completamente desregulada com um impacto negativo muito sério para as pessoas, para os seres humanos. É um exemplo de muitos”. E ninguém quer que se repita.