Quando John Donne escreveu, no séc. XVII que «Nenhum homem é uma ilha/pleno por si próprio», não poderia antecipar o abastardamento que ao diante faremos dos seus versos num paralelismo com o futebol… até porque a modalidade só dois séculos mais tarde seria codificada.
No poema, identificado pelo seu primeiro verso, que citámos, o autor estabelece um paralelo metafórico entre a importância do esboroamento de acidentes geográficos para a identidade de um continente, e o significado da morte de um ser humano para cada um dos seus congéneres, concluindo que: «Por isso nunca mandes saber por quem os sinos dobram/Eles dobram por ti.»
É esta noção de interdependência que trazemos para o futebol, na linha do que aqui já assinalámos a propósito das condicionantes do sorteio das competições ou da exigência do processo de licenciamento nelas participar. Embora delimitado por quatro linhas, o que se passa no jogo disputado dentro do retângulo de jogo pode ser exogenamente influenciado, cabendo ao organizador da competição atuar no sentido de minorar as influências que constituam entorses à sã concorrência das equipas.
Vejamos, a propósito da notificação, esta semana, de dois clubes para que cumpram um desses mecanismos niveladores, o da verificação do cumprimento salarial, regulado no artigo 78.º-A do Regulamento das Competições e cuja violação importa a reação disciplinar prevista no artigo 74.º do Regulamento Disciplinar:
Em quatro momentos da época desportiva (cinco, se contarmos o licenciamento), os clubes devem demonstrar a inexistência de dívidas salariais aos seus jogadores e treinadores, através de declaração certificada por ROC. Com este dispositivo normativo visa-se evitar que um clube beneficie da vantagem competitiva decorrente da retenção, ademais ilegal, de retribuições. Não nos ocorre outra atividade que assim se autorregule!
Costumo contar que à chegada à Liga Portugal herdei uma modesta montanha de processos de impedimento (destinados a constranger os clubes a regularizar dívidas salariais para com os seus jogadores) e que esta formava cordilheira com uma outra, de processos de desvinculação unilateral de jogadores, por incumprimento salarial. É gratificante constatar que esses processos, hoje, pouco tempo consomem ao Departamento Jurídico. Este é o melhor índice da eficácia das medidas progressivamente mais apertadas que a Liga Portugal vem implementando em matéria de cumprimento salarial, para a promoção da integridade das competições e da verdade desportiva.
Diretor jurídico da Liga Portugal